Transporte de pets se transforma em negócio

Transporte de pets se transforma em negócio

Motoristas que se dedicam ao transporte seguro de animais de estimação apostam em um nicho de mercado que se sobressai em tempos de rotina atribulada, especialmente em grandes metrópoles como Porto Alegre

Por
Felipe Faleiro

Animais de estimação são os melhores amigos dos seres humanos, mas a logística envolvida com os bichinhos pode ser complexa, na maioria das vezes, especialmente considerando longos deslocamentos. Entra aí a figura dos pet drivers. São motoristas que se dedicam ao transporte seguro de cães, gatos, coelhos, hamsters e, também, porque não, animais um tanto quanto exóticos. A confiança compartilhada entre estes guardiões e tutores se justifica pelo aumento no número de profissionais que realizam este serviço, que vem a se somar, por exemplo, aos dog walkers, ou passeadores de cães.

O Brasil tem 54,2 milhões de cães e 23,9 milhões de gatos em um universo de 139,3 milhões de pets, de acordo com um estudo divulgado pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). No país, existe a segunda maior população de cachorros, gatos e aves canoras do mundo e o terceiro maior número de animais de estimação em geral. Soma-se isto a rotina atribulada das grandes metrópoles e um retorno cada vez mais presente às atividades de trabalho fora de casa, com a saída do home office, e o resultado é uma demanda constante e sempre presente para este tipo de empreendimento.

A grande diferença dos drivers em relação aos walkers é que, no caso dos drivers, o trabalho consiste mais em levar, buscar, ou ambos, em consultas veterinárias e viagens mais longas. Não é difícil encontrar exemplos de pessoas que fizeram desta função um meio de vida, especialmente em grandes cidades, como Porto Alegre. A questão da segurança viária é sempre fundamental, ainda que os bichinhos transportados geralmente tenham menos resistência ao transporte via automóvel.

“É preciso sempre observar o bem-estar do animal, que deve estar seguro dentro do veículo: ou em caixa de transporte ou no cinto, como aqueles colocados na peiteira do animalzinho. Ele também não pode ficar muitas horas exposto”, afirma a secretária da Causa Animal de Porto Alegre, Catiane Mainardi. Na Capital e região metropolitana, diversas pessoas se dedicam a este tipo de atividade, seja pela descoberta de um nicho de mercado ou simples amor pelos animais.

Alequis Sander D'Ávila, 43 anos, mora no bairro Santa Isabel, em Viamão. Ele conta que seu pai, Luiz Fernando Cassel, atualmente com 89 anos, teve uma experiência desagradável há cerca de 20 anos com um taxista, que protestou e se recusou a transportar seus cães de uma clínica veterinária. Na época, o idoso cuidava de 20 animais, geralmente adotados de rua ou diretamente, segundo conta o filho, a partir de pessoas que relatavam não ter condições de cuidar deles.

Observando a cena, o profissional médico sugeriu que Cassel se tornasse um “táxi dog”, denominação pelo qual o gênero também é conhecido. “Por meio do boca a boca, o negócio foi crescendo e se desenvolvendo.” Dez anos depois, D’Ávila trabalhava em uma companhia informática, quando foi dispensado do emprego. O pai, então, sugeriu que Alequis, que tinha um filho de 3 anos na ocasião, ingressasse no negócio de táxi dog. O início dele foi com um automóvel Volkswagen Gol e, depois, um veículo maior, um Fiat Doblò, foi adquirido.

O Trans Dog, denominação do serviço mantido por ele até os dias atuais, realiza o transporte dentro do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e também entre os dois estados. “Se precisar ir a Uruguaiana, Bagé, Florianópolis, vou. Às vezes, chego à clínica e espero a realização do tratamento, ou, se for demorado, volto quando o procedimento estiver pronto. Busco e entrego na casa do tutor.” Ele afirma que organizações não governamentais (ONGs), especialmente as que tratam de adoção de animais, também são parceiras deste tipo de empreendimento. Entre os casos mais inusitados, ele conta que já transportou um gambá dentro do veículo.


