Mudança de lei vira cabo de guerra entre clubes e associações de atletas

Mudança de lei vira cabo de guerra entre clubes e associações de atletas

Extinção de artigo da Lei Pelé sobre recursos para entidades assistenciais aguarda votação no Senado

Rafael Peruzzo

Entidades alegam prestar auxílio importante para atletas

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Votado no dia 17 de junho na Câmara dos Deputados e aguardando votação no Senado, em Brasília, o Projeto de Lei número 1013/2020 suspende o pagamento, por parte dos clubes do futebol brasileiro, das parcelas referentes ao Profut (Programa de modernização da gestão e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro) até o fim da pandemia de coronavírus. A medida traz alívio financeiro em um momento delicado. Porém, a inclusão, nessa mesma votação, do artigo 9º, que pede a extinção do artigo 57 da Lei Pelé, causou indignação de entidades que prestam auxílio a jogadores e ex-jogadores de futebol.

É o caso da Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP) e suas afiliadas em 17 estados, as chamadas AGAPs (Associação de Garantia ao Atleta Profissional). “Nós fomos pegos de surpresa, não deu tempo de reverter junto à Câmara dos Deputados, não tivemos força para isso. Essa lei foi para o Senado e está esperando votação. Já procuramos os senadores, temos pedidos de supressão do artigo 9º, estamos trabalhando para que seja retirado esse artigo. Se for aprovado, a gente tem uma sobrevida até o final do ano que vem, depois os clubes não irão mais pagar”, lamenta o vice-presidente da AGAP-RS, Júlio Lírio.

As entidades se mantêm com recursos oriundos dos timess, 0,8% de transferências de jogadores, sejam elas nacionais ou internacionais, e 0,5% do valor do primeiro salário do atleta. Os valores podem ser parcelados em até dez vezes. “Muitas vezes os clubes pagam a primeira parcela, que libera a inscrição do jogador na CBF, e depois não pagam mais”, diz Lírio. “Nós temos vários processos na Justiça, a dívida dos clubes hoje está em torno de R$ 90 milhões, isso desde os anos 1999/2000”, acrescenta. Segundo ele, os três senadores do Rio Grande do Sul (Lasier Martins, Paulo Paim e Luis Carlos Heinze) estão apoiando a supressão do artigo 9º no Senado.

O artigo 57 da Lei Pelé fala em “Constituir recursos para a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação”. O trabalho da FAAP, presidida pelo tricampeão mundial Wilson Piazza, e das AGAPs consiste em conceder benefícios aos seus associados. No RS, atualmente, são cerca de 600 sócios. Entre os serviços estão bolsas de estudo, assistência jurídica e social, encaminhamento ao emprego, assistência previdenciária, fornecimento de medicamentos, entre outros. De 1998 a 2018, 39.646 atletas ou ex-atletas foram beneficiados. “No primeiro semestre deste ano, em virtude da pandemia, aceitamos novos associados somente para auxílio alimentação. Aqui no Rio Grande do Sul, temos cerca de 100 bolsistas atualmente”, explica Júlio Lírio. Os dirigentes dessas entidades não são remunerados. Além da FAAP, a Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol) também recebe 0,2% do valor correspondente às transferências nacionais e internacionais de jogadores.

“O relator do projeto, Deputado Marcelo Aro (PP-MG), não se dignou, ao menos, em saber do que se tratava, a quem eram destinados os recursos, a se comunicar com os envolvidos”, lamenta uma nota da FAAP. “Lamentável a forma como são votadas as leis em nosso país. Votam sem ao menos conhecer do assunto, sem dialogar com os interessados, sem pesquisar as consequências advindas de seus votos”, acrescenta a FAAP.

A inclusão do artigo 9º no Projeto de Lei 1013/2020 também ganhou força através de uma solicitação de 12 clubes do futebol brasileiro. Um ofício foi encaminhado ao deputado relator do Projeto de Lei, no qual os clubes listam uma série de justificativas para pedir a extinção do artigo 57 da Lei Pelé e seus respectivos tributos. “As contribuições possuem, em tese, e pela literalidade da Lei, caráter assistencial e educacional a ser direcionado em prol de atletas profissionais, de ex-atletas e de atletas em formação. Ocorre que a FAAP e a Fenapaf não desempenham os fins sociais para os quais foram instituídas e, tampouco, possuem como beneficiários atletas, ex-atletas e atletas em formação do plantel dos clubes signatários. Acentuando rigor, os pretensos beneficiários integram um restrito, se existente, rol de apadrinhados”, diz um trecho do ofício dos clubes.

