Chile completa 30 anos de democracia sem festa e com amargura

Chile completa 30 anos de democracia sem festa e com amargura

Há três décadas, país fez história quando um dos ditadores mais ferozes da América Latina cedeu o comando, após 17 anos no poder

AFP

"Não são 30 pesos, são 30 anos", é uma das frases mais ouvidas

publicidade

Há 30 anos, o Chile fez história quando um dos ditadores mais ferozes da América Latina cedeu o comando, após 17 anos no poder, ao presidente Patricio Aylwin e deu lugar à reconstrução de um modelo de democracia que hoje é questionado.

"Não são 30 pesos, são 30 anos", é uma das frases mais ouvidas após a convulsão social que toma conta do Chile, em referência ao descontentamento com o aumento da tarifa do metrô que escondeu uma fúria social alimentada pela indiferença nas questões sociais durante as três décadas de governos democráticos cristãos, socialistas e de direita que se alternaram no poder.

Em outubro tudo mudou. A indignação em relação às desigualdades criadas por um modelo de economia aberta comprometeu a estabilidade de um país que se acreditava a um passo do primeiro mundo e agora tenta sair de sua pior crise com um referendo em abril que decidirá se deve ou não aprovar uma nova Constituição que substitui a aprovada na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) por outra que reconhece maiores direitos econômicos e sociais para seus quase 18 milhões de habitantes.

Foi graças a essa Constituição que se modificou o que foi a educação pública até a década de 1970, assim como a saúde, e a previdência, que foi privatizada.

Educar em desigualdade

Antes da ditadura, o Chile tinha uma sólida educação pública. Cada vez menos alunos frequentam escolas públicas. A maioria da classe média prefere as escolas mistas ou subsidiadas e somente a partir de 2016 as universidades passaram a ser gratuitas. Antes, os alunos tinham que recorrer a créditos caros.

Em 2010, Piñera se tornou o primeiro presidente formado em uma escola particular. Todos os seus antecessores, lembraram-se orgulhosamente de terem sido educados do ensino fundamental à universidade em um sistema público gratuito.

"Isso mudou com a ditadura. Um processo de privatização começou com a ditadura e se perpetuou nos governos democráticos", disse à AFP Gonzalo Muñoz, professor de educação da Universidade Diego Portales. Nas ruas, desde 2006, é reivindicada uma "educação pública, gratuita e de qualidade".

Saúde cara

O sistema de saúde chileno tem uma arquitetura bem organizada e índices acima da média latino-americana. A mortalidade materna foi significativamente reduzida e a cobertura universal do parto foi alcançada. Centenas de doenças também têm garantia de atendimento.

No entanto, grande parte da classe média paga por planos privados (18% da população), que são muito caros. Com um salário mínimo de cerca de 300 pesos chilenos (US$ 400), o Chile é o terceiro país da OCDE com o maior gasto por pessoa em saúde, especialmente no custo de medicamentos, até 60% mais caro que na vizinha Argentina.

Sistema previdenciário

Dois anos após o golpe de Estado, economistas de pós-graduação da Universidade de Chicago convenceram Pinochet a implementar políticas de choque. Assim, paralelamente a uma forte repressão que resultou em 3.200 mortos e desaparecidos, também foram estabelecidos os fundamentos de um modelo econômico neoliberal em um país sem sindicatos, parlamentos ou imprensa da oposição.

Uma das reformas mais controversas da ditadura foi um novo sistema de aposentadorias, que estabeleceu - pela primeira vez no mundo - capitalização absolutamente individual, com a promessa - até o ano 2020 - de alcançar uma pensão de 100% do último salário. Entretanto, a maior parte dessa geração se aposenta com menos de 40% e o fim desse sistema é uma das reivindicações mais ouvidas nas ruas.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895