Em dia de queda forte de gigantes da tecnologia, dólar sobe 1,43% e encerra cotado a R$ 5,44

Em dia de queda forte de gigantes da tecnologia, dólar sobe 1,43% e encerra cotado a R$ 5,44

Redes sociais seguem em instabilidade desde o começo do dia

AE

Moeda norte-americana avançou forte nesta segunda-feira

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O real liderou as perdas entre as moedas emergentes em relação ao dólar nesta segunda-feira, dia marcado por movimento de fuga de ativos de risco em todo o mundo. Sinais de inflação persistente nos Estados Unidos e Europa, em meio à crise energética global e à disrupção das cadeias produtivas, o impasse em torno da elevação teto da dívida americana e os problemas de solvência da incorporadora chinesa Evergrande - após suspensão de negócios com suas ações em Hong Kong - mantiveram os investidores na defensiva.

Mais uma vez, os ativos domésticos estão entre os mais castigados por causa dos problemas locais. Além da novela em torno dos precatórios e do auxílio emergencial, pesa sobre o sentimento dos investidores o avanço da crise hídrica, que ganhou um novo capítulo com a inclusão de "jabutis" da MP que lida com o tema e suas repercussões nas expectativas de inflação e crescimento. O Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) revelou que, segundo cálculos da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), alguns "jabutis" terão um custo de até R$ 46,5 bilhões a serem bancados por consumidores.

A revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem recursos em empresa offshore mantida no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas causa desconforto, por minar o já abalado prestígio dele. Mas, segundo operadores, não tem, por ora, peso decisivo nos rumos do mercado. A série de reportagens batizada como "Pandora Papers" revelou que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também mantém contas no exterior.

Em alta desde a abertura dos negócios, quando registrou a mínima a R$ 5,3744, o dólar operou acima da linha de R$ 5,40 a maior parte da sessão e chegou a flertar com o patamar de R$ 5,45, ao correr até a máxima de R$ 5,4565 à tarde. No fim do pregão, o dólar à vista subia 1,44%, cotado a R$ 5,4465 - maior valor de fechamento desde 27 de abril (R$ 5,4612). O dólar futuro para novembro subia 1,53%, a R$ 5,4670, em dia de liquidez reduzida (na casa de US$ 10,8 bilhões), o que denota pouco apetite por novas apostas.

Lá fora, o índice DXY - que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes - recuava cerca de 0,20%, na casa dos 93,800 pontos, em correção após as altas recentes e avanço do euro. A moeda americana avança em bloco frente a divisas emergentes, com ganhos mais acentuados frente ao real e ao rand sul-africano (+1,03). Entre países exportadores de commodities, destaque para o rublo, que avança na esteira dos ganhos do petróleo, após a Opep+ se recusar a aumentar o volume de oferta (atualmente em 400 mil barris), mesmo com pressão dos Estados Unidos.

O quadro de inflação em alta na Europa, às voltas com a crise energética, e nos Estados Unidos - aliado a temores de desaceleração da economia chinesa - jogam dúvidas sobre o crescimento global no próximo ano. Isso tudo em meio à expectativa de redução da liquidez com o Federal Reserve dando início a redução da compra mensal de bônus em novembro ou dezembro, o que eleva a expectativa para a divulgação do relatório de emprego (payroll) americano de setembro, na sexta-feira, 8.

"O mercado já vem nessa dinâmica de 'risk off' faz alguns dias e isso se acentuou hoje. O Fed já praticamente anunciou o tapering para a sua aproxima reunião, as taxas dos Treasuries estão em alta e o dólar está se fortalecendo no exterior", afirma o head de câmbio da head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto. "Aqui continuamos com todas as nossas preocupações fiscais e essa tendência populista do governo Bolsonaro".

Para Netto, a revelação das contas offshore de Guedes e Campos Neto, embora não chegue a ser uma surpresa, incomoda ao mercado ao mostrar que as duas principais autoridades responsáveis pela condução da política econômica têm "um viés comprado em dólar". Ele ressalta que, apesar de não haver nada que sugira que Guedes ou Campos Neto tenham agido de má-fé ou de forma imprópria, a credibilidade de ambos fica arranhada.

No front doméstico, ganha cada vez mais força a ideia da estagflação em 2022, com redução das estimativas de crescimento e aumento das expectativas de inflação. Já há quem veja a taxa Selic perto de 10% no ano que vem. Isso em meio à pressão por expansão de gastos em plano ano eleitoral. Não é à toa que parte do mercado vê nas intervenções do BC no mercado de câmbio - via swaps cambiais - o desejo de suavizar a alta do dólar e evitar, assim, aumento ainda maior das pressões inflacionárias.

Pela manhã, o BC colocou no mercado a oferta integral de 14 mil contratos (US$ 700 milhões) de swap cambial extra, relacionado ao overhedge dos bancos. Também foi absorvida pelo mercado a oferta total de 15 mil contratos (US$ 750 milhões) da rolagem de vencimentos programados para dezembro.

