Dólar dispara e fecha a R$ 5,37 com risco fiscal e exterior negativo

Dólar dispara e fecha a R$ 5,37 com risco fiscal e exterior negativo

Moeda norte-americana no maior nível desde maio deste ano

AE

Houve certo alívio no meio da tarde, com o dólar passando a ser negociado no nível de R$ 5,33

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O dólar disparou no pregão desta quarta-feira e fechou no maior nível desde maio deste ano em meio à percepção de forte deterioração da credibilidade fiscal do governo Jair Bolsonaro, dados os riscos de abandono - mesmo que informal - do teto de gastos para compatibilizar o aumento do Bolsa Família com o pagamento de Precatórios.

Operadores não identificaram um gatilho específico para a arrancada da moeda norte-americana nesta sexta-feira, mas citaram o mal-estar com o adiamento da reforma do Imposto de Renda na terça-feira à noite. Teme-se que o texto da reforma, que já desagradava no início, seja modificado ainda mais para satisfazer demandas de Estados e municípios, resultando, no fim, em perda de arrecadação.

O desconforto com as contas públicas fez a moeda norte-americana operar em alta firme já pela manhã, alcançando a casa de R$ 5,35. O movimento era acentuado pelo tombo das commodities no mercado internacional, diante da probabilidade de a China cortar drasticamente a produção de aço. Operadores notaram também sinais de movimentos especulativos de investidores à espera de uma intervenção do Banco Central, que acabou não acontecendo.

Houve certo alívio no meio da tarde, com o dólar passando a ser negociado no nível de R$ 5,33, na esteira da perda de força momentânea da moeda norte-americana no exterior, após a divulgação da ata do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que foi, em um primeiro momento, bem recebida pelo mercado. Mas o caldo voltou a entornar na reta final do pregão, com a piora do ambiente externo, marcado por perdas das bolsas em NY e fortalecimento da moeda norte-americana frente à maioria das divisas emergentes e de países produtores de commodities.

Em sua ata, embora tenha repetido a avaliação de que a alta da inflação têm efeitos transitórios, o Fed confirmou que o debate sobre o início da redução de compra mensal de bônus ('tapering') ainda neste ano, o que resultaria em diminuição da liquidez. Foi o que bastou para uma rodada mais acentuada de deterioração dos ativos domésticos. Os juros futuros acentuaram a alta, a Bolsa aprofundou as perdas e o dólar correu até a máxima de R$ 5,3774 (alta de 2,04%). A arrancada da moeda americana no fim do dia pode ter sido potencializada por zeragem de posições vendidas (que apostam na queda do dólar), com rompimento de barreiras técnicas.

No fim da sessão, o dólar era negociado a R$ 5,3749, em alta de 1,99% - o maior patamar desde de quatro de maio, quando fechou a R$ 5,4307. Com a arrancada desta quarta, o dólar já acumula alta de 3,17% em agosto. Poderia ser pior se não fosse o leve recuo de 0,20% da moeda americana na terça, na esteira do discurso duro do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contra a inflação, que abriu as portas para apostas em alta mais acentuada da taxa Selic - o que, em tese, tende a atrair capitais para a renda fixa brasileira.

As atenções do mercado se voltam à confecção da peça orçamentária de 2022, em meio ao imbróglio envolvendo o pagamento dos Precatórios e ao desejo do presidente Jair Bolsonaro de expandir o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, para tentar recuperar a popularidade. Bolsonaro aparece atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto.

"O governo já não consegue ancorar mais as expectativas. O presidente perdeu muito do seu capital político e existe o risco de que ele jogue o fiscal pela janela para tentar se reeleger", afirma o head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto. "O cenário é de depreciação do real, apesar de os juros maiores serem bons para o carry trade. O dólar pode subir ainda mais com essa questão interna e o início do tapering pelo Fed."

Em audiência no Congresso Nacional, o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, disse que, sem o parcelamento dos precatórios, todos os programas do governo em 2022 estarão comprometidos. Culau argumentou que a PEC dos Precatórios é uma forma de manter o teto de gastos sem sacrificar programas meritórios. "Não estamos propondo que o teto seja rompido, parcelar precatórios torna a regra efetiva", afirmou.

