MEC sugere teste de velocidade de leitura de crianças

MEC sugere teste de velocidade de leitura de crianças

Novo programa de alfabetização também prevê mudança de livros didáticos

AE

Avaliação pretende medir fluência de estudantes do 2º ano fundamental

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O Ministério da Educação (MEC) quer lançar uma avaliação ainda este ano para medir quantas palavras por minuto são lidas pelas crianças do 2.º ano do ensino fundamental (8 anos). O teste está sendo chamado de Avaliação Nacional de Fluência e faz parte de um novo programa de alfabetização.

O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso ao texto deste programa, que também menciona reformular a escolha de livros didáticos e premiar professores por desempenho ao ensinar a ler e escrever. Segundo o texto, a "fluência em leitura é um dos mais fortes indicadores de sucesso na alfabetização". A prova deve medir se a criança lê com "bom ritmo, precisão e velocidade".

Testes de fluência são usados por redes de ensino ou educadores que acreditam que a leitura é uma decodificação e são mais ligados ao método fônico de alfabetização, em que há ênfase nos sons das letras. Outros grupos criticam esse tipo de avaliação por considerarem uma pressão desnecessária à criança. Também acreditam que a velocidade não demonstra que ela compreende o que lê.

A ideia é fazer a prova por meio de uma gravação da leitura da criança, no fim de 2020. Essa gravação seria enviada a uma entidade, ligada ao MEC, que faria a medição e daria o resultado. Ela ocorreria em redes estaduais e municipais que aderirem ao programa, batizado de Tempo de Aprender.

Segundo fontes, o MEC pretende lançá-lo antes do carnaval. A cidade de Sobral (CE) já faz testes do tipo com os alunos desde o 1.º ano (leia mais nesta pág.). Já escolas particulares de elite de São Paulo não usam avaliações de fluência.

"É discutível dizer que leitores fluentes compreendem melhor o que leem, especialmente quando se fala em crianças", diz a especialista em alfabetização e professora da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello. "Às vezes um leitor que hesita, gagueja, demora, que retoma a leitura, faz isso em função de procedimentos internos que podem ser muito mais inteligentes e eficientes para a construção do significado do que a criança que decodifica super bem", diz Silvia.

Já o Instituto Alfa e Beto, que pesquisa o tema e produz materiais sobre alfabetização, defende esse tipo de teste. Em seu site afirma-se que a fluência é a "ponte entre o reconhecimento de palavras e a compreensão de um texto". Isso porque, segundo pesquisas citadas, o reconhecimento automático permite que o cérebro concentre atenção na compreensão.

Estados

O jornal O Estado de S. Paulo apurou que entidades que reúnem secretários de educação não foram consultadas para a elaboração do programa. Mesmo assim, os nomes da União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) fazem parte da versão à qual a equipe de reportágem teve acesso.

Segundo o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, os secretários defendem política que leve em conta a diversidade e não apenas focada em um método. O vice-presidente do Consed e secretário de Pernambuco, Fred Amâncio, disse que não conhecia o documento. "Temos a preocupação de que não desarticule programas de alfabetização que já existem e o andamento de parcerias entre Estados e municípios."

Hoje, bons resultados em alfabetização vêm de Estados que se articularam com os municípios. O documento do programa fala ainda em "formação prática" de professores, sem detalhar como seria feita, e não cita a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento de 2017 que é referência para currículos das escolas. A BNCC considera que crianças aprendem de diferentes maneiras e não indica só um método para alfabetizar.

O Tempo de Aprender também indica que premiará professores que melhor alfabetizarem, mas não cita recursos. E sugere mudar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que avalia os livros oferecidos às escolas. A ideia é escolher materiais alinhados com a vertente que o MEC pretende seguir, excluindo outras, como a construtivista. Em dezembro, o governo Bolsonaro aprovou decreto que permite que a Secretaria de Alfabetização produza o próprio material, independentemente do PNLD.

Procurado, o MEC afirmou que não comentaria o documento mencionado pelo jornal e que o programa de alfabetização será lançado em breve, conforme cronograma já previsto. Teste em Sobral No ano passado, o Estado acompanhou um teste de fluência em Sobral, cidade do interior do Ceará que se transformou em exemplo de educação.

Javé, de 7 anos, aluno 1.º ano, é chamado para fora da sala pela coordenadora Luziane Rodrigues. Sozinho com ela no pátio, o menino recebe o primeiro papel com várias palavras. Meio apreensivo, questiona Luziane se vai acertar tudo dessa vez. A coordenadora dá força e o chama de "superleitor".

O teste é semanal nas escolas da cidade. "São, santo, sapeca, onça, seu, sino, açaí, unha, nossa, saúde, sã, múmia, sonso, meus", lê o menino. Nessa prova, a intenção é checar a fluência do som do S. Mas também há palavras como "unha" e "múmia", cujos sons não estão totalmente memorizados e também são incluídos.

Luziane intercala palavras carinhosas de incentivo com momentos de seriedade. Tudo é gravado e cronometrado. Em seguida, ela apresenta outra folha para Javé com palavras que a coordenadora chama de "malucas". "Samia, mesana, mozica, menessa, lisana, zimeni, solama, sussoi", lê o menino, com um pouco mais de dificuldade. Apesar de não terem significado algum, explica Luziane, elas ajudam verificar como está leitura de um som específico.

O menino também lê um texto e Luziane faz perguntas já estabelecidas em cartões sobre o texto lido. O teste dura poucos minutos e Javé volta para a sala. As respostas são colocadas em uma planilha e passadas depois à professora. Essa é uma das maneiras de medir o progresso na leitura.

A expectativa é que no 1.º ano uma criança de Sobral leia ao menos 60 palavras por minuto. No 2.º ano, de 80 a 90. O ensino é todo calcado em avaliações e as crianças estão acostumadas a serem testadas desde pequenas, por isso a pressão não pareceu incomodar Javé. Professores e coordenadores são treinados para ensinar e avaliar alunos. Além disso, há material didático estruturado, interação com as famílias e principalmente um trabalho que é continuado há décadas.




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