Essenciais: médico se isola da família para trabalhar durante a pandemia

Essenciais: médico se isola da família para trabalhar durante a pandemia

Segundo capítulo da série do CP traz o relato do médico residente em Pediatria, Henrique Umpierre Pedroso

Felipe Samuel

Na entrada da residência, há uma caixa para abrigar sapatos e bolsas

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A pandemia provocada pelo novo coronavírus transformou a rotina de milhões de pessoas e obrigou a população a adotar medidas preventivas para evitar o avanço da doença. Na linha de frente no atendimento de pacientes suspeitos de contrair a Covid-19, muitos profissionais da saúde que atuam na Capital seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de distanciamento social e buscam alternativas inusitadas para impedir a disseminação do vírus. É o caso de Henrique Umpierre Pedroso, de 27 anos, médico residente em Pediatria no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 

Preocupado com a evolução dos casos de infectados na cidade, há uma semana ele deixou a casa dos pais, no Sarandi, zona Norte, para morar temporariamente na casa da amiga Gabriela Vieira Steckert. Ao perceber a rapidez com que o vírus se espalhou por todos os continentes, Pedroso decidiu se afastar do convívio familiar. “Meus pais têm mais de 50 anos, sofrem de hipertensão. Minha mãe tem diabetes. Eles estão no grupo de risco. Me dei conta que trabalhando como sigo trabalhando, como a gente segue trabalhando, eu estaria colocando eles em risco. Então pensei num jeito de sair de casa”, observa. 

A decisão de deixar a casa dos pais contou com apoio e compreensão da noiva Marina, que é psicóloga. Ao avaliar o cenário de epidemia que atinge o país, o casal optou pelo distanciamento por um período. Para aplacar a saudade, os dois se comunicam através de chamadas de vídeo ou por WhatsApp. “A gente conversou e chegou a essa conclusão. Os pais dela têm perto de 60 anos e doenças crônicas, então eu colocaria eles em risco também. Foi super tranquilo, a gente se fala todos os dias via WhatsApp ou por vídeo. É um período que a gente não sabe quanto tempo vai durar”, destaca. 

Como trabalham no mesmo local – Gabriela é residente em clínica médica –, os dois vão juntos ao Hospital de Clínicas. A amizade nasceu há oito anos, quando a dupla ingressou na faculdade de Medicina da Ufrgs. No apartamento de dois quartos localizado na avenida Independência, eles repetem os cuidados com higienização adotados no hospital. Na entrada da residência, há uma caixa reservada para abrigar sapatos e bolsas. “A gente criou rotina como se fosse uma área suja na entrada”, ressalta. “Chegamos em casa e borrifamos tudo, tem calçado só de ficar em casa e outro só para sair”, observa.

A escolha pelo isolamento social tanto de Gabriela Steckert quanto de Henrique Pedroso aconteceu naturalmente após conversa com familiares de cada um deles. “A Gabi não vê a família dela que mora em Novo Hamburgo. Ela costumava visitar os pais no fim de semana e não foi mais”, afirma. “Minha família me ajuda também, meu irmão esteve aqui na frente (prédio), trouxe comida e uma mochila com algumas coisas que eu tinha esquecido”, completa. 

Apesar de morar sozinha, Gabriela – que conversou com o namorado sobre a importância das medidas preventivas em função dos familiares – ressalta que já dividiu o apartamento por um período com o irmão e a cunhada. “Conheço bastante a família dele, quando a gente estudava eles me acolhiam bastante lá na casa deles. Foi uma maneira que a gente achou de conseguir preservá-los, porque a gente passa o dia inteiro no hospital, está muito mais exposto do que eles teoricamente”, justifica. “A gente vai para o hospital todo dia juntos, estamos meio que igualmente expostos”, afirma.

Ela lembra que quando estavam prestes concluir o curso de Medicina o apartamento era o local escolhido pelos colegas para reforçar os estudos. Sobre a necessidade de isolamento, ela revela que várias amigas adotaram o mesmo procedimento. “Todo mundo da área da saúde tem que chegar em casa e tentar se isolar um pouco na sua própria casa ou ter muitas medidas de higienização para conseguir chegar perto das outras pessoas. E mesmo assim, quando a gente conversa com os outros contratados e outros residentes do hospital, todo mundo está ansioso de voltar para casa e estar transmitindo isso para seus familiares. É um isolamento extra que a gente tem que acabar fazendo”, avalia. Ao contrário de muitas pessoas que reclamam da solidão imposta pela necessidade de distanciamento social, cada um aproveita as horas de folga como é possível. Entre as alternativas estão as séries de TV. “É uma solução. A gente não sabe quanto tempo isso vai durar”, analisa. 

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