Desestatização da Carris divide opiniões em audiência pública da Câmara de Porto Alegre

Desestatização da Carris divide opiniões em audiência pública da Câmara de Porto Alegre

Representantes da prefeitura destacaram os custos para a manutenção da empresa e os servidores questionaram que o valor investido na Carris será repassada para a iniciativa privada

Sidney de Jesus

Marchezan dá prazo de um ano para equilibrar contas da Carris, diz delegada sindical

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A desestatização da Sociedade de Economia Mista Companhia Carris Porto-Alegrense foi tema de debate na noite de quinta-feira em audiência pública promovida e transmitida de forma virtual pela Câmara dos Vereadores de Porto Alegre (CMPA). Durante a audiência, conduzida pelo presidente do legislativo municipal, vereador Márcio Bins Ely (PDT), parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil discutiram sobre a proposta, que tem como objetivos eliminar aportes de capital do município à Carris, devido à mudança de cenário do transporte público e precarização da capacidade de financiamento do transporte urbano.

A secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, fez uma apresentação da situação da Carris baseada, segundo ela, em dados do balanço financeiro e administrativo. Ela disse que “nos últimos 10 anos foram repassados à empresa R$ 500 milhões, que poderiam custear outras áreas em benefício da sociedade”. Nos gráficos apresentados na explanação, a secretária afirma que o custo da empresa pública é 21 % maior que o consórcio das empresas privadas e exemplificou que os gastos com combustível, é elevado em 27% a mais, “porque é uma questão de estrutura, devido a diversas situações que fazem com que os veículos gastem mais combustível por quilômetro rodado”.

De acordo com os dados revelados por Ana Pellini, a ausência do trabalhador no seu posto de trabalho é superior ao das empresas privadas. Atualmente 487 funcionários estão afastados, representando 25% do total dos ativos. Segundo auditoria, em média 250 estão com licença médica há mais de 2 anos e meio. A secretária disse que foi feito estudo comparando a necessidade do número de funcionários com a Carris privada e a atual: na oficina, se fosse privada, precisaria de 39 pessoas, enquanto hoje há 162 funcionários.

“Tem mais gente com inúmeras especializações, devido as marcas e peças diferentes, por exemplo”, destacou Pellini. Também apontou que os investimentos públicos têm que responder ao Tribunal de Contas e Ministério Público, encarecendo o erário porque necessita de mais funcionários para atender as demandas.

A secretária municipal de Parcerias disse ainda que para oferecer o serviço prestado, precisaria de 305 ônibus, que é o padrão de uma empresa privada, mas a Carris opera com 347 veículos. “São 42 ônibus, com funcionários, peças e manutenção a mais, para fazer o mesmo serviço”, explicou.

Salientou que atualmente a companhia tem 60 ônibus em manutenção e que há dificuldade de conserto, o que encarece a operacionalidade, além do passivo judicial estimado em R$ 30 milhões e mais as ações trabalhistas, que causam impacto negativo nas contas da empresa.

Privatização

Entre as hipóteses apontadas pela secretária Ana Pellini, no caso de formalizar a privatização, disse que o conjunto de linhas, ônibus, imóveis e funcionários poderiam ser absorvidos pelo comprador da empresa. Uma alternativa seria a liquidação da empresa por partes, em que as linhas voltariam para o município e seria realizada nova licitação para os possíveis interessados.

Pellini destacou também que poderia haver leilão de imóveis e plano de demissão dos funcionários, com as devidas verbas indenizatórias, ou a venda das participações de ações, que se chegasse a mais de 50% a empresa passaria a ser caracterizada como privada e não mais como empresa pública.

Conforme o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, foram feitas diversas reuniões para avaliar a situação da empresa. “Temos que ter transparência e responsabilidade e estamos discutindo com a sociedade. A Carris é importante, mas a realidade é que os últimos 10 anos se tornaram deficitários”.

