Roberto Alvarez: "Empresas globais exigem times globais"

Roberto Alvarez: "Empresas globais exigem times globais"

Em entrevista ao Fala RS, o diretor executivo da GFCC, analisa os efeitos da crise da Covid-19 na economia mundial

Correio do Povo

"Não é possível enfrentar esse momento sem inovação", afirma Alvarez

publicidade

Diretor executivo da Global Federation of Competitiveness Councils (GFCC, na tradução, Federação Global de Conselhos de Competitividade) desde 2015, Roberto dos Reis
Alvarez analisa nesta entrevista tanto os efeitos da crise da Covid-19 na economia mundial, como também as oportunidades e tendências surgidas a partir da pandemia.

Qual é, na sua opinião, a extensão dessa crise provocada pelo Covid-19?

Usando linguagem da tecnologia da informação, o sistema está em momento de reinstalação. Não há precedentes na história para tamanha freada versus o impacto no curto prazo. Os de longo prazo, ainda não podemos avaliar. O que ocorreu em 1970, com a crise do petróleo, e depois em 2008, com as hipotecas, é um arremedo se comparado com a perda dos 30 milhões de postos de trabalho em apenas seis semanas nos EUA.

Quais são as contradições que já estão visíveis nessa crise?

A crise é sistêmica e inédita, na saúde, na economia, no social, etc. No Brasil e no mundo a crise sublinha fragilidades na saúde, na governança e no acesso à educação. Por outro lado, ela é um acelerador exponencial de tendências. A digitalização fez saltar os 10 milhões de usuários de plataforma de comunicação para 300 milhões em abril. Já o comércio eletrônico avançou para 25% dos negócios no varejo da China, em 2020, enquanto nos EUA está em 15% e, no Brasil são 6%. Paradoxalmente, nunca se produziu tanto em conhecimento científico na história. Em números aproximados, na pandemia da Sars, em 2002, foram 41 relatórios de pesquisa. Já em 2009, com a H1N1, chegamos a 164 trabalhos. Agora, no Covid-19, foram publicados em apenas 90 dias, algo como 2.970 estudos médicos.

Que lições o mundo já aprendeu sobre esse momento?

No GFCC abordamos a Ásia e Europa separadamente para entender melhor essas realidades. Uma explicação que já temos envolve aspectos como velocidade de resposta, liderança e exemplo de governo feita com base na confiança, respeito às normas sociais. Considerando a economia globalizada já podemos afirmar três coisas: saúde e economia são indissociáveis, as soluções de um país precisam dialogar com as dos outros e não há uma solução local, elas são complexas, globais e sempre coletivas. Finalmente, não é possível enfrentar esse momento sem inovação. É preciso olhar regiões e países que tem dado mais resposta - Ásia, Nova Zelândia, Japão, Malásia e Austrália, mesmo com o pico recente. Um ponto interessante ocorre na França, onde o presidente Macron está propondo a socialização da folha de pagamento das empresas francesas.

Como vocês avaliam as tendências de curto e longo prazo na economia?

No curto prazo, os EUA vinham com sua economia em velocidade de cruzeiro, mesmo com a crise no varejo em crescimento nos últimos anos. Os ativos imobiliários aprofundaram sua depreciação com a crise. Um dado expressivo, desde 1981 a classe média americana está encolhendo, com empregos piores e menos ganhos. Há um forte incremento de distribuição e do back office (gestão na parte de trás da loja) e a Amazon tem gerado mais empregos do que eliminado, vendo crescer a demanda por profissionais por logística, entrega e preparação de envio de objetos. As plataformas de empregos aumentaram mil por cento a busca de pessoal para estas funções. No longo prazo percebe-se plataformas de comunicação e digitalização assumindo o controle das cadeias de produção e gerado muito mais perguntas para o futuro.

Quem perde e ganha globalmente?

Os setores que perdem no curto prazo são o turismo, varejo, entretenimento, esporte e bens duráveis. No setor de seguros há uma curiosa situação. A mudança do clima com enchentes e ciclones, como o que atingiu o RS, traz muitas dúvidas às empresas dessa área sobre precificação de novos riscos que entraram no radar das seguradoras. Noutra linha, a classe média aumentou o estoque de capital, porque parou de gastar. Já a base da pirâmide está muito pressionada. Os setores que ganham com a crise são a saúde (não todos os setores), logística, comércio eletrônico, defesa, telecom, tecnologia da informação e alimentos.

Quem passa a ter relevância globalmente nessa crise?

Uma surpresa é ver o ranking da Standard Poor’s, o conhecido S&P 500. Em 1960 as empresas que compunham esse ranking tinham sido fundadas, em média, 50 anos antes. Hoje mudou a composição do índice e mudou a lista de empresas. Hoje, o ranking é majoritariamente composto por empresas que foram criadas nos últimos 20 anos. Na classificação de 2018, a maioria das 10 grandes é de organizações de tecnologia, como Alphabet (Google), Amazon, Apple, Microsoft. Na China, em 2010, não constava nenhuma empresa nenhuma de tecnologia. Mas em 2018, Alibaba e WeChat lideravam.  No Brasil, de 2010 a 2018, quase nada mudou. Bancos, petróleo, minérios e celulose se mantiveram nas melhores posições. Logo, o Brasil se candidata a uma posição de baixa relevância no mundo.

E o que se pode esperar do RS no enfrentamento dessa crise?

O RS tem produção industrial que é proporcionalmente um dos maiores parques do país. Tem agricultura relevante mas não tem grandes empresas de tecnologia. Nesse particular há uma ameaça. Em 2035 estima-se que 35% da proteína animal virá de fontes não animais, ou seja, no lugar da vaca, o “cultivo” será no laboratório. Carne com origem de plantas cultivada em reatores. Há um forte apelo para isso: sustentabilidade, menor consumo de água, mais alimentos e mudança nos hábitos de consumo. Um grande desafio para o nosso Estado.

E qual é o tema de casa para os gaúchos?

Temos um PIB de R$ 480 bilhões (algo como US$ 120 bilhões em câmbio de R$4 para US$1), do tamanho da economia de Equador. Porto Alegre junto com o Governo do Estado alavancou o Pacto Alegre. Temos a sensação de que o RS lida com a ciência, o conhecimento e a gestão de uma maneira mais moderna do que o Brasil. Mas temos fragilidades sociais conhecidas e gaps estruturais relativos a economia, onde a nossa inserção internacional é muito pequena. No comércio exterior, 24% está conectado a economia internacional, porém o fluxo de capitais é baixo.  Hoje, 70% dos engenheiros do Vale do Silício são imigrantes. No Brasil, 1% da população é formada por imigrantes, enquanto nos EUA 15% nasceram no estrangeiro. A realidade é que não é possível construir empresas globais se não temos essas conexões culturais e tecnológicas. Esse é um tema urgente.



Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895