Rio Grande do Sul abre portas para raças sintéticas

Rio Grande do Sul abre portas para raças sintéticas

Potencial do mercado é demonstrado pelo aumento de remates por pecuaristas da região

Danton Júnior

Cruzamento entre sistemas de produção provoca demanda crescente por genética de qualidade

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De um lado, a tradição das raças europeias e do gado criado a campo nativo no Pampa, famoso pela carne apreciada mundialmente. De outro, o imenso rebanho de gado Nelore, dotado da rusticidade necessária para enfrentar o Cerrado. O “casamento” entre estes dois sistemas de produção tem provocado uma demanda crescente por genética de qualidade – que tem no Rio Grande do Sul um dos principais fornecedores – no Centro-Oeste, região que concentra 34,2% do rebanho bovino do país. O potencial deste mercado é demonstrado pelo aumento dos remates voltados a esses pecuaristas; pela iniciativa das associações de raça, que têm fomentado o cruzamento por meio dos seus programas de carne; e pela formação de novos núcleos de criadores em regiões tropicais.

Depois de ser influenciada pelo aumento do consumo de carne, a expansão da genética também sofreu impactos da instabilidade econômica dos dois últimos anos. Entre 2014 e 2016, por exemplo, a venda de reprodutores do Rio Grande do Sul para outros estados saltou de 1,5 mil exemplares para 3,1 mil. No entanto, no ano passado, o número caiu para 2,7 mil. Os dados são do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). “A compra de reprodutores é puxada pelo preço do terneiro, e em 2017 houve uma queda expressiva no Brasil Central. A queda do preço do boi gordo também contribuiu para um desaquecimento”, observa o coordenador do Nespro/Ufrgs, Julio Barcellos.

Apesar do impacto da crise, o prêmio por carne de qualidade de raças britânicas e suas cruzas nos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília foi um grande “puxador” para a pecuária gaúcha, segundo Barcellos, o que incentivou a aposta em raças como a Brangus e a Braford no Cerrado. “É um aumento de demanda com um potencial que ainda não conhecemos, mas que é muito superior ao que imaginamos, pois o Brasil tem no Centro-Oeste aproximadamente 50 milhões de vacas à espera do cruzamento”, comenta Barcellos.

Segundo o especialista, o fato de o Rio Grande do Sul ser um “celeiro de genética” cobra a obrigação de buscar inovação e produtividade. “O cliente do Brasil Central quer reprodutores oriundos de fazendas eficientes, que tenham boas práticas de produção, bons resultados e indicadores invejáveis”, observa.

A entrada do sangue taurino ocorre principalmente via inseminação artificial. Isso porque as raças europeias – como Angus, Hereford e Devon – enfrentam problemas de adaptação fora do Sul do Brasil, devido à diferença de clima e dificuldades de combate ao carrapato. “Em função disso se fortaleceu o mercado para os sintéticos, principalmente Brangus e Braford”, afirma o consultor Fernando Velloso, da FF Velloso & Dimas Rocha Assessoria Agropecuária. A inseminação, porém, responde pela maior fatia deste mercado. Além disso, cerca de 70% da genética comercializada no país – 4 milhões de doses por ano no caso do Angus – ainda é importada.

O crescimento deste mercado foi influenciado pela demanda por carne de qualidade também de fora do Brasil. Assim como ocorre no Rio Grande do Sul, os pecuaristas do Centro-Oeste também exportam terneiros vivos, em especial para o Oriente Médio. Os embarques ocorrem principalmente pelos portos de Santos (SP) e Belém (PA). “Para atingir os mercados de carne de qualidade, tanto nacional quanto internacional, é necessária a genética taurina”, explica o pesquisador Fernando Cardoso, chefe de pesquisa e inovação da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé. Se por um lado, conforme o especialista, o zebuíno encontra-se altamente adaptado às condições tropicais, a sua carne é mais dura, o que justifica o intercâmbio genético.

Na opinião de Cardoso, é possível o Rio Grande do Sul se consolidar como repositório de genética do Brasil Central e, ao mesmo tempo, aumentar a sua produtividade de carne. “Nosso grande desafio é focar a seleção, nos nossos criatórios, em animais que tenham boas características de carcaça e adaptação, ou seja, resistência ao carrapato, pelo curto e maior tolerância ao calor”, acredita. O aperfeiçoamento desta genética pode favorecer a abertura de mercado para outras regiões tropicais. Cardoso cita que o continente africano e a Austrália são vistos como algumas das próximas fronteiras da pecuária.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895