Em evento na Associação Comercial do Estado de São Paulo, Campos Neto disse que o BC atua o mercado de câmbio para evitar ruptura de liquidez, manter a conexão com os preços e tirar o incentivo para que investidores migrem para outros instrumentos de hedge. Ao ser indagado em relação ao fato de o dólar não ter caído em resposta ao choque de aumento de commodities, Campos Neto disse que "em parte é o fiscal".

"Precisamos ter certeza de que arcabouço fiscal será mantido. Se agentes tiverem percepção de que não existe mais teto nem Lei de Responsabilidade Fiscal, haverá reprecificação de ativos", advertiu o presidente do BC.

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, discorda da avaliação (de parte do mercado) de que as intervenções do BC no mercado de câmbio tenham como motivo tentar deter a depreciação do real para conter a inflação. "As intervenções da política cambial não têm ocorrido para mexer em patamar nos últimos tempos e nada mudou no tocante a isso", comenta, em nota, Sanchez, que estima Selic em 9,25% no fim do ciclo de aperto monetário, em fevereiro de 2022, e dólar a R$ 5,35 no fim do ano.

Juros

Os juros subiram em toda a extensão da curva, embutindo prêmios tanto em função dos riscos externos quanto os do cenário local. De fora, pesam a alta do dólar ante boa parte dos emergentes - que afeta de forma mais incisiva o real - e os ganhos firmes do petróleo. Fatores que, somados, reforçam as preocupações com os preços dos combustíveis e, consequentemente, com a inflação.

Além disso, os juros dos Treasuries longos voltaram a avançar, ainda que o da T-Note de dez anos tenha permanecido abaixo de 1,5%. O "caso Pandora Papers" não fez preço diretamente sobre a curva, mas é considerado um fator de desconforto sobre um governo já bastante pressionado.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 fechou em 9,20%, de 9,135% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2025, em 10,22%, de 10,165%. A do DI para janeiro de 2027 avançou a 10,61%, de 10,553%.

O clima externo carregado e o quadro fiscal e inflacionário também pesado no Brasil desencorajam a montagem de posições vendidas. As preocupações com a crise energética são de proporções globais, com problemas na oferta de gás na Europa e na China que podem se agravar com a chegada do inverno no Hemisfério Norte. No Brasil, o drama é ampliado pelas crises hídrica e dos combustíveis, que vão desembocar na inflação.

Os contratos futuros de petróleo fecharam em forte alta, com o barril do Brent superando os US$ 8a e o WTI a US$ 77,62, maior nível desde dezembro de 2014, amparados na decisão da Opep+ de manter o acordo já existente para retorno gradual da oferta do grupo. O dólar à vista subiu 1,44%, a R$ 5,4465.

"Além do cenário local conturbado, o mercado começa a precificar também as dificuldades do pós-pandemia das economias centrais que estavam se recuperando, mas que agora sofrem com os choques de oferta", destacou o operador de renda fixa da Nova Futura, André Alírio.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a citar nesta segunda o desenho da curva em suas apresentações. Pela manhã, em evento da ACSP, disse que as taxas longas, que são importantes para projetos estruturantes, voltaram a subir muito, em parte pelas preocupações fiscais. "O Brasil tem um prêmio na curva muito alta. É a curva mais inclinada de juros. Um pouco está ligada ao fiscal. Eu acho que tem um tema de incerteza de curto prazo que deve arrefecer em breve."

Quanto à citação dos nomes de Campos Neto e Guedes no projeto Pandora Papers, o mercado de juros relativizou, mas não deixa de admitir que é mais um ingrediente no "caldeirão político" do governo Bolsonaro. "Não é algo que faria preço agora, mas se soma a um quadro já bastante negativo. Vamos aguardar", afirmou Alírio.

A Economia informou que toda a atuação privada de Guedes anterior à posse foi devidamente declarada à Receita Federal e à Comissão de Ética Pública. Já a assessoria de Campos Neto disse que ele não participa da gestão ou faz qualquer investimento com recursos dessas empresas.

Bolsa

Em tarde na qual a queda de rede do Whatsapp, Facebook e Instagram colocou pressão extra sobre o setor de tecnologia em Nova York, o Ibovespa conseguiu segurar os 110 mil pontos, com o desempenho de Petrobras (ON +2,44%, PN +2,82%), favorecido pelo Brent acima de US$ 81 por barril, sendo decisivo para que a sessão não fosse ainda mais negativa na B3. Ao final, o índice mostrava perda de 2,22%, aos 110.393,09 pontos, entre mínima de 109.978,79 e máxima de 112.899,68 pontos, da abertura - quase 3 mil pontos entre o piso e o teto do dia -, mais do que devolvendo o ganho de 1,73% registrado no fechamento da sexta-feira, alternando altos e baixos sem interrupção nas últimas oito sessões. O giro desta segunda foi de R$ 33,2 bilhões. No ano, o Ibovespa cede 7,25%, com recuo de 0,53% nas duas primeiras sessões de outubro.

