Floresta do Congo, a segunda maior tropical do mundo, pode desaparecer até o final do século

Floresta do Congo, a segunda maior tropical do mundo, pode desaparecer até o final do século

Desmatamento ocorre principalmente para o cultivo de pequenos agricultores

Eric Raupp

Mais de 80% do desmatamento é feito com serras manuais

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A segunda maior floresta tropical do mundo, a do Congo, está desaparecendo em proporções alarmantes devido ao desmatamento. Ela corre o risco de ser deixada em um estado fragmentado e severamente degradado devido à crescente ameaça de desmatamento realizada para abrir caminho para o cultivo de pequenos agricultores e a extração ilegal de madeira, alertam especialistas. Conhecida como o coração de África Central por abranger Camarões, República Centro Africana, República do Congo República Democrática do Congo, Guiné Equatorial e Gabão e ser a casa de populações indígenas, elefantes e gorilas, a selva pode desaparecer até o final do século, de acordo com um estudo da Universidade de Maryland (UMD) publicado na revista Science Advances.

O estudo foi conduzido por pesquisadores do centro de estudo norte-americano, que analisaram dados de satélite coletados entre 2000 e 2014. Eles revelam que a floresta perdeu cerca de 165 mil quilômetros quadrados durante o período de estudo. Essa extensão é maior do que os estados do Acre ou Ceará, por exemplo. A força dominante por trás do aumento do desmatamento, gerando mais de 80% da perda total da região, ocorre para a agricultura de subsistência. A maior parte é feita à mão, com machados simples.

Se na floresta Amazônica, a maior do mundo, o predomínio do desmatamento se dá em proporções industriais, no Congo, ela ocorre em grande parte como resultado da pobreza generalizada, que também levou à instabilidade política e conflito na região. Com poucas opções de subsistência, a maioria das pessoas sobrevivem por meio de uma técnica de agriculta familiar chamada de itinerante, na qual criam terras agrícolas, explorando o solo até que ele perca todos os seus nutrientes. Até agora, não se entendia exatamente o quanto isso estava contribuindo para o desmatamento total. Assim, os pesquisadores da UMD procuraram por padrões sinalizando diferentes tipos de desmatamento em dados regionais de perda de cobertura de árvores capturados por satélites.

Segundo a coautora da análise, Alexandra Tyukavina, em um comentário anexo à publicação, "era importante quantificar explicitamente as proporções de diferentes fatores, demonstrar o quão dominante é o desmatamento em pequena escala das florestas para a agricultura itinerante na região e mostrar que não é apenas limpeza de florestas secundárias, mas também expansão em florestas primárias". Pós-doutoranda do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade, ela e seus colegas descobriram que o desmatamento isto contribuiu para cerca de 84% do desflorestação entre 2000 e 2014. A excessão é o Gabão, onde a exploração industrial seletiva é a maior causa isolada de perda florestal.

"Segundo pulmão do mundo"

Com área original de quase dois milhões de quilômetros quadrados – aproximadamente o tamanho do México – é considerada o segundo pulmão do mundo. Casa para aproximadamente 10 mil espécies de plantas, das quais 30% são exclusivas da região, a região também inclui florestas secundárias e savanas, o que aumenta sua extensão para cerca de três milhões de quilômetros quadrados. Animais silvestres em extinção, incluindo elefantes da floresta, chimpanzés, gorilas das montanhas e ocapi, um raro mamífero que é o parente mais próximo da girafa também vivem no local. A região é habitada por humanos há mais de 50 mil anos e fornece comida, água potável e abrigo a mais de 75 milhões de pessoas.

Além de ser uma jóia da biodiversidade, também desempenha um papel fundamental na equação da mudança climática. Seu solo contém um enorme estoque de carbono, resultado de bilhões de anos de crescimento e decaimento de plantas. De acordo com cientistas da Universidade de Leeds, no norte da Inglaterra, a floresta detém o equivalente a três anos de emissões globais de dióxido de carbono. Transformar esta terra em agricultura liberaria enormes quantidades de gases do efeito estufa, piorando o aquecimento global quase de um só golpe, defendem.