Fabiane Osório Fernandes e Gildomar Tambeira fazem serviço bem similar ao transporte escolar de crianças, com a fundamental diferença de que os transportados são os amigos de quatro patas. Foto: Fabiano do Amaral

Uma “Kombi escolar para pets” é um resumo bastante preciso e adequado para o serviço prestado por Fabiane Osório Fernandes, 49, e o marido dela, Gildomar Tambeira, 53, ambos de Porto Alegre. “Tia Fabi” e “Tio Gildo”, como se denominam e são conhecidos pelos tutores, fazem um serviço bem similar ao transporte escolar de crianças, com a fundamental diferença de que os transportados são os amigos de quatro patas. Na realidade, é um nicho mercadológico relativamente inédito, no qual os pets vêm e vão para creches pet, outra similaridade com o serviço para crianças.

O começo do trabalho foi também com um táxi dog; no entanto a mudança de área foi por “sorte ou por um destaque no mercado”, segundo relata ela. “Acho que é um diferencial importante, conseguir direcionar o trabalho de uma forma mais organizada para este segmento e ainda trabalhar com estes agendamentos”, diz Fabiane. “De segunda a sexta-feira, tenho cães agendados para tais e tais creches. Alguns vão cinco dias na semana, outros dois ou três. Já me organizo desta forma.” Atualmente, seis creches em Porto Alegre são atendidas.

A rotina é buscar o primeiro cão no começo do dia e, algumas horas depois, ainda durante a manhã, o serviço está concluído. No final da tarde e começo da noite, ocorre o retorno. O final do expediente ocorre por volta das 21h. “Existe bastante concorrência, é claro, como todos os outros trabalhos, mas existe lugar para todo mundo. É um mercado bastante próspero”, relata Fabiane. Um exemplo de potencial a ser explorado é a segmentação geográfica. No caso da Kombi escolar, o atendimento ocorre no perímetro no entorno da Zona Norte e área central e o casal roda 120 quilômetros por dia com clientes em locais como Teresópolis, Petrópolis e Moinhos de Vento.

Demanda ainda não suprida


Bárbara Ferreira da Silva e Felipe Procasko Treviso têm um serviço de táxi dog e observam que há uma demanda crescente em relação a esse tipo de atendimento. Foto: Guilherme Almeida

Dependendo do formato do transporte, cada serviço tem sua característica própria, mas, conforme descrito anteriormente, existe uma preocupação elementar com a segurança dos animais. Via de regra, bichinhos de estimação não são animais ariscos, porém, podem ser imprevisíveis em determinadas situações. “Geralmente já são socializados entre eles, então se relacionam muito bem, até pelo contato com os cuidadores das creches. Temos, às vezes, voz de comando com eles dentro do veículo, só que, conosco, são muito dóceis”, relata Fabiane Osório Fernandes.

Felipe Procasko Treviso, 33, e Bárbara Ferreira da Silva, 40, estão casados há 14 anos, e o casal tem dois cães, chamados Zé Roberto e Peppa. Ela trabalhava no setor financeiro de uma clínica veterinária e ele atuava em uma loja de eletroeletrônicos e estudava Administração. A mudança de ambos para o serviço de táxi dog veio em um pulo. “Meu ex-patrão precisava de um transporte por uma semana e que o Felipe fosse motorista dele. No final, ficou um ano trabalhando para a clínica e depois resolveu a situação com outro emprego”, conta Bárbara. Isso foi em 2017, ano em que o serviço Felipão Táxi Dog e Pet foi fundado em Porto Alegre.

“A maioria das pessoas hoje em dia não quer mais carregar os animais em caixinhas, querem no banco. Então, identificamos isto e trocamos de automóvel. Atualmente, eles vão no cinto de segurança, na cadeirinha do pet e alguns dos clientes vão junto”, diz ela. No começo, afirma Bárbara, houve certo receio do casal sobre a viabilidade do negócio, mas, hoje, eles descrevem o serviço como “um sucesso”. “Especialmente depois que fizemos parceria com uma clínica, depois foram surgindo outras e atualmente transportamos para clínicas de fisioterapia, banho e tosa.”

Felipe e Bárbara ingressaram no negócio com um Renault Kangoo e trocaram o automóvel para um Peugeot 206, com a expansão da marca própria. Por meio do site do serviço, é possível agendar horários de transporte para creches, atendimentos veterinários em geral e inclusive para o Aeroporto Salgado Filho. “Nosso serviço mais visado é consultas, exames e o atendimento fisioterápico”, relata Bárbara. Por enquanto, o táxi dog do casal atende apenas em Porto Alegre, mas existem planos de expansão do serviço para outros municípios da Região Metropolitana.

