Apenas um terço das cidades sob risco tem alerta para enchentes

Apenas um terço das cidades sob risco tem alerta para enchentes

Entre 966 municípios críticos, 34,9% (337) disseram possuir sistemas que monitoram perigos hidrológicos, entre eles Petrópolis


AE e R7

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Só um terço das cidades brasileiras classificadas como críticas para enchentes tem sistema de alerta de riscos para esse tipo de evento, como alarme e sirenes. Nesses municípios, as ocorrências de alagamentos e inundações são mais frequentes, assim como os registros de desabrigados e desalojados. Ainda assim, os alertas para a população em risco são precários.

Os dados, informados em 2020, são de levantamento feito pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). Entre 966 municípios críticos, 34,9% (337) disseram ter sistemas de alerta de riscos hidrológicos, entre eles Petrópolis, na Região Serrana do Rio, onde um temporal histórico deixou mais de cem mortos.

Autoridades disseram que as sirenes ajudaram a reduzir o número de vítimas. Por outro lado, a cidade tem sirenes para evacuação só em dois dos cinco distritos de Petrópolis.

De 22,2 mil alagamentos e inundações em 2020, 14,2 mil foram em 463 municípios críticos. Cerca de 80% dos desabrigados ou desalojados após chuvas e enchentes estavam nessas cidades de mais risco. Das 4.107 cidades na base de dados, 620 têm sistema de alerta (o que inclui municípios considerados de menor risco).

Conforme o MDR, ter ou não sistemas de alerta não permite dizer se os serviços de drenagem são satisfatórios ou não. “Por outro lado, é importante que todos os municípios que tenham as suas áreas classificadas como de risco façam o mapeamento das mesmas, com vistas à implementação de medidas de prevenção e mitigação dos riscos advindo dos eventos hidrológicos.”

A pasta afirma que o governo federal atua, por meio do Programa de Prevenção e Resposta a Desastres Naturais, para reforçar órgãos estaduais e municipais de Defesa Civil, obras preventivas de desastres, reabilitar áreas atingidas por desastres naturais, como seca, deslizamento e granizo, e por outras causas, como queda de edificações e incêndios.

Quando disparados, os sistemas de alerta ativam mecanismos de aviso à população, que deve ser previamente treinada para reagir ao desastre. Para isso, podem ser usadas tecnologias de informação via SMS, equipamentos de som, sirenes e radiocomunicação.

Idealmente, uma vez avisados, moradores da região em risco podem deixar suas casas, seguir uma rota segura para escapar, e se dirigir a abrigos indicados pelo governo. Uma diferença de minutos na fuga faz diferença para evitar que sejam soterrados.

Em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, a tempestade deixou cerca de 4 mil desabrigados em janeiro, após o maior volume de chuvas para a época em 30 anos. Lá não há sistema de alerta de risco e alarme. A prefeitura diz que trabalha para criar uma rede de monitoramento climático, mas os prazos não estão definidos. “Ainda não é possível prever a ordem do investimento ou o prazo de implementação, uma vez que o planejamento está na fase de estudo e diagnóstico”.

A prefeitura afirma ainda ter monitoramento em campo e contar com apoio da Defesa Civil estadual e de cidades vizinhas. Quando possível, usa publicações em redes sociais, carros de som e mensagens de WhatsApp.

Em Francisco Morato, na Grande São Paulo, quatro pessoas já morreram nesta estação chuvosa. Perto da Serra da Cantareira, o local reúne famílias que ergueram casas em áreas de encosta, que deslizam se há precipitação elevada. A cidade ainda não tem o sistema. “O município tem a intenção de instalar sistema de alerta automático. Está sendo feito estudo para viabilizar o equipamento”, informou.

Por enquanto, a prefeitura afirma disparar mensagens de texto com alertas meteorológicos da Defesa Civil para telefones cadastrados e boletim meteorológico via WhatsApp para comerciantes e a comunidade. O monitoramento das chuvas é realizado pelos órgãos federais e estaduais.

Além dos sistemas de alerta, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil define o mapeamento de áreas urbanas com risco de inundação como um dos instrumentos de prevenção. Mas só 32% dos 4.107 municípios que declaram seus dados ao ministério têm essas informações – a maioria no Sudeste e Sul. A cobertura não chega nem mesmo a todas as 27 capitais; quatro delas não o fazem.

"Cultura de reação, não de prevenção"

A manutenção de uma cultura apenas reativa se torna ainda pior ante o avanço das mudanças climáticas e o fato de que 2 milhões de domicílios no Brasil estão em áreas urbanas sujeitas a inundações, segundo dados reportados ao governo federal. “As chuvas têm sido mais frequentes e concentradas”, diz o professor de pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP Pedro Côrtes. “Às vezes, pode estar até dentro da média esperada para o mês, mas sua distribuição está mais localizada".

É a mesma constatação de Paulo Artaxo, autor-líder de um dos capítulos do relatório do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, e professor da USP. “Faz 30 anos que os relatórios do IPCC dizem que isso iria acontecer”, afirma. “Pesquisa da USP já mostrou que a quantidade de chuvas na cidade de São Paulo triplicou nos últimos 20 anos em relação ao início do século passado.”

Há diretrizes e produção de informações, mas ainda há um abismo entre isso e as ações. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) monitora desde 2011 (logo após outra tragédia na Região Serrana, com mais de 900 mortos), os municípios mais vulneráveis. “O que choca é que essas informações são facilmente compreensíveis”, diz Côrtes. “Não é preciso ter conhecimento avançado para fazer uso. O que temos é uma cultura de reação, não de prevenção".


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