Boeing lança 25 bilhões de dólares em bônus e descarta ajuda oficial

Boeing lança 25 bilhões de dólares em bônus e descarta ajuda oficial

Embraer busca reparação contra fabricante norte-americana no maior órgão de arbitragem dos EUA

AFP e AE

Movimento ocorre apenas um dia após a Boeing ter reportado uma segunda perda trimestral consecutiva e ter seu rating de crédito rebaixado para a classificação “BBB-“

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A fabricante de aviões americana Boeing, fortemente abalada pela pandemia do novo coronavírus, anunciou nessa quinta-feira que não planeja solicitar, no momento, ajuda do governo, após registrar um forte interesse do mercado em uma oferta de 25 bilhões de dólares em bônus. A empresa, atingida pelo fechamento de várias companhias aéreas em todo o mundo por causa da Covid-19, classificou a demanda pelos bônus de "robusta".

"Não planejamos buscar financiamento adicional através dos mercados de capital ou de opções do governo dos Estados Unidos neste momento", assinala o comunicado divulgado na noite desta quinta-feira. Esse movimento ocorre apenas um dia após a marca ter reportado uma segunda perda trimestral consecutiva e ter seu rating de crédito rebaixado para a classificação "BBB-".

Embraer busca reparação no maior órgão de arbitragem dos EUA

A arbitragem envolvendo a Embraer e a Boeing após a norte-americana anunciar a rescisão do contrato de parceria com a brasileira será na tradicional International Centre for Dispute Resolution (ICDR), a maior instituição arbitral dos Estados Unidos, conforme o Acordo Global da Operação entre as companhias. Apesar da leitura de que a briga será dura para a brasileira, especialistas apontam que os contratos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) são firmes para que o negócio seja fechado. Mesmo que a fabricante nacional se sinta lesada, ela deverá buscar compensação em torno do valor desembolsado por conta da transação, ou seja, cerca de R$ 500 milhões, mais juros.

No acordo firmado entre as duas empresas, elas concordaram que qualquer disputa deveria ser resolvida por arbitragem administrada pelo ICDR, em concordância com as leis desta instituição arbitral. O documento aponta que para o fechamento do negócio as empresas teriam que cumprir suas “respectivas obrigações”, sujeitas “à satisfação da outra parte”.

Dentre as condições do contrato, os chamados “covenants”, há termos gerais como manutenção de todos os esforços para manter o negócio de aviação comercial, que foi a área negociada com a Boeing, intacto. Outra cláusula era “manter força” para obter as autorizações governamentais necessárias. Dentre a série de diversos itens, há menção de restrição sobre mudanças de políticas de privacidade, abertura a terceiros de informações confidenciais e fechamento de uma planta – qualquer item, se não cumprido, poderia, em tese, levar ao cancelamento da operação.

Na parte disponível do documento (há partes omitidas) não há as tradicionais cláusulas de MAC/MAE (do inglês Material Adverse Clause/Material Adverse Effect), que podem ser gatilhos para o cancelamento de um contrato de M&A. Dentre os escritórios brasileiros, a Embraer é assessorada por Paulo Aragão, do BMA, e a Boeing, por Fernando Meira, do Pinheiro Neto.

A advogada especialista em Recuperação de Empresas, Falência, Contencioso Cível e Arbitragem do escritório Dias Carneiro, Laura Bumachar, destaca que esses tipos de contratos de M&A possuem inúmeras cláusulas a serem cumpridas e que, no geral, como existe a intenção de se fechar o negócio, é comum “ceder” em alguns itens. Bumachar frisa, ainda, que dado o porte das empresas não é possível dizer que há um lado “hipossuficiente”.

Histórico

Na segunda-feira, a Embraer anunciou ao mercado que havia iniciado um processo arbitral contra a Boeing por causa da rescisão do contrato para a criação de uma joint venture no segmento de aviação comercial. Os executivos da empresa fizeram duras críticas à norte-americana na ocasião.

“No caso, as partes selecionaram a ICDR como câmara arbitral responsável pela administração do caso, e o tribunal arbitral aplicará o regulamento dessa câmara nas etapas processuais da arbitragem”, destacou o especialista em arbitragem internacional da Clyde & Co LLP, Felipe Sperandio.

Sperandio explicou ainda que, ao escolher a sede da arbitragem como Nova York, isso traz a implicação de que a lei processual, nesse caso, será o Federal Arbitration Act (FAA), além de conceder jurisdição ao poder judiciário de Nova York para supervisionar a auxiliar a arbitragem.

“Nesse caso, a gente consegue ver o poder de barganha que a Boeing tinha durante a negociação contratual com a Embraer. Os elementos do mecanismo de resolução de disputas privado são negociados e barganhados entre as partes de um contrato. A Boeing escolheu jogar em casa. Com a lei material deles, a sede em Nova York e uma instituição arbitral americana. Isso poderia ser lei material brasileira, sede no Brasil ou instituição arbitral internacional ou brasileira”, explicou. Entre as outras câmaras possíveis estaria a ICC (International Chamber of Commerce).

Procurada, a Embraer afirmou que “está confiante que independente do local que o processo de arbitragem acontecerá, ele será realizado com isenção”. Já a Boeing disse que “confia ter o direito legal de rescindir o acordo”.

No bolso

A Embraer já tinha começado a se movimentar para concluir o negócio e gastou cerca de R$ 485 milhões de reais para segregar sua divisão comercial. A empresa também transferiu sua sede da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São José dos Campos, para o bairro Eugênio de Melo, na mesma cidade. Conforme os executivos da Embraer, em teleconferência para apresentar os números do quarto trimestre, o atraso no fechamento do acordo representa custo adicional mensal entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões.

Ao cancelar a operação, a Boeing afirmou que a Embraer não atendeu às “condições necessárias” para que o acordo fosse concluído, mas se recusou a dar mais detalhes. O acordo apenas precisava passar pelo crivo da Comissão Europeia. O regulador havia apontado o dia 7 de agosto como data final para se posicionar. No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já havia dado o sinal verde.

A Embraer, por sua vez, fez duras críticas à norte-americana e deu sinais que a disputa será iminente ao afirmar que a Boeing adotou um padrão sistemático de atrasar e violar o acordo em razão da sua intenção de não concluir a operação por causa dos seus “problemas reputacionais” envolvendo a crise do 737 MAX e dificuldades financeiras.


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