Fundação Roberto Marinho recebe R$ 70 milhões e não entrega projetos
Fundação captou recursos públicos para museu, mas não entregou obra; 'para onde foi o dinheiro?', questiona técnico do governo
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A Fundação Roberto Marinho captou uma das maiores verbas da história do Ministério da Cultura em incentivos — R$ 70.014.078,37 — para a construção e obras de infraestrutura do Museu da Imagem e do Som (MIS), no Rio de Janeiro, mas não entregou nenhum dos três projetos para o local e deve sofrer mais punições do governo federal. Um deles já teve prazo de conclusão encerrado e acabou com as contas reprovadas. Outros dois teriam que ser entregues à população até o fim deste ano, mas a nova previsão é de que o MIS só reabra em 2023. “Para onde foi esse dinheiro?”, questionou um técnico do Ministério da Cultura ouvido pelo R7 ao comentar a situação.
Ao todo, a Fundação Roberto Marinho captou R$ 70.014.078,37 entre 2010 e 2013 (em valores não corrigidos), por meio de três propostas envolvendo o Museu. A primeira, que recebeu R$ 36,2 milhões, em 2010, tinha como objetivo a “construção da nova sede para o Museu da Imagem e do Som, com 9.800 m², em Copacabana, Rio de Janeiro”. O prazo para entrega era junho de 2015. Até hoje, o MIS não está aberto ao público.
A irregularidade sofreu punições duras. O Ministério do Turismo, em junho de 2021, inabilitou a Fundação Roberto Marinho para a captação de recursos públicos pelos próximos três anos e exigiu a devolução de R$ 54 milhões, já corrigidos, ao Fundo Nacional de Cultura. Segundo o artigo 59 da Instrução Normativa nº 2, de 2019, do Ministério da Cultura, a reprovação da prestação de contas resulta na impossibilidade de apresentação de novas propostas e na suspensão de projetos ativos, com o bloqueio de contas, entre outras penalidades.
Após essa captação de recursos sem nenhuma entrega à população, técnicos da Cultura já avaliam que a reprovação de contas dos outros dois projetos da Fundação envolvendo o museu são caminhos óbvios. Isso porque eles solicitaram verba pública para investimentos como a implementação de estrutura tecnológica para as exposições e a aquisição de mobiliário e equipamentos de luz, por exemplo. Porém, como o MIS sequer estará aberto ao público em 2021, essas instalações não estarão disponíveis para a população até 31 de dezembro, como estabelecia o projeto.
Por dentro
A obra do Museu da Imagem e do Som, sem as instalações, aparece na ferramenta de listagem de projetos culturais que recebem incentivos fiscais pela Lei Rouanet, a VerSalic, como o terceiro projeto com maior valor captado do governo, atrás somente de duas obras do Museu do Ipiranga, em São Paulo. As duas outras propostas feitas pela fundação para o MIS também são milionárias. Elas estão entre as 40 maiores da história do Ministério da Cultura, entre mais de 100 mil projetos.
Uma delas, de 2012, tem como propósito a “execução da produção de todos os conteúdos que irão compor as exposições de longa duração e aquisição de mobiliário e equipamentos de luz”. Para isso, a Fundação Roberto Marinho captou dos cofres públicos R$ 17.031.092,07, um valor que chega hoje a R$ 28,4 milhões, corrigida inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE.
A proposta tem como data de início em novembro de 2012 e data de entrega em dezembro de 2021. Além da verba pública, há um valor doado por empresas privadas para a execução do contrato. Empresas como a Globo Comunicações e Participações Ltda e a Globosat Programadora Ltda doaram para o projeto.
A outra proposta é de 2013. Ela captou R$ 16.727.486,00 para a “execução de ações relativas à implantação de estrutura tecnológica para as exposições e para o lançamento da nova sede do Museu da Imagem e do Som”. Com início em março de 2014, ela deveria ser entregue também até o fim deste ano. Hoje, esse valor corresponde a R$ 25,7 milhões.
Somente esses dois projetos somam R$ 54,1 milhões, corrigido pela inflação do período. Somando a obra total do MIS, o valor captado e corrigido chega a mais de R$ 108 milhões. Mesmo assim, a obra ficou paralisada por quase cinco anos, por “falta de recursos”. Um técnico do Ministério da Cultura ouvido pelo R7 questiona: “Para onde foi esse dinheiro?”.
“Reprovações de contas só mostram quanto a proponente [autora do projeto] é realmente dolosa ou incapaz, e não trabalha em conformidade com a lei. As gestões anteriores [da pasta] não tiveram interesse ou cuidado de fazer essa avaliação e mostrar que ele não estava cumprindo o que era devido”, diz, sem querer se identificar.
Ainda segundo a fonte, é provável que exista a reprovação de contas desses dois projetos. “Para a Lei Rouanet, é necessário que exista a fruição, ou seja, o público tem que usufruir do produto cultural proposto no projeto. Como a população vai usufruir de um museu que não foi nem entregue?”, levanta.
O R7 fez contato com a Fundação Roberto Marinho na quinta-feira (25) e na sexta-feira (27) e aguarda nota de posicionamento sobre o caso.