Cerca de 150 etnias distintas existem por lá, das quais o Ba'Aka está entre os representantes mais conhecidos do estilo de vida caçador-coletor. Sua cultura está intimamente ligada à floresta. "Ela é muito importante para o bem-estar das pessoas na região, para a África como um todo e para o bem-estar do mundo. Muitas dezenas de milhões de pessoas dependem diretamente dela para seu sustento. Ele armazena enormes quantidades de dióxido de carbono e ajuda a reduzir o aquecimento global. É uma promotora de chuva, indispensável para a agricultura na África Subsaariana. É uma imensa fonte de água doce em um mundo que fica mais escassa a cada ano. Seus rios podem gerar energia hidrelétrica para todo o continente africano. Existem muitas espécies de plantas medicinais, 20 das quais são usadas no tratamento do câncer", defende o escritor Meindert Brouwer, no seu livro "Central African Forests Forever", de 2017.

Agricultura industrial: uma nova ameaça

A agricultura intensiva no local é rara porque a infraestrutura de transporte não está desenvolvida, mas o estudo alertada sobre "uma nova onda" de desmatamento em grande escala para a indústria. Embora contribuindo com apenas 1% do desflorestamento durante o período do estudo, parece estar crescendo. Nos últimos anos, após as crises financeiras e a crise alimentar de 2007-2008, o investimento agrícola na África disparou. À luz desses eventos, investidores internacionais e países do sul da Ásia e do Oriente Médio veem cada vez mais as terras agrícolas como um investimento estratégico e lucrativo na floresta congolesa.

Conforme um levantamento da Escola de Estudos Florestais e do Meio Ambienta da Universidade de Yale, pelo menos 18 milhões de hectares de transações de terras ocorreram nos últimos anos na África subsaariana, com foco em Gana, Etiópia, Moçambique e Zâmbia. O principal uso da tem sido biocombustíveis; em áreas semi-áridas, o pinhão-manso é a cultura mais comum, enquanto o óleo de palma é comum em áreas mais úmidas. No entanto, os rendimentos muitas vezes não atingiram as metas e as estradas estão se expandindo na floresta do Congo, e o investimento em óleo de palma também está crescendo.

Como as condições climáticas na África central são favoráveis, os preços da terra são baixos e os mercados de exportação na Europa estão relativamente próximos, os desenvolvedores estão procurando expandir a produção na região. Uma investigação recente do Greenpeace descobriu 2,6 milhões de hectares na flores designados para o cultivo de dendê. Os países com mais terras adquiridas são a Libéria, a Serra Leoa e a República do Congo.

De acordo com pesquisadores de Yale, a produção do óleo de palma cria vários riscos para as florestas e comunidades. As plantações abrigam apenas uma fração da biodiversidade de uma floresta madura e obriga o deslocamento de comunidades locais, formas tradicionais de vida, e de flora e fauna. Nas áreas atuais dessa selva, grande parte da terra é mantida pelos direitos consuetudinários, isto é, habitada por povos tradicionais, mas sem posse legal da terra - o reconhecimento disso varia entre os países. Em situações como essas, geralmente é fácil para os desenvolvedores de plantações entrar e arrendar terras do governo sem consultar ou fornecer compensação para os povos locais.

"Isto se deve principalmente ao interesse das empresas transnacionais em lucrar com a crescente demanda por óleo de palma no mercado global. As plantações em grande escala têm invadido terras pertencentes a comunidades, afetando a soberania alimentar, espaços culturais ou sagrados, aumentando a violência em particular para as mulheres e levando a muitos protestos da comunidade", analisa Brouwer.

Pressão europeia

Em junho do ano passado, o Conselho Diretor da Parceria para as Florestas da Bacia do Congo colocou pressão sobre os governantes para "facilitar o diálogo entre os responsáveis políticos, doadores de fundos, sociedade civil e setor privado com o objectivo de proteger as florestas". A declaração foi dada por François Xavier de Donnea, presidente do grupo, durante reunião com a ministra congolesa do Turismo e Ambiente, Arlette Soudan Nonault. No encontr, ela indicou que o objetivo era de levar os políticos a encontrarem soluções eficazes que salvaguardem os interesses das futuras gerações.

No termo dos trabalhos, cada um dos parceiros deverá apresentar um relatório sobre os resultados dos trabalhos feitos. Os mesmos vão igualmente definir o seu programa de ações para os próximos anos, a fim de permitir estabelecer pistas e  garantir a salvaguarda do ambiente, das florestas e da biodiversidade. “Se as florestas da África forem destruídas, haverá uma repercussão na mudança climática que afetará as regiões da África e da Europa”, alertou de Donnea, que também é ministro-presidente da Região de Bruxelas.


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