80% dos municípios gaúchos não se adaptaram à LGPD
Encontros têm sido realizados para orientar prefeituras e mudar cenário em 2023
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Criada para garantir a proteção de direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) ainda representa um desafio para os municípios gaúchos. A falta de recursos humanos e finaceiros e as dificuldades na interpretação da lei são apontadas por especialistas como os principais entraves para a implementação da LGPD. Das 497 prefeituras gaúchas, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) estima que apenas 20% dos municípios estão em processo de adaptação.
Diante desse cenário, a Famurs e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) promovem desde o início do ano uma série de encontros com o objetivo de orientar as prefeituras sobre as medidas necessárias para se adaptar às exigências da LGPD. O presidente da Famurs, Paulinho Salerno, explica que a entidade trouxe em junho o diretor-presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), coronel Waldemar Gonçalves Ortunho Júnio, para explicar a importância do cumprimento da lei. Conforme Salerno, existem muitas consultorias querendo fornecer serviços, mas ressalta que os municípios precisam “estar com pleno conhecimento do que fala a legislação da LGPD”.
Salerno explica que a LGPD traz uma série de questões que os municípios ainda estão aprendendo a lidar, o que se reflete no número reduzido de prefeituras em processo de adaptação. “Diria que em torno de 10% a 20% hoje dos municípios gaúchos estão em processo de adaptação”, destaca. Ele afirma que a escassez de recursos humanos e financeiros dificulta a adaptação à LGPD. Em certo aspecto é um dado preocupante. Por isso que a gente tem trabalhado com treinamentos e tem tentado orientar da melhor forma. Produzimos uma cartilha também que está sendo entregue aos municípios com um resumo da legislação e de como o município deve tratar os dados”, observa.
A partir de 2023, Salerno acredita que as prefeituras vão estar melhor preparadas no que diz respeito às exigências previstas pela LGPD. “Os municípios estão em 2022 se adaptando, conhecendo a lei. E 2023 vamos ter realmente um deslanchar da implementação dela por completo”, projeta. Além de concretizar direitos previstos na Constituição Federal e complementar outras leis, como, por exemplo, o Marco Civil da Internet e Código do Consumidor, a LGPD visa garantir também a proteção dos direitos de liberdade, privacidade, livre desenvolvimento da personalidade e autodeterminação informativa.
Os Encontros Regionais de Controle e Orientação (ERCOs), organizados desde junho pelo TCE-RS, são uma oportunidade para tirar dúvidas sobre a implementação da LGPD nos municípios. Conselheiro substituto do TCE, Roberto Loureiro é um dos palestrantes desses encontros. Ele explica que boa parte das prefeituras relata dificuldades para atender às exigências da lei. “A gente percebe claramente uma dificuldade de recursos humanos em termos de quantidade e também na capacitação técnica para tratar dessa matéria de segurança e proteção de dados pessoais”, aponta.
Conforme Loureiro, outro ponto que chama atenção é a dificuldade de interpretação das normas da LGPD. “A LGPD é válida tanto para o setor privado como para o setor público e traz conceitos abertos que vêm suscitando dúvidas e dificuldades de interpretação. Inclusive interpretações equivocadas e divergentes, porque a LGPD pode-se dizer que não traz uma receita de bolo pronta, ela traz conceitos, princípios e diretrizes que sejam interpretados. E ANPD, que é a entidade responsável por fazer a regulamentação da lei e definir e orientar qual é a interpretação adequada das normas, está num trabalho inicial ainda”, completa.
Diante desse contexto, Loureiro salienta que apesar de algumas resoluções e guias, existem vários pontos importantes que estão em aberto. “É natural que ocorra essa dificuldade de interpretação nesse momento inicial. Por ser uma norma aberta, realmente deixa margem para interpretações inclusive conflitantes”, alerta. No que diz respeito a dificuldades de interpretação da LGPD, Loureiro afirma que as maiores dúvidas dizem respeito a possibilidade de conflito entre a proteção de dados pessoais e a transparência no poder público. “Como se sabe a transparência é uma obrigação fundamental da administração pública”, afirma.
Na avaliação de Loureiro, com a LGPD se criou “uma certa estranheza”, com muitos administradores imaginando que haveria um conflito entre proteção de dados e a transparência. “Existe dificuldade grande no dia a dia de como aplicar a lei sem prejudicar a transparência. Então é importante destacar que a LGPD não veio de forma alguma prejudicar a transparência da administração pública. O que a LGPD fez foi trazer normas para evitar o abuso das informações pessoais e não o uso das informações”, resume. “O que se busca por meio da lei é que se tenha cautela na utilização e no tratamento dos dados, para que esses dados sejam utilizados apenas e tão somente para sua finalidade pública específica, evitando abusos e desvios”, salienta.
E nesse sentido de buscar orientar os administradores do Tribunal de Contas do Estado realizou de junho a setembro deste ano dez encontros. Encontros encontros regionais de controle e orientações. Todos as regionais do tribunal e mais em Porto Alegre foram realizados encontros com diversos temas. Entre eles a Lei Geral de Proteção de Dados o tribunal reuniu servidores, administradores, todos interessados para repassar informações para que os jurisdicionados consigam colocar em prática, adaptar as suas estruturas e se adequar, se alinhar a essas novas normas que visam a uma maior cautela na utilização dos dados.
Especialista aponta dificuldades na implementação da LGPD
Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo Hickmann Klein avalia que há vários aspectos desafiantes na implementação da conformidade com a LGPD nos municípios. Conforme Klein, o primeiro aspecto é a diversidade do tamanho da administração municipal em cada município brasileiro. “Outro desafio é a realidade financeira que diverge muito entre os municípios. Algo que, consequentemente, pode limitar ou postergar significativamente essa implementação”, afirma.
De acordo com Klein, em alguns municípios podem ocorrer restrições orçamentárias à elaboração de um adequado programa de governança em privacidade, previsto no art. 50 da LGPD. “Outro aspecto a considerar é a necessidade de capacitação dos agentes públicos vinculados à administração municipal, principalmente em relação às bases legais para tratamento de dados pessoais, que requer novamente mais investimento. Não obstante, a legislação pode variar entre estados e municípios, repercutindo nas hipóteses de tratamento de dados pessoais para cumprimento de obrigação legal, conforme previsto na LGPD”, destaca.
Mesmo diante desse cenário, Klein alerta que existem iniciativas governamentais para orientações na implementação dessa conformidade com a LGPD, como o portal escolavirtual.gov.br, que disponibiliza cursos gratuitos destinados à capacitação de agentes públicos nesse assunto. “Considero que um passo inicial, nesse processo contínuo de conformidade, é estabelecer uma comissão de agentes públicos municipais para realizar um inventário de dados pessoais tratados pela administração pública municipal e, a partir das informações obtidas, iniciar as ações e normatizações necessárias à conformidade e ao programa de governança em privacidade”, completa.