Controvérsia marca comemorações dos 180 anos da Guerra dos Farrapos

Controvérsia marca comemorações dos 180 anos da Guerra dos Farrapos

Especialistas analisam fatos históricos e significado da festa farroupilha

Heron Vidal

Guerra dos Farrapos, uma revolução para lembrar

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Quanto mais se investiga o seu passado, mais controvertida a história da Guerra dos Farrapos (1835-1845) se torna. Mas na celebração dos 180 anos do início da batalha contra o poder imperial, sem vitórias ao Rio Grande do Sul, o significado importa mais.

As motivações da guerra foram as de qualquer conflito: econômica, ideológica, militar e religiosa, considera o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Manoelito Savaris. Entretanto, “comemorar o episódio é valorizar a luta da República Rio-Grandense por conquistas inspiradas na Revolução Francesa, alcançadas pelo Brasil. O país, afinal, é uma república, com eleições diretas e garantia à propriedade privada”.

Na visão da cientista social Aline Moraes Di Franco, a festa farroupilha se descolou da discussão histórica. “Sobrou, a quem está pilchado, valorizar o espírito de união do gaúcho no enfrentamento da adversidade, e não a história”, lamenta. “As guerras unem, criam matrizes de comportamentos e mitos; porém, às vezes sacrificam sua própria história”, acrescenta. Se a celebração questionasse fatos da República Rio-Grandense — sua economia foi construída por escravos — , o 20 de Setembro seria diferente, acredita Aline. “O papel dos negros e dos índios, à exceção de Sepé Tiaraju, continua escondido”, diz a cientista.

Durante a revolução, o povo estava a favor do Império, lembrou o historiador Voltaire Schilling. “Os ideais da República Rio-Grandense eram das elites, fazendeiros e empresários das charqueadas”, frisou. As comemorações — entende ele — resultam da prática sistemática de se ignorar o ruim da história e lembrar só o bom. Essa “tradição” mascara a verdade, entende o professor.

“Se a Revolução fosse vitoriosa, teria o apoio popular e seríamos uma República, como é o Uruguai. Deveríamos saudar o dia 23 de fevereiro de 1845, quando o general David Canabarro, chefe do exército republicano e representante da presidência da República, depôs armas e aceitou as condições do acordo de paz, o Tratado de Ponche Verde”, conclui Schilling.

Semelhança com atualidade

Sob a liderança do general Bento Gonçalves, tropas invadiram a “imperial” Porto Alegre em 20 de setembro de 1835. Era o início da Guerra dos Farrapos, contra a tributação do Império do Brasil sobre a produção (charque e couro) da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e também contra a falta de autonomia. Um ano depois (11 de setembro de 1836), foi proclamada a República Rio-Grandense e Bento Gonçalves indicado presidente. Há semelhanças entre aquela crise e a atual?

Sim, diz o economista Antônio Carlos Fraquelli. Há centralização da receita e caros pagamentos ao poder central. Em dezembro de 2014, o RS devia R$ 54 bilhões à União. “A saída dessa crise passa pela renegociação da dívida dos estados dentro de um pacto nacional de governabilidade”, diz.

Ao abrir a Semana Farroupilha, no Palácio Piratini, o governador José Ivo Sartori, acendeu o candeeiro crioulo e disse: “A revolução foi o enfrentamento ao poder centralizador e a luta contra as injustiças tributárias. Esses dois aspectos, daquele passado histórico, sob certa forma, ainda estão presentes nos tempos que vivemos. A nós, cabe lutar, junto com outros estados, contra um modelo de pacto federativo ultrapassado e injusto.”

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