Autoteste levanta dúvidas sobre subnotificação de Covid-19 no RS

Autoteste levanta dúvidas sobre subnotificação de Covid-19 no RS

Infectologista e Secretaria da Saúde divergem sobre impacto do uso do instrumento de triagem

Felipe Nabinger*

Autoteste começou a ser comercializado em março.

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A venda de autotestes de Covid-19 completou dois meses no Rio Grande do Sul no início de maio. Embora seja considerado um meio rápido e mais econômico para a triagem, um questionamento surge quanto aos positivados. Conforme nota técnica com orientações para o uso do autoteste, divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES/RS) duas semanas após o início das vendas, não há a obrigatoriedade que os positivados de procurar atendimento para um segundo exame confirmatório, a não ser quando necessite de diagnóstico médico para fins de afastamento do trabalho, através de atestado, por exemplo. Sendo assim, alguns casos podem ficar fora das estatísticas, havendo subnotificação, conforme alerta especialista. “Os números de casos oficiais agora são subestimados porque há muitas pessoas fazendo o autoteste e não há controle sobre quantos ou quem é positivo”, entende o infectologista no Hospital Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Alexandre Zavascki.

Esse aumento na procura por autotestes é justificada no volume de vendas de pelo menos uma rede que oferece o produto no RS. Na RD-RaiaDrogasil, a venda em todo o território nacional cresceu mais de 90% no mês de abril em comparação com o mês de março. Somente no Estado, as farmácias pertencentes ao grupo registraram um aumento nas vendas de autotestes em torno de 80%, no mesmo período. Já a Panvel informou não divulgar dados de suas vendas. Segundo a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), cerca de 32 mil brasileiros fizeram o autoteste no período. No Estado, o levantamento indica que 30% dos testes deste tipo foram positivos. No entanto, apenas 16% dos gaúchos teriam reportado a realização do teste para a pesquisa.

A orientação, conforme a nota da SES, é que a pessoa faça o isolamento por dez dias a contar do início dos sintomas ou da data do teste no caso dos assintomáticos. No entanto, a pasta ressalta que casos de autoteste positivo só podem ser confirmados mediante avaliação de um profissional de saúde, em serviços públicos ou privados, por meio de teste rápido de antígeno ou RT-PCR, ou através da avaliação clínica e de vínculo epidemiológico com contato confirmado para Covid-19. A pasta não teme subnotificação, "até porque muitos casos assintomáticos não foram e não são  notificados ao longo da pandemia", respondeu por meio da assessoria de comunicação. 

O administrador de empresas Carlos Fredel, 50, fez uso do autoteste logo no começo do período de vendas. Ele relata que a esposa e os filhos positivaram para Covid-19 em fevereiro, e fez uso do teste para poder monitorar o final do ciclo de cada um. Na última sexta-feira, ele utilizou o autoteste tendo resultado positivo, mesmo que a marcação aparecesse fraca. No sábado, mantendo distanciamento dos demais clientes, ele realizou o teste rápido na farmácia. “Por duas razões básicas: comprovar o resultado e alimentar a estatística, já que estava positivo”, explica. Embora não tenha recebido essa orientação ao comprar o autoteste, ele frisa que a bula do equipamento trazia as explicações detalhadas.

Minwer Daqawiya, 43, também fez uso do autoteste. O publicitário conta que estava desconfiado que havia pego a doença, mas nenhum outro familiar estava com sintomas. Em uma farmácia que não oferecia teste no local, ele acabou comprando duas unidades. “Levei pra casa, fiz e deu negativo. Logo depois melhorei, devia ser um resfriado apenas”, lembra. No entanto, duas semanas depois, a esposa começou a ter sintomas e usou o outro teste, também com resultado negativo. No entanto, seguindo com sintomas por três dias, ela foi ao médico, testou e positivou. “A bula sugere que ele (teste) serve mais como triagem nos dias iniciais”, reforça.

Essa é justamente uma das orientações do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs). A utilização dos autotestes deve ser, preferencialmente, para triagem de casos suspeitos e seus contatos, possibilitando o isolamento e quebra de cadeias de transmissão e o rastreio de assintomáticos que, preventivamente, irá ter contato com pessoas de maior vulnerabilidade, como idosos e imunocomprometidos.

Quando pode ser feito o autoteste*:

- Sintomáticos: do 1º ao 7º dia após o início dos sintomas;
- Assintomáticos que tenham contato com caso confirmado: a partir do 5º dia após o último contato;
- Assintomáticos que desejam fazer antes do contato com indivíduos de maior risco: o mais próximo possível ao momento do contato.

Não deve ser utilizado para*:

- Apresentação de teste de Covid-19 negativo em viagens internacionais;
- Fins de licença médica laboral;
- Realização em terceiros;
- Definição de diagnóstico (o autoteste deve ser realizado apenas para triagem);
- Para pessoas com sintomas graves, falta de ar, saturação abaixo de 95%, confusão mental ou sinais de desidratação. Esses indivíduos precisam procurar imediatamente assistência em uma unidade de saúde.

*Fonte: Secretaria Estadual da Saúde

Infectologista vê aumento na circulação e óbitos

Alexandre Zavascki, que também é professor da UFRGS, relata também o aumento da circulação do vírus em relação ao final do ano passado. Segundo o infectologista, em Porto Alegre, em 17 de dezembro, antes do início da onda da variante Ômicron, a cada sete dias havia 3,3 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto na sexta-feira passada esse número foi 121,9.

“Aumentou nos últimos dias. Sobretudo comparado com o que tínhamos no final do ano, antes da onda da Ômicron. A chance de alguém pegar Covid-19 em dezembro de 2021 era muito menor. Além de ter menos casos ativos, tínhamos o uso de máscara”, salienta. Atuando na linha de frente, ele admite que hospitalizações têm impacto menor, pois a grande maioria das pessoas estão vacinadas e a ômicron tem uma severidade menor.

Zavascki aponta ainda que, em 10 de janeiro desse ano, já no início da onda da variante, mas antes do tempo observar o impacto em óbitos, a cada sete dias, em Porto Alegre, havia duas mortes para cada 1 milhão de habitantes – nível recente mais baixo. Já no final da semana passada, conforme o especialista, esse número foi de cinco óbitos.

No retorno encaminhado ao Correio do Povo, a SES afirmou que "permanece atenta ao impacto dos possíveis aumentos de casos graves da doença, que reflitam em aumento de hospitalizações e óbitos" e que "apesar do discreto aumento de casos de Covid-19 não há impacto no aumento de internações e óbitos".

Conforme dados do painel da pasta disponível online, o Rio Grande do Sul tem 2.358.757 de casos confirmados de Covid-19 desde o início da pandemia, uma incidência de 20,7 mil a cada 100 mil habitantes. Foram 39.340 mortes, o que equivale a 345,8 por 100 mil habitantes. Somente em Porto Alegre, são 255.593 casos, ou seja, 17,2 mil a cada 100 mil. Foram, até agora, 6.229 mortes na capital, uma incidência de 420 óbitos a cada 100 mil habitantes.

*Colaborou Giullia Piaia


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