A respeito do mercado, Bárbara comenta, assim como Fabiane, que não há como atender a todos os clientes que solicitam os serviços, ou seja, há demanda crescente. “Notamos, neste tempo todo que trabalhamos neste mercado, uma mudança no perfil dos atendimentos ao longo dos anos. O animal foi, cada vez mais, se tornando parte da família, então o cuidado que já tínhamos foi reforçado. Precisamos mudar o comportamento e fazer um atendimento mais ‘humanizado’, digamos. E as pessoas têm cada vez menos tempo para acompanhar os animais em uma consulta”, diz Felipe.

Os maiores players no mercado de aplicativos de transporte de passageiros seres humanos, como Uber e 99, não contam com opções específicas para os pets. A Uber recomenda que o motorista seja avisado do animal antes do embarque na viagem. Já o Garupa, criado na cidade de Porto Alegre, tem o Garupa Pet, que permite levar animais de pequeno e médio porte com até 10 quilos, além de possuir capa ou caixa adequada para proteger os bancos, mais guias ou coleiras. Disponível na App Store, da Apple, e Google Play, para Android, o PetDriver, que funciona apenas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, promete “segurança, cordialidade, higienização e praticidade”.

Planos de saúde em alta

O mercado de planos de saúde para animais de estimação é outro que está crescendo, seja por parte de empresas mais antigas e estabelecidas, seja por outras menores, que personalizam opções para os clientes. Os custos começam em algumas dezenas de reais por mês. “O que temos visto é que há diversos tipos de plano, tanto para as pessoas com maior poder aquisitivo quanto para aquelas com menos condições financeiras”, diz o presidente do Sindicato dos Médicos Veterinários do RS (Simvet/RS), João Batista Pereira Junior.

De acordo com ele, os atendimentos não se resumem a um check-up, mas também a exames e vacinações, o que gera custo mais alto, mas que acaba sendo diluído nas possibilidades oferecidas pelos planos. Hoje, não existe no Brasil regulamentação formal para estes planos, que são regidos por normas gerais de direitos civis e do consumidor. O mais próximo é uma resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária, de 1998, que estabelece a obrigatoriedade do registro da empresa prestadora de serviços da área no respectivo conselho regional de sua jurisdição.

Procurado, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do RS (CRMV-RS) afirmou que não comenta a respeito do mercado. Já a Câmara dos Deputados tem um projeto de lei para promover a regulamentação. A proposta foi criada em 2019 pelo deputado Franco Cartafina (PP-MG) e recebeu mudanças na redação pelo relator, Glaustin da Fokus (PSC-GO). A norma foi aprovada, em novembro de 2021, pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, e tramita na comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O texto obriga os conselhos regionais a publicar na Internet uma lista das operadoras, com os respectivos planos e preços, bem como meios de avaliação dos serviços. Também estabelece a obrigatoriedade do credenciamento do hospital, clínica ou consultório veterinário durante a vigência dos contratos e permite a substituição do credenciado, desde que por outro equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 dias de antecedência.

“O grande limitador que temos visto hoje no mercado é a região de atuação. Alguns planos são municipais, outros estaduais, e o principal é em quantas clínicas eles atuam”, aponta Junior. De acordo com ele, não há ainda grande profusão destes planos em clínicas, consultórios e laboratórios porque as empresas comercializadoras dos serviços estariam pagando valores abaixo dos que são pedidos por estes locais.

Opções de atendimento gratuito ou a baixo custo


A Unidade de Saúde Animal Victória (USAV), no bairro Lomba do Pinheiro, funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e distribui 20 fichas de atendimento por dia. Foto: Alina Souza

Para quem não tem condições de contratar um plano de saúde veterinário, principalmente a população em situação de vulnerabilidade social, também há opções de atendimento aos seus bichinhos. Apesar de haver poucos locais que oferecem o serviço, de maneira geral, os pacotes são bastante completos. Em Porto Alegre, há a Unidade de Saúde Animal Victória (USAV), inaugurada em novembro de 2016 pela prefeitura, no bairro Lomba do Pinheiro, e, em grande parte, construída com recursos da iniciativa privada.