O head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, ressalta que o real, que havia se alinhado às demais moedas emergentes anteriormente, passou a apresentar um desempenho muito pior do que seus pares, como o rand sul-africano, o peso mexicano e o rublo, o que mostra o peso de problemas locais na formação da taxa de câmbio. "Isso a depreciação do real está muito ligada ao que está acontecendo na área política e econômica. A fala do Roberto Campos presidente do BC deu uma amenizada ontem, mas o quadro piorou novamente", afirma Weig, ressaltando as dúvidas relacionadas ao Bolsa Família, à PEC dos Precatórios e à reforma tributária.

Weigt lembra que o Brasil já esteve à beira do abismo em certas ocasiões e que sempre houve um recuo por parte da classe política na direção de preservar uma racionalidade mínima na condução das contas públicas. "É difícil acreditar que vão seguir nessa linha de burlar o teto de gastos. Essa piora dos ativos domésticos faz parte da pressão do mercado para um ajuste na rota", diz o tesoureiro do Travelex, ressaltando que o nível de incerteza é hoje muito grande. "Eu geralmente tenho uma convicção da direção dos ativos, mas neste momento está muito difícil".

Taxas de juros

Após ensaiar uma trégua na terça-feira, os juros voltaram a subir com força nesta quarta-feira com a curva empinando ainda mais pela pressão maior nos vencimentos de longo prazo. Até tentaram um pequeno alívio depois da ata do Federal Reserve, mas a tensão com o cenário fiscal e institucional no Brasil se impôs. Os sinais de desancoragem fiscal vindos da discussão sobre a PEC dos precatórios, Auxílio Brasil e teto de gastos, em meio a revisões para cima de inflação e para baixo do PIB, acendem os alertas quanto à nota de crédito do País pelas agências de risco, enquanto no Congresso a votação da reforma do Imposto de Renda emperrou mais uma vez.

A ponta curta até conseguiu encerrar com viés de baixa, com a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 fechando em 6,72%, de 6,676% na terça. A do DI para janeiro de 2023 subiu de 8,369% para 8,49%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 encerrou em 9,87%, de 9,605%. O DI para janeiro de 2027 terminou com taxa de 10,32% (10,034% na terça) e o DI para janeiro de 2031, a caminho dos 11%, teve taxa de 10,82%, de 10,522%.

Os momentos mais críticos do dia foram o fim da manhã e o fim da tarde, quando as taxas dos principais contratos abriram mais de 20 pontos-base, refletindo zeragem de posições vendidas (stop loss) em vários vértices. Nas mesas, teve grande repercussão a decisão da consultoria Eurasia de rebaixar a trajetória de longo prazo do Brasil de neutra para negativa, dadas as renovadas preocupações com a política fiscal e inflação persistente. A consultoria cita em especial os comentários do presidente Jair Bolsonaro para deslegitimar as eleições de 2022 que exacerbaram as tensões institucionais e a deterioração da agenda de reformas no Congresso.

Na terça, o governo, mais uma vez, não conseguiu colocar a proposta do IR em votação na Câmara. Num primeiro momento, a leitura foi de nova derrota, mas muitos viram o evento até com certo alívio, dada a leitura de que com as constantes mudanças, o texto foi desfigurado e não cumpre mais o seu papel.

Marco Antonio Caruso, economista-chefe do Banco Original, disse que o mercado até tentou melhorar com a ata do Fed, que ele considerou entre neutra e levemente "dovish". "Olhando os dois mandatos, o de inflação parece ok, mas o de emprego ainda não. Houve um aumento do tom quanto aos riscos da variante delta para o crescimento econômico", disse. "O DI teve até um pouco de alívio, mas não durou muito porque a inclinação da curva está muito calcada nas questões domésticas. O aumento de prêmio pelo fiscal veio para ficar por um bom tempo", prevê.

Um dos principais focos de tensão com as contas públicas é a polêmica em torno da PEC dos precatórios, uma conta de R$ 90 bilhões que o governo quer pagar de forma parcelada para não estourar o teto dos gastos, numa solução que o mercado considera como calote. O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, que participou nesta quarta de audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, disse que é preciso lidar "bem" com o problema, ou "vai ser muito pior".

