Banco Central intervém no câmbio, mas dólar fecha valendo R$ 5,38

Banco Central intervém no câmbio, mas dólar fecha valendo R$ 5,38

Profissionais das mesas de câmbio dizem que leilões serão ineficazes se a situação fiscal não melhorar

AE

No encerramento dos negócios, o dólar à vista subiu 0,19%

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O câmbio teve uma tarde agitada, com duas intervenções inesperadas do Banco Central. Com o real operando descolado de seus pares emergentes, por causa do desconforto causado pela situação fiscal do Brasil, e a moeda americana batendo em R$ 5,45, o BC fez dois leilões de swap (venda de dólar no mercado futuro), somando US$ 1 bilhão. As operações conseguiram acalmar o mercado, mas mesmo assim o dólar ainda fechou em alta. No encerramento dos negócios, o dólar à vista subiu 0,19%, a R$ 5,3829. No mercado futuro, o dólar para março subiu 0,19%, a R$ 5,3820.

Profissionais das mesas de câmbio dizem que leilões serão ineficazes se a situação fiscal não melhorar, sobretudo após a frustração da visão inicial de que o auxílio emergencial teria como contrapartida o avanço do ajuste das contas públicas, o que o Congresso não sinaliza ter interesse em fazer neste momento.

As declarações recentes do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), só contribuem para a visão de que o teto de gastos será furado este ano, avaliam os estrategistas em Nova York do Citigroup.O banco americano prevê que as despesas vão superar o teto em R$ 75 bilhões em 2021, observando que as propostas de emendas constitucionais do governo no Congresso para o ajuste fiscal exigem tempo para aprovação, enquanto a escalada dos casos de coronavírus é rápida, o que aumenta a pressão por programas de transferências de renda.

Ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC, Sergio Goldenstein, colaborador do site de pesquisas Ohmresearch, observa que a intervenção do BC ajuda a conter a alta do dólar, mas será ineficaz se o quadro fiscal piorar. A desvalorização recente do real, ressalta ele em seu Twitter nesta tarde, ocorreu justamente por causa do aumento do risco fiscal, aliado a um juro real "muito fora do lugar".

Além da questão fiscal, a visão de que a alta de juros pode não vir em março, que ganhou força após a divulgação do IPCA de janeiro (0,25%) com número perto do piso das projeções (mediana de 0,30%, a partir de intervalo de 0,24% a 0,54%), provocou pressão no câmbio desde os negócios da manhã. A visão é que sem subir juros, e com as taxas reais negativas, a atração de capital externo do Brasil fica comprometida.

Na avaliação do economista sênior para a América Latina da Pantheon Macroeconomics, Andres Abadia, o dado de hoje de inflação é uma boa notícia para o BC, que vai tentar segurar a elevação de juros, em meio a uma atividade enfraquecida e um mercado de trabalho deteriorado. "A inflação começou o ano sob controle", afirma Abadia.

Bolsa

O Ibovespa manteve-se bem perto da estabilidade na maior parte da tarde, oscilando entre leves ganhos e perdas, em sessão marcada também por pequena variação nos índices de Nova York após máximas históricas no dia anterior, renovadas hoje no Nasdaq, em meio à expectativa positiva para pacote fiscal no topo de US$ 1,9 trilhão, nos EUA. Aqui, o índice da B3 emendou a segunda sessão negativa, com a Petrobras (PN -2,03%, ON -2,60%) estendendo a correção de ontem, ante a desconfiança sobre a política de preços da estatal.

No cenário fiscal, a aproximação de nova rodada de auxílio emergencial contribui para reverter o ânimo da semana passada, na qual prevalecia a impressão de que o Congresso priorizaria agenda de reformas e que as discussões sobre o auxílio respeitariam o teto de gastos. A pressa em encontrar uma solução imediata para a ajuda aos vulneráveis recoloca na mesa a difícil situação das contas públicas.

Assim, após ganho de 4,50% acumulado na semana passada, o Ibovespa tem perda de 0,64% até aqui nesta semana, após a leve baixa de 0,19%, a 119.471,62 pontos nesta terça-feira, entre mínima de 118.245,64 e máxima de 119.974,93 pontos, com giro a R$ 29,2 bilhões. No ano, o índice limita o avanço a 0,38% e, no mês de fevereiro, sobe 3,83%.

Por sua vez, a curva de juros refletiu hoje a divulgação de IPCA abaixo do esperado em janeiro (0,25%), o que diminui a probabilidade de atuação do BC sobre a Selic já na reunião de março, enquanto a ponta longa mostrou algum desconforto com a situação fiscal. O dólar, que se mostrava pressionado até o início da tarde, com máxima a R$ 5,4475, acabou se acomodando à faixa de R$ 5,38 no fechamento, em leve alta de 0,19% na sessão.