Záchia afirmou que, ao contrário do que foi argumentado durante a audiência, o projeto não tramita em regime de urgência. “Porto Alegre é a única capital do Brasil que ainda tem empresa pública de transporte, mas que, com o tempo, se tornou inviável”, concluiu.

O presidente da Carris, Maurício Cunha, lembrou que a companhia “não foi pública o tempo todo”. O dirigente disse que a Carris precisa de aporte de R$ 6 milhões ao mês para continuar operando e fazer frente as despesas e que não pode acessar e se beneficiar das medidas governamentais durante a pandemia, por ser uma empresa pública.

“Sequer pode fazer frente à folha salarial, mais óleo diesel, manutenção de mais de 300 veículos, vantagens e 13º salário”, exemplificou. Cunha disse também que desde 2019 vem diminuindo o número de passageiros e que o sistema jamais se recuperará em 100%. "É preciso acompanhar as mudanças”, finalizou.

Trabalhadores e entidades

Representante dos trabalhadores da Carris, Marcelo Weber, destacou que foram dados somente R$ 500 milhões para a Carris no ano passado e questionou o repassado um bilhão para a Empresa Pública de Transporte e Circulação.

“A Carris precisa de manutenção nos ônibus e também do salário dos funcionários em dia. Temos ar-condicionado, qualidade no transporte”, explicou Weber. Salientou também que se privatizarem a Carris, muito mais será dado para as empresas privadas. “Com isso a Carris é prejudicada pela câmara tarifária, é uma caixa-preta e isso não é dito”.

E por fim desabafou que em meio a pandemia “foi a Carris que atendeu 23 linhas na capital, coisa que as empresas privadas não fizeram. A Carris é importante para o sistema. O sistema privado deve para a prefeitura R$ 70 milhões e a Carris, no entanto, não deve nada a ninguém”.

Ex-servidora da Carris, Tamires Figueira falou que discorda de tudo o que foi dito pelo Executivo, de que o município perde muito porque é a única do país a ser uma empresa pública. “Acredito que ela não é uma despesa, pois tem um serviço de qualidade. A sociedade acredita que quando defendemos a empresa pública, estamos defendendo a nossa educação”.

Segundo ela, o transporte permite acesso dos pais para levarem seus filhos às escolas e a Carris é uma empresa estratégica. “Existem diversas alternativas de se cortar as despesas sem privatizar. O Executivo não quer dialogar”.

Já o delegado sindical Afonso Martins, se deteve a alguns pontos como, “o que seria da população nesse tempo de pandemia se não fosse a Carris? Temos uma gestão temerária com um pacote de maldades. Não podemos retirar os direitos dos trabalhadores, é um serviço público de qualidade. Existe um descompasso nesse debate”, afirmou.

O presidente do Sindilojas de Porto Alegre, Paulo Kruse, ressaltou que existe hoje na Capital um transporte falido e a iniciativa privada quebraria se assumisse a Carris, pois precisa de lucro. “Temos que pensar em valorização nas empresas públicas. O que vemos acontecer com a Carris é que sem uma gestão que não valoriza o serviço público, com certeza a empresa acaba quebrando”. Kruse acredita na coletividade “e isso o prefeito Melo precisa saber. Ele foi eleito pela coletividade”.

O coordenador do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis da Ciergs, Thômaz Nunnenkamp, argumentou que “historicamente as empresas públicas são mal geridas”. Disse ainda que os “números da Carris são trágicos, com custos maiores que as demais empresas e que funcionários afastados geram custos, com funcionários a mais”. E questionou se uma empresa que tem 25% de funcionários afastados é um lugar bom para trabalhar.

“Certas questões já foram debatidas em outros municípios e Porto Alegre é a única capital que ainda tem empresa pública de transporte, será que somos visionários e diferentes dos outros lugares que já venderam suas empresas?”.

