Clima interfere no poder de compra do consumidor no RS

Clima interfere no poder de compra do consumidor no RS

Perdas nas safras podem impactar o preço de produtos derivados

Taís Teixeira

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Calor, frio, sol, chuva, geada, seca. Todos esses cenários climáticos afetam tanto o campo como a cidade. No campo, interferem no valor que a indústria paga ao produtor, que varia conforme a quantidade e a qualidade da produção. Já na cidade, repercutem no poder de compra, na hora de passar os itens na caixa registradora. O Rio Grande do Sul tem invernos rigorosos, que influenciam a produtividade (volume colhido por hectare) com a formação de geadas, e um verão muito quente, que já provocou secas históricas, como nas safras 2004/2005, 2011/2012, sendo que recentemente vivemos uma estiagem mais branda, mas promotora de prejuízos,  na safra  2019/2020. 

O economista da Fundação Getúlio Vargas (FVG), André Braz, explica que as perdas causadas por problemas climáticos na safra de grãos podem impactar diretamente o preço de produtos derivados vendidos aos consumidores. No caso da soja, o aumento aparece no farelo de soja e também no óleo de soja refinado. “Já no milho, a gente pode ver o encarecimento nas aves, já que o milho é um dos insumos da ração que alimenta esses animais, e esse custo gerar uma pressão  no preço da carne de frango”, avalia.

Neste momento, em que está em vigor a safra das culturas de inverno, formada por trigo, aveia, canola, azevém, entre outras. A agrometeorologista do Departamento de Diagnóstico de Pesquisa Agropecuária  da Secretaria da Agricultura, Pecuária de Desenvolvimento Rural (DDPA/Seapdr), Loana Cardoso, esclarece que até esse momento as condições climáticas do inverno não causaram prejuízos nas culturas, sendo que as chuvas registradas em junho ficaram acima da média (entre 150 e 200 milímetros) o que indica normalidade no volume de precipitação, patamar que deve se manter em julho, que terá o cálculo fechado em agosto. Ela afirma que a chuva não é um fator limitante na lavoura, mas sim, as  baixas temperaturas, que podem incidir sobre os preços ao consumidor. 

O trigo, principal cultura de inverno do Estado, presente nos pães, massas, farinhas, bolachas, se for afetado por uma geada tardia_ aquela que ocorre quando se encaminha para o fim do inverno e começo da primavera_ entre agosto e setembro_ pode comprometer a qualidade dos grãos. “Se o trigo estiver em fase de floração e enchimento do grão, a geada vai impactar na qualidade do resultado, o produtor lucrar menos e ter prejuízo, porque houve os custos de produção, e isso pode impactar nos preços dos alimentos em que o trigo é usado como matéria-prima”, assinala.   

O presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado do Rio Grande do Sul  (Sinditrigo-RS), Rogério Tondo, comenta que o frio e a geada que o inverno manifestou no Estado até o momento foram positivos para o trigo, que já tem 97% de área plantada. O dirigente recorre à conjuntura internacional para esclarecer a relação entre clima e mercado. “Neste momento, Alemanha e China sofrem com excesso de chuva e Canadá e Estados Unidos passam por uma seca, mas qualquer dessas situações comprometem a qualidade dos grãos”, esclarece. 

Tondo enfatiza que essa instabilidade climática reverbera no  valor da bolsa de Chicago, que é referência na formação de preços global, que fundamentam os preços do trigo da Argentina, que balizam os preços do Brasil. “ É preciso fazer uma análise estrutural no mundo para entender como o preço é repassado ao consumidor”, reforça.

Ele acrescenta ainda a alta do frete na Argentina, que aumentou em decorrência da seca no Rio de La Plata, que reduziu o volume de água do calado do Porto de Rosário, o que fez com que os navios carreguem menos carga para poder atracar no porto sem afundar. “Assim, navios tem que sair dos portos com menos carga por causa do baixo nível das águas do Rio Paraná, que faz parte da bacia do Rio de La Plata”, explica ressaltando que tudo isso acaba sendo repassado ao consumidor, por mais que a cadeia se esforce em conter esse reajuste. 

Geada e hortaliças 

As hortaliças, que são mais sensíveis,  podem sofrer com o efeito de “queimada” nas folhas causada pela geada. O presidente da Associação de Produtores da Ceasa Porto Alegre, Evandro Flinkler, disse que 90% das folhosas vendidas é de produção  gaúcha. Flinker disse que a geada afetou a qualidade e a produtividade das folhas, o que resultou em uma colheita menor colheita, o que não significou subida nos preços cobrados nas bancas da Ceasa. “ As pessoas compram menos hortaliças no inverno, com exceção da couve, muita usada para sopa, mas que está em promoção  em quase toda a semana”, destaca. 

Quanto aos legumes, Flinkler disse que somente 10% são da  produção gaúcha, sendo o resto trazido  de outros estados. O dirigente notou que o produtor pagou mais caro pelos legumes, como vagem, pimentão e tomate, comprados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Logo, o consumidor deixou mais dinheiro na compra desses produtos devido a essa elevação de preço e não pelas questões climáticas. A meterologista Estael Sias disse que a escassez de chuva e geada registrada anteriormente nesses locais  pode ter relação com esse incremento dos valores negociados.

