Especialistas criticam fim da emergência sanitária por Covid-19

Especialistas criticam fim da emergência sanitária por Covid-19

Sociedade Brasileira de Infectologia avalia que o anúncio do fim da emergência de saúde pública foi "apenas um discurso retórico"

Felipe Samuel

Sociedade Brasileira de Infectologia avalia que o anúncio do fim da emergência de saúde pública foi "apenas um discurso retórico"

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Um dia após o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) da Covid-19 no Brasil, especialistas criticam a decisão do Ministério da Saúde e alertam para a possibilidade de aumento das infecções e mortes por conta da disseminação da doença. Apesar da melhora do cenário epidemiológico, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) avalia que o anúncio do fim da emergência de saúde pública foi "apenas um discurso retórico". Para a entidade, o governo federal precisa incentivar a vacinação contra a doença e oferecer medicações com eficácia comprovada.

Vice-presidente da SBI, Alexandre Naime Barbosa alerta que é preciso evitar 'erros do passado' e continuar fazendo a testagem dos indivíduos sintomáticos, isolamento dos pacientes positivos e dos contactantes, e manter uma rede de vigilância epidemiológica para identificar surtos ou surgimento de variantes. Conforme Barbosa - que também é professor, pesquisador e médico infectologista da Universidade Estadual Paulista (Unesp) -, algumas medicações e vacinas ainda estão sob o uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O infectologista alerta que essas questões precisam ser regulamentadas. "Não se pode simplesmente acabar com a emergência de saúde pública e essas medicações e vacinas deixarem de ser ofertadas. Então há que haver uma regulamentação dessas questões, que são críticas, pra se continuar o enfrentamento da pandemia. Que não acabou", destaca. Para Barbosa, o anúncio do governo federal 'é um discurso muito mais retórico do que prático'. "O Ministério da Saúde, na sua condução da pandemia, nunca enxergou a Covid-19 como emergência em saúde pública", critica.

O especialista alerta que o governo federal precisa evitar erros cometidos durante a pandemia, como o atraso na compra de vacina e o impulsionamento de tratamento sem comprovação científica, como kit Covid-19. "Óbvio que a situação epidemiológica atual é muito menos impactante do que era no passado. Estamos com média móvel de cem óbitos por dia. Já foi de 3 mil, de 3,5 mil no pico da (variante) Gama. Então realmente a situação epidemiológica é melhor. E como o próprio ministro Marcelo Queiroga acabou admitindo, essa melhora foi por conta do avanço da vacinação", completa.

Do ponto de vista epidemiológico, Barbosa reforça que seria prudente aguardar para tomar a decisão de pôr fim ao estado de emergência sanitária. "Você acha que cem óbitos por dia é algo normal por conta de uma doença que é prevenível, com algumas medidas não farmacológicos e por vacinas? E talvez com algumas medicações que estão chegando agora? Não é normal, né? Faz cem mortes por dia, multiplica vezes os próximos três meses, os próximos seis meses, até o final do ano, é um número grande. Então, com certeza agora não era o momento, mas se obedece a uma agenda política com finalidades que a gente sabe que são eleitorais", afirma.

O professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Alexandre Zavascki, afirma que o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) precisa ser avaliado com cautela, mas reforça que as flexibilizações oferecem maior risco à população idosa. "Quem tem sofrido mais é a população idosa, uma vez que ninguém mais toma uma proteção, eles acabam sendo mais expostos e continuam muito suscetíveis a quadros graves pela Covid-19. A gente tem também um aumento de casos gerais de infecções em crianças", explica.

Apesar da melhora do cenário epidemiológico no país, o infectologista defende a manutenção de medidas não farmacológicas. "O uso de máscara, por exemplo, não é uma medida só individual", destaca, acrescentando que a medida anunciada pelo governo federal pode refletir no aumento de infecções e mortes. Mesmo diante desse contexto, Zavascki descarta a possibilidade de uma 'nova onda da pandemia'. "Do ponto de vista da epidemia, provavelmente algumas restrições que ainda poderiam estar sendo adotadas devido a esse estado emergencial vão se desfazer. E isso sempre vai facilitar a transmissão do vírus", observa.

O especialista avalia que o fim da Espin também pode afetar a compra de vacinas e de outros medicamentos. Por conta disso, Zavascki reforça a importância de o governo federal contar com bom planejamento para o próximo período. "Acho que foi uma escolha da sociedade, de certa forma, conviver com esses níveis atuais de Covid-19, que podem aumentar em virtude dessas flexibilizações. Não como uma onda, mas com aumento do nível de infecções e de mortes", pontua. A epidemiologista Carina Guedes Ramos, do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), considera precoce a flexibilização anunciada pelo governo federal.

Ela destaca que a aplicação da vacina da Coronavac, produzida pelo Instituto Butatan/Sinovac, só pode ser realizada por conta da permissão de uso emergencial do imunizante. "Algumas medidas podem ser revogadas, como o uso da vacina Coronavac, que é utilizada para crianças", alerta. Mesmo com 73% da população brasileira com esquema vacinal completo, a epidemiologista afirma que seria importante 'esperar um pouco mais', avaliar o cenário epidemiológico nas próximas semanas e esperar um posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como exemplo, a especialista alerta que houve aumento de casos confirmados da doença na China. "Existe pressa do governo federal em acabar com a pandemia, instituir o fim, mas não vai ser com a caneta que vai se acabar com a pandemia, tem que ter cautela. Novas variantes podem aparecer e podemos precisar de leitos, o que pode implicar em dificuldades no sistema de saúde para mobilizar leitos", frisa. Mesmo com a retirada de barreiras, Carina destaca que parte da população mantém as medidas não farmacológicas para evitar a disseminação do vírus. "Mesmo com fim da obrigatoriedade do uso de máscaras, muita gente segue usando e se protegendo", observa.

Mesmo com a medida anunciada no domingo, o Ministério da Saúde enviou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) algumas propostas de mudança, como a manutenção de autorização de uso emergencial de insumos utilizados no Enfrentamento à Covid-19; priorização na análise de solicitações de registro de Insumos utilizados no Enfrentamento a Pandemia; e manutenção de testagem rápidas nas farmácias. Decretada em fevereiro de 2020, pela portaria nº 188, a Espin foi um ato normativo com uma série de medidas de prevenção, controle e contenção adotadas para o enfrentamento da doença.

 

 


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