Uma brincadeira de criança que virou competição

Uma brincadeira de criança que virou competição

Porto Alegre recebeu etapa qualificatória do Red Bull Paper Wings, o campeonato de arremesso de aviãozinho de papel

Por
CARLOS CORRÊA

O conceito de esporte é uma coisa interessante. Segundo o dicionário Aurélio, trata-se de um “conjunto de exercícios físicos que se apresentam sob a forma de competições cuja prática obedece a certas regras”. Veja bem, não necessariamente o exercício citado exige um preparo físico exaustivo. Sob esse guarda-chuva, portanto, cabem modalidades tão distintas como atletismo e xadrez, vôlei e bocha, futebol e sinuca. Por isso, não foi de todo estranho quando abri o e-mail do jornal e lá havia a informação de que Porto Alegre receberia uma das etapas de uma qualificatória de um evento mundial com direito à final na Áustria. O nome era pomposo: Red Bull Paper Wings. Na prática, o bom e velho campeonato de aviãozinho de papel.

A pauta era interessante, afinal valia a pena a oportunidade de conhecer quem levasse mais a sério algo que a imensa maioria vê como uma brincadeira de criança. Logo, no dia da competição, eu e o fotógrafo Ricardo Giusti estávamos no oitavo andar do prédio 81 da PUCRS minutos antes do horário previsto para a qualificatória. Para nossa surpresa, fora nós e a organização, quase ninguém mais. Uma das meninas da produção do evento, contudo, garantiu, tranquila: “Daqui a pouco chegam, é só acabar as aulas”, já indicando o perfil dos competidores.

Enquanto isso, pergunto sobre as regras da competição e ela me responde que, por orientação da organização, não pode conceder entrevistas. Ou melhor, pode desde que o seu nome não seja citado. Então começa. Os aviões devem todos ser feitos a partir do mesmo tipo de folha A4, distribuída pela produção na hora. Não é permitido rasgar, cortar ou grampear a folha. Só dobrar. Em vários locais, folhetos distribuídos pelo patrocinador funcionam como um tutorial, sugerindo modelos.

A disputa em si consiste em duas categorias: distância e tempo de voo. Na primeira, ganha quem voar mais longe. Na segunda, quem ficar mais tempo no ar. Os recordes mundiais evidenciam que a coisa não é brincadeira. A maior distância já alcançada mundialmente foi 63,1 metros. Para se ter ideia, é como jogar o aviãozinho da lateral de um campo de futebol e ela quase alcançar o outro lado. O recorde mundial de tempo de voo é de 27,9 segundos. É como se... bem, basta contar até 28.

No total, foram 20 etapas no Brasil. Para cada uma das categorias, as quatro melhores marcas no geral avançam à final nacional, no Rio de Janeiro, em abril. A partir daí, quem levar a melhor vai para a decisão, na Áustria. A etapa de Porto Alegre foi uma das últimas no país. Portanto, os competidores tinham a vantagem de saber que marcas tinham de superar: 29,2 metros na distância e 6,33 segundos no tempo. Abaixo disso, nada feito.

O primeiro a competir é Lucas Prediger. Estudante de medicina, ele confessa não ser lá muito fã de esportes, mas ficou sabendo da competição e achou que, na pior das hipóteses, teria uma história divertida para contar. Por via das dúvidas, fez o dever de casa. No caso, assistiu a quase 20 vídeos, tanto sobre a montagem do aviãozinho quanto sobre o lançamento. “Testei cinco diferentes modelos”, conta. Lucas, porém, teve seu primeiro arremesso invalidado ao pisar na linha vermelha que havia no chão. Detalhe, não havia até então proibição para pisar ao lado da faixa, somente nela.

Gabriel Ramos, estudante de jornalismo, a princípio desconfiou quando lhe falaram da competição. Achou que era uma pegadinha. Ficou surpreso quando viu se tratar de um evento internacional. Portanto, tratou se de preparar. “Se eu te disser que não treinei, estaria mentindo. Mas se disser que sim, também, porque eu mais brinquei do que treinei”, conta. Infelizmente, também queimou o primeiro arremesso.

Um a um, os inscritos fazem suas tentativas. Poucos ultrapassam a barreira dos 15 metros e a grande maioria sequer chega a 10. Outros fazem o mais difícil: jogam o avião para a frente, mas ele vai para trás. Em meio a jovens na faixa dos 20 anos, um tiozão, brabo por não poder competir (o evento era restrito a universitários), montava um avião atrás do outro.


Um olho na disputa, outro nos energéticos

Paramentados como sinalizadores de aeronaves ou comissárias de bordo, os profissionais que trabalham no evento tentam manter a empolgação do público. “Quer tirar o chinelo para pegar embalo? Leva a sério o negócio”, diz a menina que fiscaliza os arremessos. Não que os competidores não queiram ganhar, mas a essas alturas do campeonato, está evidente que o público encara a coisa toda mais como uma brincadeira do que uma competição. Após uma hora de arremessos, o foco está muito mais na distribuição gratuita de pizzas e energéticos do que exatamente nas melhores marcas.

Os gritos de incentivo evidenciam que um grupo de amigos improvisou uma torcida organizada. Trata-se de mais de 20 estudantes do curso de ciências aeronáuticas que fazem questão de frisar a origem: a turma 37. “Botaram uma expectativa grande na gente”, brinca David Ludmer, que completa: “A tática é desclassificar no primeiro lançamento e ir bem no segundo”.

Mesmo com dois arremessos, Ludmer não consegue figurar entre os primeiros. Seu melhor lançamento foi de 15,49 metros, o que valeu o 18º lugar. O campeão desta categoria foi Matheus Queiroz, com 23,08 metros. A marca, no entanto, foi insuficiente para ir à final brasileira.

Quando à modalidade tempo de voo começou, por volta das 14h, grande parte dos 94 inscritos já havia ido embora. Quem ficou, estava com um olho nos arremessos e outro na produção, que volta e meia vinha repor os coolers com mais energéticos de graça. No total, foram apenas 18 competidores. O vencedor foi Antônio Justo, que manteve sua aeronave no ar por (breves) 5.58 segundos, marca também insuficiente para ir à última etapa da qualificatória brasileira.

Mesmo sem classificar ninguém à final, a etapa gaúcha do Red Bull Paper Wings foi um sucesso. Ok, ninguém vai disputar o prêmio de R$ 17 mil. Mas todos voltaram para casa com boas histórias para contar.


Estudantes do curso de Ciências Aeronáuticas participaram da disputa, realizada na PUCRS, no dia 24 de março. ‘Botaram uma expectativa grande na gente’, brinca David Ludmer (segundo à direita, de azul), que terminou a categoria lançamento à distância no 18º lugar RICARDO GIUSTI

O segredo mora nos detalhes

Assim como qualquer modalidade esportiva, a diferença para levar o troféu está nos detalhes. No Red Bull Paper Wings, folhetos indicavam alguns modelos. Além disso, há outras dicas interessantes. Uma delas é utilizar réguas para achar a medida exata da dobras. A outra é, na hora do lançamento, jogar o avião a um ângulo entre 45 e 60 graus.


RICARDO GIUSTI


RICARDO GIUSTI


RICARDO GIUSTI

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895