Sias também destacou que nas próxima semanas uma geada forte deve atingir o Estado, além de  Santa Catarina, Paraná, São Paulo e  Mato Grosso do Sul. “ Será um frio histórico que deve atingir todo o Rio Grande do Sul, até mesmo em áreas litorâneas”, adianta dizendo que a curto prazo é possível detalhar em que proporção irá afetar o litoral, o que pode refletir na precificação.   

Mas as baixas temperaturas não trazem somente efeito negativo. Para as frutas cultivadas no inverno (como uva e pêssego) esse acúmulo de frio é positivo e deve proporcionar uma colheita satisfatória em novembro, o que não pesará no bolso do consumidor. “A única preocupação é se ocorrer a geada tardia, pelo mês de agosto, e causar perdas potenciais de produtividade”, antecipa Loana.  

Já nas pastagens, a falta de alimento para o gado leiteiro pode exigir suplementação, o que é mais caro para o produtor e pode ser repassado no preço cobrado no varejo.

O secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios do Rio Grande do Sul ( Sindilat-RS), Darlan Palharini, enfatizou que as alterações climáticas fora de época, como o excesso de calor, com um verão de sensação térmica acima de 50 graus, penaliza a produção, que diminui,   a oferta é menor que a procura, o que pode refletir no preço final. Palharini ressalta que os estragos gerados pela estiagem, que agora assola o Paraná, dificulta a alimentação que fica mais cara, já que tem que ser recompensada pela ração a base de milho de farelo de soja, que estão com preços elevados, o que faz buscar as pastagens. “ Porém, se a estiagem durar muito tempo, o pasto também vai estar  comprometido, relata lembrando que  o sistema de reserva de água no Estado são pequenas. “  As anormalidades do clima tem sido muito prejudiciais para o setor e para o preço que chega no varejo, reitera.    

Nas culturas de verão, como soja, milho arroz e feijão, as longas estiagens podem provocar, além da queda de produtividade, alta nos preços repassados ao consumidor. O analista de arroz, Cleiton Santos, expõe que o clima pode afetar os preços ao longo da cadeia, mas enfatiza que o produtor é mais atingido do que o consumidor, já que o mercado costuma se regular pela importação ( principalmente do Mercosul) quando falta produto no mercado interno, ou pela  exportação, quando sobra e temos preços competitivos.

“No arroz, historicamente, temos produções menores em anos de El Niño (chuva acima do normal) e boas produtividades (e consequentemente produção) em anos de La Niña (pouca chuva) e mais problemas em anos que entramos com menos água reservada por neutralidade climática”, enfatiza.

Santos destaca que ,apesar da influência que tem na relação de oferta, e mesmo sem uma grande interferência do governo federal como havia no tempo dos gigantescos estoques públicos – que hoje são mínimos, em torno de 20 mil toneladas – a interferência do clima pode ser neutralizada, em termos de preços. “Temos estabilidade produtiva, fortes excedentes de produção e criamos uma razoável condição de logística e de capacidade de exportar ,se a relação cambial x preços internos ajudarem”, avalia. 

Crise hídrica internacional aumenta preço das carnes

 O economista da FGV, André Braz, explica que estamos vivendo uma crise hídrica sazonal, mas que o Estados Unidos também está passando por uma seca mais rigorosa, o que pode comprometer safra norte americana, movimentando os preços internacionais, o que contamina os preços domésticos. “O preço desses grãos, em especial o milho e a soja, não dependem apenas a agricultura doméstica, dependem também da agricultura de outros países porque são commodities”, reforça.

Braz acrescenta que essa estiagem em algumas partes do país, bastante conhecida de pecuaristas e agricultores, gera um desafio extra, já que prolonga o uso de rações para os animais, o que gera custos e, sempre que há custos, há repasses para o preço final, seja da carne bovina, seja no leite e seus derivados.  “Essa é uma época do ano em que o consumidor já convive com preços médios um pouco acima dos praticados nos outros períodos, mas o problema e se essa seca se prolongar e essa carestia dos preços continuar, sendo que já acontece num momento em que a carne já estava com um preço muito alto, o que gera mais inflação em cima de produtos básicos e que já vinham acumulando aumento de meses atrás, reforça.

De acordo com o Índice de preços no consumidor (IPC) da FGV,nos últimos 12 meses, a carne bovina subiu 33%, o frango 19,5%, e a carne suína 26%, preços que superam a inflação acumulada nesse período, segundo a FGV, de 8, 3%.

O coordenador no Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da UFRGS (NESPro), Júlio Barcellos, a relação dos preços do boi gordo com o da carne está deixando de ser muito direta, já que no RS entra carne de outros estados devido à diminuição do rebanho, seca no ano passado, preços altos, conjuntura que faz produtor reter os animais. 

Todavia,  o inverno é um período, historicamente, de entressafra no RS, a partir da pecuária de campo nativo, já que as espécies vegetais predominantes nos campos sulinos são de verão. “Assim, no inverno, com as geadas, essas espécies são queimadas, secam e perdem qualidade, faltando pasto para engorda, cenário que, nos últimos anos, com as pastagens cultivadas de inverno, tornou esse fenômeno de entressafra  menos marcado pela falta de gado para abate, sendo mais curta, 45 dias no máximo e menos acentuada”, reforça. 


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