O local, que funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, distribui 20 fichas por dia e o atendimento em si é limitado a um animal por pessoa diariamente. De janeiro a maio de 2022, o local realizou, de acordo com informações divulgadas pelo Gabinete da Causa Animal, 2.395 atendimentos clínicos, 8.936 exames laboratoriais e de imagem e 528 cirurgias não eletivas. Em todo o ano passado, foram 6.511 atendimentos de cães e gatos, 23.293 exames de laboratório e 1.121 cirurgias.

Para obter uma consulta veterinária na USAV, a secretária da Causa Animal explica que é necessário ser morador de Porto Alegre, receber o Auxílio Brasil ou ser cadastrado no Número de Identificação Social (NIS) e manter o cadastro atualizado junto ao Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) da região. “No local, são oferecidos diversos serviços, como exames, procedimentos cirúrgicos, ortopedia, cardiologia. Então, há uma gama de possibilidades para os tutores”, explica. Os mesmos serviços podem ser obtidos a custos mais baixos às pessoas que não moram na Capital.

As castrações são destaque, somando 9.132 procedimentos em 2021, um recorde nos últimos dez anos, de acordo com a prefeitura, que tem uma meta ainda mais ousada em curso. “Em 2022, estamos buscando atingir a marca de 20 mil. Queremos agora dobrar a meta do ano anterior”, projeta Catiane. Além da Unidade de Saúde Animal Victória, elas também ocorrem em cinco clínicas descentralizadas conveniadas com a Administração Municipal e espalhadas por diferentes bairros de Porto Alegre.

Nos cinco primeiros meses deste ano, foram realizadas 7.425 na rede de atendimento da prefeitura, 4.295 na USAV e 3.130 nas clínicas descentralizadas. O veículo castramóvel, cuja licitação está em aberto para sua aquisição, deverá voltar a operar na Capital no mês de setembro, afirma a secretária, com a ideia de trazer ainda mais opções de serviço à população necessitada. Com isso, há a expectativa de aceleração nos processos.

Estima-se que, assim que for adquirido e estiver pronto para uso, já haverá a primeira ação de castração em comunidades. É preciso agendar o procedimento de esterilização cirúrgica de cães e gatos no telefone 156 a partir de datas preestabelecidas pelo Gabinete da Causa Animal, geralmente a cada três meses. Contudo, no momento a agenda está fechada para novas marcações. Não basta marcar a castração, mas também comparecer na data e horário agendados.

A ausência nas consultas veterinárias é vista como um grande problema atualmente pela secretaria. “A demanda é muito grande, e, não comparecendo, a pessoa está tirando a oportunidade de outra pessoa que aguarda por aquele serviço”, relata Catiane. Na média, segundo ela, de 20% a 25% dos agendamentos de castrações no local não têm comparecimento por parte dos tutores, número que sobe ainda mais, para valores próximos de 40%, em dias frios e chuvosos.

Locais como o Complexo Médico Veterinário, da UniRitter, no bairro Passo das Pedras, e o Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), no Agronomia, também realizam consultas e exames para os animais. No interior do Rio Grande do Sul, o Hospital Veterinário Feevale, localizado no município de Campo Bom, no Vale do Sinos, mantido pela Universidade Feevale, promove atendimentos gratuitos para animais de rua e famílias de baixa renda do município.

Credenciadas para castração 

  • Hospital Veterinário Faculdade Anclivepa (Av. Sertório, 5310, bairro Sarandi)
  • Patas do Mundo Vet Assistance (Rua Lopes Teixeira, 36, bairro Jardim Itu)
  • Xiki Dog (Avenida Protásio Alves, 7495, bairro Petrópolis)
  • Vivi Vet Clínica Veterinária (Avenida João Salomoni, 135, lojas 137 e 139, bairro Vila Nova)
  • Animal Cause (Avenida João Antônio Silveira, 1033, bairro Restinga)

Além disso, o serviço está disponível na USAV (Estrada Bérico José Bernardes, 3489, Lomba do Pinheiro), e na Unidade Móvel (castramóvel) da clínica Clinicão.

 

 

 

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895