Defensores argumentam nos debates do Júri da Kiss que réus não agiram com intenção

Defensores argumentam nos debates do Júri da Kiss que réus não agiram com intenção

Advogados tentaram rebater acusações por superlotação e questões de segurança da boate

Sidney de Jesus

Advogados tiveram cerca de 37 minutos para apresentarem teses

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A etapa de debates da defesa dos quatro acusados pelas mortes de 242 pessoas no incêndio da boate Kiss, teve início por volta das 20h23min, desta quinta-feira, no nono dia de julgamento da tragédia. Com a mediação do juiz Orlando Faccini Neto, os quatro advogados tiveram 37 minutos e 30 segundos, cada um, para defender e sustentar a tese de que seus clientes não agiram com intenção, que o incêndio foi um acidente e que os próprios réus poderiam ter sido vítimas fatais.

O primeiro a se pronunciar foi o advogado Jader Marques, defensor do réu Elissandro Sphor. Em sua primeira explanação, ele lembrou que o júri funciona com a apresentação de teses e por votação de quesitos. O advogado afirmou que iria apresentar quatro teses para rebater a da acusação de que seu cliente tenha sido uma pessoas gananciosa na gestão da Kiss. Olhando para os jurados, Jader Marques questionou: "Ele estava pelo PPCI, pelo alvará, pelo contato com o promotor, ele estava com o erro de proibição", disse, citando que Kiko estava legalizado perante o Poder Público.

Jader Marques seguiu perguntando: "Alguém duvida da honradez dessas pessoas?", questionou, mostrando a imagem do ex-prefeito de Santa Maria, Cesar Schirmer, do comandante do Corpo de Bombeiros e do promotor. "Se essas instituições representadas por essas pessoas davam autorização, meu cliente não é culpado", enfatizou o defensor.

O representante de Elissandro Spohr, afirmou, ainda, que não há dolo eventual no caso. "Quando eu falo em ausência de dolo eventual, estou dizendo que ele não assumiu o risco de produzir o resultado e não aceitava esse resultado", afirmou o advogado, que disse que "Kiko, no máximo, concorreu ao crime de incêndio  ao colocar espumas, havendo show pirotécnico", destacou, exibindo a tese de sua defesa no telão do plenário do júri. Jader Marques observou também que o crime não é de homicídio. "O crime é de incêndio com o resultado de morte. Dolo eventual é quando alguém não se importa com o resultado. Não quero absolvição. Meu pedido é de desclassificação do dolo eventual", ressaltou Jader, lembrando que Kiko não assumiu o risco de matar. "Queimou tudo e os amigos dele estavam lá dentro. E ele não conseguia tirar. Será que isso é alguém que olha e diz: dane-se? Tudo bem, eu não me importo? O meu pedido é que não determinem a condenação dessas pessoas por dolo eventual", ressaltou Marques.

Defensora pede para júri evitar "vingança"

A segunda a falar na fase de debates do julgamento da tragédia da Kiss foi a advogada Tatiana Borsa, defensora do réu Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira. "Dói demais as pessoas virem aqui e não assumirem suas responsabilidades. Todos nós somos culpados deste crime. Porque nós não exigimos o que temos que exigir.  Alguém tem que assumir esta responsabilidade", disse emocionada, lembrando que "Marcelo nunca pensou em tirar a vida de jovens que davam o sustento dele e da família".

A defensora mostrou ainda, no plenário, a foto de Danilo, o gaiteiro da banda Gurizada Fandangueira, que morreu na tragédia da boate Kiss. "Eles estão sendo acusados de matar o Danilo. Eles estão sendo acusados de assumir o risco de matar", destacou Tatiana, que ressaltou que Marcelo de Jesus dos Santos nunca aceitou qualquer morte na casa noturna. "Não podemos querer a justiça com a desgraça dos outros. Não queremos vingança", afirmou a representante jurídica. Ela disse também que os órgãos públicos devem cuidar, dar segurança. "A gente elege eles para isso. Não para vir aqui no júri e se eximirem", acrescentou.