Em deliberação bem recebida no mercado da commodity, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+), em reunião ministerial nesta segunda-feira, decidiu manter o acordo já em vigor sobre o aumento gradual da oferta. Com isso, o grupo continuará a elevá-la em 400 mil barris por dia em novembro.

À exceção de Petrobras, na ponta positiva do Ibovespa nesta segunda-feira à frente de JBS (+1,10%), Marfrig (+0,19%) e Minerva (+0,09%), as demais empresas e setores recuaram na sessão, com destaque para o setor de siderurgia (CSN ON -5,00%, Usiminas PNA -5,22%) e o financeiro (Bradesco ON -3,68%, B3 -6,27%), de peso no índice. O dia foi bem negativo para o varejo, com Americanas ON e Lojas Americanas em baixa, ambas, de 8,30% no encerramento, e Via, de 7,12%. Na ponta negativa do Ibovespa, Banco Inter (Unit -13,42%, PN -12,95%) e Banco Pan (-10,63%). Vale ON cedeu 0,93% nesta segunda-feira.

A semana reserva dados importantes aqui e no exterior, observa Pietra Guerra, especialista em ações da Clear Corretora, destacando o payroll na sexta-feira. "Por aqui, seguimos acompanhando as discussões sobre precatórios e orçamento, e há também dados de inflação (IPCA e IGP-DI), indicadores que andam preocupando", acrescenta. Nesta segunda-feira, o Boletim Focus trouxe nova alta nas projeções do IPCA, a 26ª consecutiva, para o fim deste ano - em 2021, passou de 8,45% para 8,51%, acima do teto da meta, e para o ano que vem, de 4,12% para 4,14%, 11ª alta seguida para 2022.

Nesta segunda-feira, a aversão a risco veio da sessão asiática, passando pela europeia, estendendo-se também aos mercados do novo mundo. "As bolsas asiáticas, com feriados na China continental e na Coreia do Sul, fecharam majoritariamente em queda, com a Evergrande vivendo novas complicações após o anúncio de suspensão da negociação das ações de sua subsidiária, Evergrande Property Services. No Japão, o cenário político, após a confirmação de Fumio Kishida como primeiro-ministro, levou instabilidade ao mercado", observa em nota a Nova Futura Investimentos.

Na mínima desta segunda, o Ibovespa atingiu o menor nível desde 21 de setembro, então aos 108.859,22 pontos. Em Nova York, o Nasdaq acentuou perdas no começo da tarde com o relato de instabilidade mundial no Whatsapp, Instagram e Facebook pressionando as ações da rede fundada por Mark Zuckerberg, em queda acima de 5% durante a sessão. No fechamento, o índice de tecnologia mostrava perda de 2,14%, com o Dow Jones em baixa de 0,94% e o S&P 500, de 1,30%, um pouco mais moderadas do que o visto ao longo da tarde. No cenário macro, prevalecia também, desde cedo, a cautela com relação ao impasse sobre o teto da dívida nos Estados Unidos.

No meio do dia, o presidente Joe Biden disse que não poderia garantir que não haverá calote da dívida, ao fazer um apelo para que os republicanos "saiam do caminho" e deixem os democratas elevarem o teto da dívida. "Um calote da dívida levaria nossa economia ao precipício", acrescentou o presidente americano. "Nunca falhamos em pagar nossas dívidas, é o que nos define", disse também Biden. "O que os republicanos estão fazendo ao bloquear suspensão do teto é perigoso", concluiu.

Mais tarde, a Casa Branca confirmou que Biden não descarta elevar o teto da dívida por meio de instrumento legislativo conhecido como "reconciliação", ante o bloqueio imposto pelos republicanos.

A elevação global do petróleo é outro fator acompanhado de perto pelo governo americano, apontou a porta-voz Casa Branca, Jen Psaki. Segundo ela, o governo dos Estados Unidos usará "todos os meios à disposição" para evitar que os preços de combustível subam demais. Durante entrevista coletiva, a porta-voz disse também que o país já liberou parte de suas reservas estratégicas para lidar com o quadro, e que a alta ocorre em parte por causa da passagem do furacão Ida na Costa do Golfo, importante região produtora.

"A política fiscal continua no ar, altos custos de energia agora são dados, ninguém pode responder por quanto tempo os problemas de restrição na cadeia de suprimento vão durar, as preocupações com o crescimento global para o próximo trimestre continuam piorando, enquanto o que foi a rede de segurança sem fim, de estímulo do banco central, parece prestes a acabar em breve", resume em nota Edward Moya, analista da Oanda em Nova York.


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