Começa julgamento contra Aung San Suu Kyi em Mianmar

Começa julgamento contra Aung San Suu Kyi em Mianmar

Ex-líder birmanesa deve ser julgada por importação ilegal de walkie-talkies, desrespeito às restrições anticovid e violação de uma lei de telecomunicações

AFP

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O primeiro julgamento contra a ex-líder birmanesa Aung San Suu Kyi, derrubada por um golpe de Estado da junta militar há mais de quatro meses, começa nesta segunda-feira (14), um processo que os observadores chamaram de "espetáculo motivado apenas por motivos políticos".

Um tribunal, com fortes medidas de segurança, foi criado especialmente para isso na capital, Naypyidaw, construída no meio da selva na década de 1990 pelo antigo regime militar.

Presa no dia 1º de fevereiro e colocada em prisão domiciliar desde então, a prêmio Nobel da Paz de 1991 - "em boa saúde", segundo seus advogados, apesar de semanas de isolamento - deve enfrentar múltiplos e variados processos judiciais.

Nesta segunda-feira, ela deve ser julgada por importação ilegal de walkie-talkies, desrespeito às restrições anticovid e violação de uma lei de telecomunicações. "O tribunal ouvirá os testemunhos da acusação. Aung San Suu Kyi não testemunhará hoje", disse um de seus advogados, Khin Maung Zaw, à AFP.

Em um segundo processo, ela será julgada a partir de terça-feira por sedição, ao lado do ex-presidente da República Win Myint. A ex-chefe de fato do governo, de 75 anos, também foi indiciada por ter violado uma lei da era colonial sobre segredos de Estado e corrupção, acusada de ter recebido meio milhão de dólares e dez quilos de ouro em propina.

Até o momento, nenhuma data foi comunicada para esses dois processos, cujas denúncias acarretam as piores penas.

Preparar-se para o pior

Se condenada, Aung San Suu Kyi pode pegar muitos anos de prisão. O chefe da junta, "Min Aung Hlaing, está determinado a prendê-la pelo resto de sua vida", disse à AFP Debbie Stothard, coordenadora da rede Alternativa ASEAN. "Vamos testemunhar um processo de espetáculo motivado unicamente por razões políticas".

A ex-líder só foi autorizada a se reunir com sua equipe jurídica em duas ocasiões. E cada reunião tinha que durar menos de meia hora. "Estamos nos preparando para o pior", disse Khin Maung Zaw, que denunciou as "absurdas" acusações criadas com o objetivo de "mantê-la fora da cena (política) do país e manchar sua imagem".

Para justificar o golpe de Estado, o exército alegou fraude nas eleições legislativas de novembro de 2020, nas quais a Liga Nacional para a Democracia (NLD) de Aung San Suu Kyi venceu de forma esmagadora. A junta ameaça dissolver essa formação e garante que organizará novas eleições em dois anos.

Desde então, o país, que viveu um parêntese democrático de 10 anos, tem sido uma panela de pressão, com manifestações quase diárias e a economia paralisada por greves. Os confrontos entre o Exército e facções étnicas rebeldes também aumentaram.

As forças de segurança reprimiram violentamente a mobilização pró-democracia: nos últimos meses morreram 860 civis, incluindo crianças, segundo a Associação de Ajuda aos Presos Políticos (AAPP). Quase 5 mil pessoas estão detidas e várias ONGs denunciam execuções extrajudiciais, tortura e violência contra as mulheres.

Nesta segunda-feira, o jornalista americano Nathan Maung, detido no país desde março, foi libertado, segundo seu advogado, e retornará aos Estados Unidos na terça-feira. A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, denunciou a escalada da violência na sexta-feira, acrescentando que a junta militar é "totalmente responsável por esta crise".

Aung San Suu Kyi já passou 15 anos em prisão domiciliar em ditaduras militares anteriores. Ela foi libertada em 2010 e assumiu o governo do país cinco anos depois. Por muito tempo considerada um símbolo da democracia, como Nelson Mandela, sua imagem internacional se deteriorou acentuadamente quando centenas de milhares de muçulmanos rohingyas fugiram para Bangladesh em 2017 devido a abusos por parte do Exército.

Na ocasião, a líder birmanesa não condenou este drama e negou qualquer "tentativa de genocídio" por parte dos militares. 


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