Thômaz entende que o problema da empresa é estrutural. “A situação se tornou insustentável a longo prazo”, ratificou. Afirmou que, para sobreviver aos novos tempos, a privatização da Carris deve ser feita com a retirada gradual dos cobradores que, segundo ele, “não existe em outros países há mais de 30 anos”.

Vereadores

O vereador Pedro Ruas (PSOL) disse que a melhor forma de se resolver a questão da Carris é através do debate e disse também que quando se fala de trabalhadores afastados da Carris, esses são de responsabilidade da Previdência Social e não dão gastos à prefeitura. “Uma empresa pública não serve para dar lucro, por isso esse pensamento é falso. Ela serve para prestar um bom serviço”, esclareceu.

Ruas ressaltou que há denúncias de que há problemas graves de despesas que não deveriam ocorrer e isso deve ser solucionado. “O que vemos aqui são argumentos para se entregar um patrimônio de quase 150 anos para a iniciativa privada”, ressaltou.

Airto Ferronato (PSB) enfatizou que nenhum gestor até hoje teve experiência sobre o transporte público e disse que acompanha a remuneração da alta administração das empresas privadas e comparou o que se paga no serviço público.

“Concordo que há problema de gestão histórica e entendo que só teremos uma Carris sólida quando houver uma modificação de gestão qualificada”. E pediu ao prefeito Sebastião Melo que o Executivo faça um debate maior sobre o sistema de transporte público da capital.

A vereadora Laura Sito (PT) entende que argumentos frágeis e liberais são usados no debate para justificar que a Carris é deficitária e diz que isso é um erro. “Uma empresa não dar lucro, não é motivo para ser privatizada. Ela garante um equilíbrio da mobilidade urbana na cidade. A empresa é referência, inclusive no território nacional”, afirmou.

Giovani e Coletivo (PCdoB) falou que o prefeito Melo venceu as eleições porque disse que não aceitava o debate ideológico. “Sabemos que o transporte público é algo constitucional e esse projeto, apresentado pelo Executivo, é sim ideológico”. E indagou: “será que a população não merece ter uma empresa pública que regule o sistema de transporte? O patrimônio é algo fundamental, principalmente nos tempos difíceis que vivemos atualmente”, concluiu Giovani.

Já o vereador Idenir Cecchim (MDB) falou que o governo municipal está cumprindo o que prometeu na campanha eleitoral e disse que iria fazer. Cecchim entende que "a situação da Carris é financeiramente pior que se imaginava e o governo tem a obrigação de tomar providências, e uma delas foi encaminhar o projeto para ser discutido pelos vereadores".

Jessé Sangalli (Cidadania) afirmou que o tema é desafiador e que sabe da dificuldade dos trabalhadores, pois têm amigos que trabalham na Carris e que manifestam suas preocupações. “A intenção da prefeitura é permitir uma realocação para que sejam absorvidos pelo mercado de trabalho todos os trabalhadores e a privatização não é algo imediato, permite inclusive que quem está para se aposentar possa fazê-lo de forma adequada”.

Sangalli relatou que em seu mandato tem procurado apresentar ao Executivo, alternativas para que os funcionários possam continuar trabalhando sem serem onerados.

De acordo com o vereador Hamilton Sossmeier (PTB) é necessário um novo estudo para reerguer a Carris ou desestatizá-la. “Temos que reavaliar se a empresa não dá mais lucro, pelo contrário onera os cofres públicos, então concordo com o Executivo e apoio ao projeto debatido”.

Juan Savedra (Novo) disse que as pessoas querem serviço de qualidade e que passageiro é cliente, e não um número. O vereador entende que o sistema de mobilidade urbana está colapsado e vai continuar assim, se nada for feito.

“A Carris encareceu e o repasse de recursos tira investimentos de outras áreas que poderia melhorar a vida das pessoas. O município não tem o dever de manter administrativamente o transporte coletivo e a população não merece continuar pagando os custos da Carris”, finalizou.


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