“Angariam dezenas de milhões de reais anuais e lhes dão a destinação que melhor lhes convém, frise-se, sem nenhum controle por parte do Poder Público ou dos contribuintes, que sequer são os beneficiários da exação”, apontam os clubes integrantes do chamado Sistema Brasileiro do Desporto. Os clubes que assinaram o ofício são Atlético Mineiro, América Mineiro, Avaí, Botafogo, Athletico Paranaense, Flamengo, Bahia, Fluminense, Santos, Palmeiras, Corinthians e Grêmio. O Inter não aparece na lista. Com exceção do Avaí, todos os demais integram, atualmente, a Série A do Campeonato Brasileiro.

“Os clubes não querem pagar e fazem essas acusações. Eles falam em milhões, mas nós nunca ultrapassamos R$ 10 milhões de orçamento em um ano. Nós temos números para mostrar, cada concessão de benefício passa por um processo, tem que apresentar documentação, tem que provar que é atleta, que está pagando mensalidade na escola, tem que apresentar atestado médico, é todo um processo e tudo está à disposição. Toda vez que se fala em legislação sobre o esporte, os clubes fazem carga para tentar acabar com ela, sempre foi assim”, argumenta o superintendente da FAAP, Márcio Tannús de Almeida. “Nós somos ricos no papel, mas e quando vamos receber?”, questiona. “Se hoje todos os processos na Justiça chegassem ao final, nós teríamos R$ 15 milhões para receber do Cruzeiro, R$ 12 milhões do Atlético-MG, R$ 10 milhões do Flamengo e por aí vai. Os argumentos dos clubes são escusos, dizem que o dinheiro não é aplicado, que é inconstitucional. É tributo e é constitucional. Eu acabei de fechar um novo contrato com o Internacional para pagamento em 42 vezes. Mas, no geral, os clubes pagam uma, duas parcelas e depois repactuam a dívida”, diz o superintendente.

“Para as entidades de administração (federações e CBF) e entidades de prática (clubes), o atleta não passa de mero ‘material descartável’. Enquanto serve o clube, está tudo bem. Quando deixa, na maioria das vezes, nem consegue entrar em sua sede social ou mesmo assistir suas competições. É deprimente a forma como são tratados”, destaca a nota da FAAP. Márcio Tannús de Almeida acredita que o trabalho que vem sendo feito junto aos senadores para a supressão do artigo 9º vai surtir efeito. “Mais de dez senadores já apresentaram emenda de supressão do artigo. Agora, se for aprovada a extinção do artigo 57 da Lei Pelé, a gente fecha na mesma hora, fecha todo mundo, é o fim do sistema”, enfatiza.

A FAAP redigiu uma missiva endereçada aos senadores para convencê-los a manter o artigo 57 da Lei Pelé em vigor. O texto, de dez páginas, traz argumentos como “a FAAP é uma entidade de assistência social, não se confundindo com as entidades sindicais da categoria profissional dos atletas, não tendo como seus objetivos sociais a guarda dos direitos trabalhistas de seus filiados ou questões relativas a seus vínculos empregatícios, mas tão somente – repita-se – a assistência social e educacional aos atletas profissionais, ex-atletas e atletas em formação”. Em outro trecho, a entidade rebate o ofício encaminhado pelos clubes ao relator do Projeto de Lei: “Inicialmente, oportuno esclarecer que, ao contrário do que é dito na ofensiva missiva, os milhares (sim, milhares) de atletas e ex-atletas que já foram contemplados com algum dos benefícios fornecidos pela FAAP não integram nenhum rol de apadrinhados”.

Os dirigentes das entidades citam exemplos de ex-jogadores que já foram beneficiados pelas entidades. “Eu me formei professor de Educação Física com 50 anos com a ajuda da AGAP-RS”, conta Júlio Lírio, que foi jogador do Inter na década de 90 e hoje é vice-presidente da AGAP no Rio Grande do Sul. “Mês passado doamos uma prótese para um ex-jogador do Avaí de R$ 18 mil. O Avaí entrou com R$ 10 mil e nós com o restante”, cita Lírio. A FAAP, em 2010, lançou um programa de auxílio a atletas das décadas de 1960, 70 e 80, chamado “Campanha Hepatite C”. Naquela época, era comum o compartilhamento de seringas no vestiário quando o jogador aplicava alguma vitamina ou medicamento sem a devida higienização. “Esse programa testa, identifica e faz todo o tratamento necessário”, finaliza Márcio Tannús de Almeida.


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