Ministério Público e entidades esportivas firmam parceria contra assédio no esporte

Ministério Público e entidades esportivas firmam parceria contra assédio no esporte

Promotor lembrou que ações como mensagens inapropriadas e fotos íntimas também configuram assédio

Carlos Corrêa

Procuradora do MPT em Uruguaiana, Ana Lucia Stompf Gonzalez lembra que é preciso uma mudança de paradigma, na qual se acredite nas vítimas

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Os números não deixam dúvida quanto à gravidade do tema. Por ano, pelo menos 600 casos de violência sexual são registrados somente em Porto Alegre. Uma parte significativa deste montante diz respeito a episódios de assédio sexual no esporte, seja profissional ou não. Isso sem contar aqueles cometidos por meios virtuais ou, pior, aqueles que sequer foram notificados às autoridades.

Preocupados com a incidência dos casos, o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) promoveu terça-feira passada, no auditório do MP/RS, uma audiência para discutir o tema. O encontro contou com a presença de representantes de conselhos tutelares, assim como de entidades esportivas. Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho em Uruguaiana, Ana Lucia Stompf Gonzalez, que coordenou o evento, é preciso que se estabeleça no âmbito esportivo ferramentas tanto para a prevenção como para denúncias.

De acordo com ela, já foram estabelecidas parcerias com a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC). Curiosamente, a primeira se viu em meio a um grande escândalo no início deste ano, quando pelo menos 40 ginastas revelaram terem sofrido assédio do técnico Fernando de Carvalho Lopes.

A mudança, observa Ana Lucia, vai muito além da simples possibilidade de denunciar os assediadores. “É preciso uma mudança de paradigma. Claro que é necessário ter cuidado em não sair acusando, mas precisamos acreditar nas vítimas. Esses ginastas que denunciaram já haviam falado antes. Mas as pessoas não haviam acreditado neles, ouviram coisas como “ah, mas você vai acabar com a carreira desse profissional”, afirma a procuradora, lembrando que as denúncias que ganham mais visibilidade têm como consequência novas revelações.

Há uma preocupação muito grande no sentido de, em se tratando de esporte, não demonizar os profissionais que trabalham com crianças. “O contato corporal é intrínseco a essas atividades. O técnico que precisa segurar a menina para não cair da barra na ginástica, o técnico que orienta o menino dentro da piscina na natação. Um toque acidental não é assédio. Por tudo isso, é fundamental que os clubes tragam o conceito de compliance”, observa o promotor de Justiça da Infância e Juventude Júlio Alfredo de Almeida, referindo-se ao termo em inglês que diz respeito a um conjunto de normas e disciplinas.

O promotor, aliás, faz questão de lembrar que não é preciso que exista toque para que o abuso seja efetivado. Outras ações, que vão desde tirar fotos de crianças ou adolescentes no vestiário até trocar mensagens com conteúdo inapropriado também configuram a infração. “O treinador que chega para o menino ou a menina e pede para mostrar determinada parte do corpo, garantindo uma vaga no time, por exemplo. É uso do poder para obter favorecimento”, explica. “A moeda de troca é o material esportivo, o acesso ao técnico, a uma vaga, a patrocínio”, completa Denise Casanova Vilella, promotora de justiça e coordenadora do Caoijefam (Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões).

Não por acaso, a psicóloga Ana Paula Schmidt Lourenço, do MP/RS, revela que na maior parte dos casos, o abuso é cometido por alguém conhecido da vítima. Da mesma forma, a ação em si não acontece de uma hora para outra, mas vem se desenvolvendo ao longo do tempo, em um processo descrito como escalada. “Ver o corpo de uma criança amadurecer pode ser erótico para quem vê isso de uma forma distorcida”, explica ela. A psicóloga revela também que em relação ao abusador, a estatística mostra que quase a totalidade dos casos é cometida por homens.

Já os dados relativos ao gênero da vítima têm um complicador que é o fato de os meninos denunciarem muito menos. “Há menos casos sobre meninos, até mesmo por uma questão cultural, de que homem não chora, de que ele deveria ter sido forte, ter resistido, não quer virar motivo de chacota”, afirma Ana Lúcia Gonzalez. A psicóloga Ana Paula Lourenço corrobora a ideia, afirmando que as revelações são mais frequentes em depoimentos femininos: “Nas entrevistas é muito mais difícil ter uma revelação de um menino do que de uma menina”.

Tão importante quanto diferenciar o que é uma atitude normal em um ambiente esportivo de um ato que configure abuso sexual ou assédio é a conscientização por parte dos pais. “Na maioria das vezes, quando a criança denuncia a primeira vez, não se acredita, fica se pensando se não foi algo interpretado de forma errada”, diz Denise Villela. Júlio Alfredo de Almeida aconselha aos responsáveis pelas crianças que estejam atentos para o que os filhos falam, mas que não tomem a iniciativa de puxar o assunto do nada, como que forçando uma revelação.

O promotor lembrou casos em que mães não apenas fazem um verdadeiro interrogatório com as crianças, como também gravam toda a ação. São condutas desaconselháveis, uma vez que isso juridicamente tira o seu valor de prova contra o acusado. Para ele, uma boa alternativa seria a instalação de câmeras ou mesmo o uso do telefone celular com este fim para a gravação dos treinos. Desta forma, o abuso em si seria inibido ou, na pior das hipóteses, registrado em vídeo, o que possibilitaria a identificação do culpado. “Eu prefiro dirimir a minha dúvida por imagens do que pela palavra de alguém”, afirma Almeida.

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