Bolsa

O Ibovespa parecia se desconectar da pressão sobre o câmbio e do exterior ruim, além da persistência dos receios sobre o político e o fiscal, para interromper sequência negativa que havia consumido mais de 3 mil pontos no agregado das duas sessões anteriores, retomando nesta quarta, ainda que de passagem, o nível de 118 mil pontos. Em dia de vencimento de opções sobre o índice, que costuma envolver a tradicional disputa entre comprados e vendidos, o índice à vista acabou se firmando em queda de 1,07%, a 116.642,62 pontos no fechamento, menor nível desde 1º de abril.

Assim, emendou nesta quarta a terceira perda, entre mínima de 116.488,72 e máxima de 118.738,54 pontos, vindo de abertura aos 117.903,81 pontos. No ano, acumula baixa de 2,00% após a recente correção, que coloca agora as perdas da semana a 3,76% e as do mês a 4,23%, acima das de julho (-3,94%), quando havia interrompido a recuperação de março a junho. Com o vencimento de opções, o giro financeiro ficou bem fortalecido nesta quarta-feira, a R$ 67,1 bilhões.

Antes da aguardada ata do Federal Reserve, o Ibovespa esboçava reação, apesar da falta de sinal único em Nova York e do desempenho negativo do petróleo na sessão - ao final, os índices de NY também mostravam perdas nesta quarta-feira.

"As bolsas em Nova York estão ainda bem perto das máximas históricas, enquanto aqui há descontos em setores como os de commodities e bancos, com o Ibovespa negociado a 8 ou 9 vezes o P/L, frente a padrão histórico em torno de 12 vezes. A situação fiscal continua a pesar aqui, assim como a política, com a briga entre poderes, e certamente essa combinação de ruídos atrapalha, no momento em que o foco global está em quando se iniciará o 'tapering' nos Estados Unidos (a retirada de estímulos monetários pelo Federal Reserve)", diz Ricardo Campos, CEO da Reach Capital.

A ata da reunião de julho do Comitê Federal de Mercado Aberto do Federal Reserve, divulgada no período da tarde, mostrou que o debate sobre a data do início da retirada gradual dos estímulos monetários é contínuo, e seja "muito provável" que o anúncio oficial venha a ocorrer em uma dos próximos três encontros entre os dirigentes, segundo estima a BMO Capital Markets. "Apesar da sinalização bastante 'hawkish', o que acabou azedando o humor do mercado, o documento indicou que a redução não será um gatilho para o aumento dos juros, mas, de qualquer forma, muda bastante o tom do próprio comunicado emitido após a reunião, e vai de encontro com o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell", diz Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.

"Alta nos juros nos Estados Unidos pode tirar fluxo de capital de países emergentes rumo aos títulos públicos americanos, o que contribuiria para enfraquecimento das moedas desses países e agravaria o aumento da inflação nestas economias menos desenvolvidas", observa Paloma Brum, analista da Toro Investimentos.

"A ata do Fed, onde já se começa a discutir a retirada da compra de títulos em 2021, acaba reduzindo de forma geral a expectativa de disponibilidade de dólares, à medida que os estímulos sejam retirados, o que resulta em apreciação da moeda americana", diz Flávio de Oliveira, head de renda variável da Zahl Investimentos.

No front doméstico, em relatório a clientes, a Eurasia rebaixou a perspectiva de longo prazo do Brasil, de neutra para negativa, com a avaliação de que "renovadas preocupações sobre a política fiscal e a persistente inflação estão minando a perspectiva para o crescimento econômico em 2022". A agência de avaliação de risco político diz também que, enfraquecido pela perspectiva econômica desafiadora, os incentivos do presidente Jair Bolsonaro a "deslegitimizar" as eleições de 2022 crescerão, "exacerbando as tensões institucionais". Como consequência, avalia a Eurasia, a "agenda econômica no Congresso também se deteriorará".

Com tantos fatores negativos pesando sobre o humor dos investidores, as perdas acabaram se distribuindo por empresas e setores na B3 ao longo da tarde, sem poupar as ações de commodities (Vale ON -3,36%, na mínima do dia no fechamento; Petrobras ON -1,19%), bancos (Bradesco ON -1,37%, Santander -0,79%) e siderurgia (Usiminas PNA - 4,73%, CSN ON -2,31%). Na ponta negativa do Ibovespa, Ultrapar (-4,97%), à frente de Usiminas (-4,73%) e Klabin (-3,85%). No lado oposto, Cogna (+4,52%), Braskem (+4,21%) e Embraer (+3,69%).

 


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