O desempenho positivo das ações de bancos (Santander +1,62%, Itaú PN +1,20%) e de siderurgia (CSN +2,43%, Usiminas +1,30%) contribuiu hoje para mitigar novo dia ruim para as ações de Petrobras, após a ON da estatal ter segurado a ponta negativa do Ibovespa na sessão anterior, com perda acima de 4%. Assim, tanto hoje como ontem, as ações da Petrobras não acompanharam o avanço das cotações do petróleo, que colocou hoje o Brent a US$ 61 por barril, com ganho perto de 17% no ano - em 2021, Petrobras PN cede 2,82% e a ON, 3,95%.

"Agora que a Europa parece ter superado o pior dessa onda de Covid, os traders de energia estão otimistas de que a perspectiva de demanda será muito forte no final do segundo trimestre", aponta em nota Edward Moya, analista da OANDA em Nova York. "Os fundamentos parecem fortes novamente, tanto do lado da oferta quanto da demanda", acrescenta.

Na ponta do Ibovespa nesta terça-feira, Sabesp fechou em alta de 7,10%, à frente de CSN (+2,43%) e de Ultrapar (+2,22%). No lado oposto, PetroRio cedeu 4,13%, Eztec, 3,36%, e JHSF, 3,03%.

Juros

Os juros futuros encerraram o dia em alta nos vencimentos de médio e longo prazos e estáveis na ponta curta. As intervenções do Banco Central (BC) no mercado de câmbio suavizaram a pressão à tarde, mas ainda assim a curva continuou ganhando inclinação, a exemplo do que já tinha sido visto ontem. O movimento foi atribuído a dois fatores: IPCA de janeiro abaixo da mediana das estimativas e risco da volta do auxilio emergencial sem contrapartida de financiamento, dado o empenho do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MDB-MG), em resgatar o pagamento do benefício o mais rapidamente possível.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 encerrou em 3,405% (regular) e 3,400% (estendida), de 3,417% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2023 subiu de 4,951% para 4,985% (regular) e 4,995% (estendida). O DI para janeiro de 2025 terminou com taxa de 6,46% (regular) e 6,48% (estendida), de 6,385%, e a taxa do DI para janeiro de 2027 fechou a 7,11% (regular) e 7,12% (estendida), de 7,034%.

Se o IPCA de janeiro (0,25%), abaixo da mediana das estimativas, de 0,30%, e perto do piso (0,24%), enfraqueceu as apostas de alta da Selic em março, de outro prejudicou o real, com consequente efeito negativo sobre as taxas. Nesse contexto, os leilões do BC à tarde retiraram pressão da moeda e da curva, mas numa ação vista como paliativa, uma vez que os riscos estão totalmente ligados à conjuntura. O BC vendeu US$ 1 bilhão em contratos de swap cambial em duas operações.

A declaração de Pacheco de que pode não ser possível esperar a entrada em vigor das Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial para aprovar o auxilio já ontem trazia desconforto, que foi ampliado hoje. Conforme o Broadcast Político apurou, há pressão do Congresso para que a nova rodada do benefício seja aberta fora do teto de gastos e sem o corte de outras despesas. Aumentar o endividamento da União ou até criar um imposto temporário para bancar o benefício entrou no radar dos parlamentares. Pacheco tomou a frente da articulação diretamente com o presidente Jair Bolsonaro.

O trader de renda fixa da Sicredi Asset Danilo Alencar lembra que até as eleições para Câmara e Senado, Executivo e Legislativo pareciam estar afinados quanto à importância da responsabilidade fiscal, mas agora ambos alteraram o discurso e vão na contramão do que defende a equipe econômica. "Bolsonaro mudou de postura de uma hora para outra e vemos Pacheco antagonizando com Guedes", disse. E, na sua opinião, a provável aprovação pela Câmara do projeto de autonomia do BC não deve trazer grande alívio. "Já está precificada", resumiu.

Em evento virtual promovido pelo Observatory Group pela manhã, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, repetiu que não há nenhum espaço para novas medidas sem que haja contrapartida fiscais. "É preciso tomar ações para que a dívida não continue crescendo. A reação dos mercados nos mostra que a fragilidade fiscal pesa mais do que os eventuais benefícios de se colocar mais dinheiro na economia. Pode acabar tendo o efeito contrário, de contração", afirmou.

 


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