Obrigação de devolver auxílio no Imposto de Renda 2021 vai aumentar inadimplência

Obrigação de devolver auxílio no Imposto de Renda 2021 vai aumentar inadimplência

De acordo com especialistas, situação econômica do país em meio à pandemia de covid-19 torna pagamento à vista ainda mais difícil

R7

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A novidade trazida pela Receita Federal na declaração do Imposto de Renda (IR) de 2021, que determina que alguns beneficiários devem devolver o auxílio emergencial sacado no ano passado, promete aumentar a inadimplência no país, dizem especialistas ouvidos pela reportagem. De acordo com a Receita, quem teve rendimentos tributáveis acima de R$ 22.847,76 terá que entregar, à vista, cada centavo de tudo o que recebeu do benefício em 2020.

Cerca de três milhões de brasileiros devem se enquadrar nessa regra, mas muitos não se prepararam adequadamente para esse momento, diz a Confirp Consultoria Contábil. De acordo com a empresa, a devolução estava prevista na lei que instituiu o auxílio emergencial, de abril de 2020, a todos os beneficiários que conseguissem outros rendimentos no ano.

A Confirp sugere que a pessoa que está sem dinheiro no momento adie a entrega da declaração até conseguir o valor - o prazo final é 30 de abril. Se não pagar, ficará com uma dívida tributária. Esperar uma negociação futura do débito é uma opção bastante arriscada, avalia a consultoria.

O professor Elton Casagrande, do Departamento de Economia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), acredita que a Receita poderia adiar o pagamento por causa da crise econômica nacional em meio à pandemia de Covid-19. "É uma contradição. Enquanto algumas pessoas esperam um novo auxílio do governo para sobreviver, mesmo que tenham conseguido algum rendimento, elas se veem obrigadas a contrair uma nova dívida", opina o economista.

Casagrande acha correto, no entanto, que por uma questão de responsabilidade fiscal a Receita busque a devolução de valores que foram pagos a mais à população, mas essa regra pode ser bastante perigosa no momento e prejudicar muita gente. "A economia não se recuperou da forma que se esperava e o mais correto seria postergar essa devolução para os próximos cinco anos, com dois ou três anos de carência", sugere.

Inconstitucional

André Felix Ricotta , especialista em direito tributário e professor do Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), afirma que há sérios problemas na regra de devolução estabelecida pela Receita. Para começar, é inadimissível não haver direito de contestação, diz ele. "Ninguém pode perder seu patrimônio sem o devido processo legal. Se a pessoa é obrigada a dar o valor sob pena de algum tipo de punição, há aí uma constrição patrimonial [confisco], que não é aceita na Constituição", afirma.

Assim que é feita a declaração, o programa de declaração emite uma Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf), que deve ser paga em uma única vez. Ricotta observa que uma coisa é se buscar fraudes ou pessoas que não precisariam do benefício, mas isso deve ser analisado caso a caso, não com uma regra geral que acaba prejudicando desempregados e profissionais de baixa renda que já estão em dificuldade financeira e vão ter que contrair um novo débito.

O advogado diz que a pessoa pode entrar com uma ação contra o Fisco tentando provar que ainda precisa do dinheiro ou esperar uma execução do débito para discuti-lo futuramente. Entre as argumentações judiciais possíveis, conta Riccotta, está o questionamento da faixa de isenção, de R$ 28.559,70 para todo o público restante e de R$ 22.847,76 para os que receberam o auxílio. 

"Houve alteração nessa faixa apenas para aumentar a devolução do benefício, a Receita está indo contra a lei ao fazer isso. E este ponto pode ser contestado." O advogado afirma ainda que alegar não conhecer a lei não é uma solução. "Ter ou não ocorrido a publicidade dessa regra não isenta ninguém da obrigação", finaliza.


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