"Não existe dolo, não houve intenção. Foi uma fatalidade, um acidente. Marcelo não teve a oportunidade de avisar do incêndio porque os microfones  foram cortados. Eles podem ter errado, mas nunca assumiram risco de que queriam matar", ressaltou Tatiana.

Ao encerrar a sua explanação, a advogada reproduziu uma carta psicografada por uma vítima do incêndio, que descreve a tragédia e diz que ninguém é culpado. "Absolvam o Marcelo. É só isso que eu peço", frisou.

Defesa contesta superlotação

O debate teve prosseguimento com os advogados Mário Cipriani e Bruno Seligman Meneses, defensores do réu Mauro Hoffmann, que era sócio da boate Kiss. "Essa acusação não se sustenta juridicamente. Hoje é o acusado é o Mauro sem prova nenhuma. Os quatro réus têm alguma responsabilidade, mas o que aconteceu naquela noite foi um acidente, uma sucessão de pequenas falhas que resultaram em algo dramático e não imaginado", afirmou Cipriani, no início de sua manifestação. O advogado lembrou que Mauro confiava nos órgãos públicos e que não se discute que era sócio da casa noturna. "Ele era efetivamente, mas qual foi a conduta criminosa dele?", questionou o advogado, que destacou que precisa saber o que ele fez. "O Ministério Público não me deu isso", disse Cipriano, que contestou, ainda, a versão de que a boate estava superlotada e que foram 636 sobreviventes. "Se criou unma sucessão de inverdades. Esse número é superficial para fazer a linha de nexo causal com a superlotação", afirmou Mário Cipriani. 

Já o advogado Bruno Seligman Meneses, em sua explanação, afirmou que o Ministério Público também deveria ser responsabilizado. Ele destacou que Mauro Hoffmann não estava na boate no dia do incêndio e não participava da festa. "Não tinha condição de saber o que acontecia naquela noite", disse Seligman, lembrando que o "MP demonstra um nervosismo, uma perturbação que é sintomática". O advogado destacou ainda que o conceito de dolo eventual "é conhecer o risco e estar indiferente a ele." O advogado disse também, que a acusação aos réus não é pelo dolo, mas pela pena que o Ministério Público que ver aplicada. "Os jurados não devem se balizar por apontamento de que desclassificação para homicídio culposo redundará em pena pequena para reús", ressaltou.

Os advogados Gustavo Nagestein e Jean Severo, defensores do réu Luciano Bonilha, foram os últimos a falarem. No início da sua defesa, Nagelstein  disse que Santa Maria via o seu cliente como um homem inocente e injustiçado. "Se os senhores condenarem esse homem, vossas excelências vão dizer que não há problema nenhum no nosso sistema, mas ao absolvê-lo, vão estar dizendo que nós concordamos com esse sistema", afirmou o advogado, que disse ainda que "o nosso sistema é falho".  

Nagelstein afirmou que Luciano Bonilha é um boi de piranha e os órgãos públicos, representados pelo prefeito, pelo promotor de justiça e pelo comandante dos bombeiros são lobos. "O que estamos vendo aqui é a maior injustiça que já vi na minha carreira", enfatizou. "Ninguém está ganhando um pila aqui. É por amor a essa causa, para ajudar um inocente. De alguém que está vindo pedir uma oportunidade. Vocês acham que esse guri (o Luciano) é louco. Tu achas que o Kiko e o Mauro são loucos. Que iam botar fogo lá dentro"?, questionou o advogado Jean Severo em sua sustentação, lembrando que o que levou Luciano para o banco dos réus foi o depoimento da Kaboom. "Foi uma mentira desse crápula. Isso é no máximo um homicídio culposo, sem intenção. O Luciano tem ue ser absolvido", afirmou. Severo.

Jean Severo rasga livro do promotor David Medina durante o julgamento / Foto: Ricardo Giusti 

As 23h42min, o juiz Orlando Faccini Neto encerrou o júri que será retomado na sexta-feira, às 10h, com réplica do Ministério Público, que deve se estender até o meio dia. Em seguida, a sessão irá para o intervalo até às 13h15min, quando as defesas terão a palavra, Às 15h30min, ocorrerá reunião entre o juiz e os jurados na sala secreta.


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