Gestores de hospitais relatam esgotamento do atendimento em emergências de Porto Alegre

Gestores de hospitais relatam esgotamento do atendimento em emergências de Porto Alegre

Sistema de saúde registra recorde de internações dia após dia

Felipe Samuel

Avanço acentuado da pandemia produz um cenário dramático em hospitais e emergências

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O avanço acentuado da pandemia do novo coronavírus produz um cenário dramático em hospitais e emergências. O esgotamento do sistema de saúde de Porto Alegre, que registra recorde de internações dia após dia, obriga gestores a restringir o atendimento a pacientes graves. Em função da alta demanda nas últimas semanas, hospitais referência no tratamento da Covid-19 transformaram emergências em unidades de terapia intensiva. 

Mesmo com a ampliação de leitos e das instalações hospitalares, a procura por atendimento é maior do que a capacidade da rede hospitalar. A voz embargada do chefe médico do serviço de emergência do Hospital de Clínicas, José Pedro Kessner Prates Júnior, denuncia o cansaço dos profissionais de saúde, que após um ano de combate à doença enfrentam o pior momento da pandemia.

"Nosso cenário é desesperador. Estamos absolutamente superlotados de pacientes com Covid-19. Temos 76 pacientes Covid-19 dentro da emergência do hospital. Desses, 40 são pacientes críticos, que estão ou intubados ou em ventilação mecânica ou suporte ventilatório critico", revela.

Conforme Kessner, nesta quinta-feira, outros 36 pacientes estavam em poltronas ou em camas à espera de leito de enfermaria. Ele ressalta que a unidade opera 'muito acima' da nossa capacidade instalada de atendimento.

"Nossa emergência segue atendendo pacientes graves. Não estamos com emergência fechada", assinala. Ele explica que os casos graves, pessoas com suspeita de infarto ou AVC, vão ser atendidas. "Os demais casos não temos condições de atender. Essas pessoas são orientadas a procurar UPAs ou a rede das Unidades Básicas de Saúde", frisa. 

Saturação da rede hospitalar 

De acordo com Kessner, a saturação da rede hospitalar exige medidas mais duras para impedir a circulação do vírus e o crescimento de internações. "Já fui contrário ao lockdown, mas vejo que estratégias semelhantes foram adotadas em outros países da Europa. Foi uma das maneiras mais efetivas de controlar a circulação do vírus, de diminuir o número de casos graves e do sistema de saúde poder respirar", observa.

Ele destaca que iniciativa semelhante foi adotada por Inglaterra e Alemanha. "A gente não tem mais condições de atender pacientes críticos no nosso sistema de saúde, que está absolutamente 'colapsado'. Então num sistema 'colapsado' precisamos de medidas extremas", destaca.
 
Segundo Kessner, os profissionais de saúde enfrentam uma dura rotina com aumento exponencial dos casos relacionados à Covid-19, e por isso defende a restrição da circulação na Capital e na Região Metropolitana por ao menos duas semanas. "É uma medida dura, que corta muito, dói, mas acho que é uma medida necessária nesse momento. Uma bandeira preta efetiva, com a restrição absoluta de circulação de pessoas. Acho que só assim nós poderemos atender dignamente a população", assinala. "Sei que é difícil, tem o lado econômico, envolve uma série de fatores, como a questão do emprego, mas se a gente não tiver vida a gente não tem como trabalhar", completa.

Foto: Ricardo Giusti

Angústia 

Com aumento de internações desde final de fevereiro, Kessner relata a angústia de quem precisa encarar todo dia um cenário mais caótico e está sempre 'preparado para o pior'. "Se tiver número estável de pacientes Covid-19, entre 65 a 70, na minha emergência, de alguma forma me conforta, mas para quem como eu que, no dia 21 de fevereiro, tinha 22 pacientes, imagina o que é meu dia de hoje. É o triplo do que vivenciei antes da última semana de fevereiro. É impressionante", destaca. 

A emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, que é administrado pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC), também reflete o esgotamento do sistema de saúde. Após 24 horas fechada, a instituição reabriu a emergência na tarde de hoje - mas apenas a pacientes em estado crítico.

Com 44 leitos, o local abrigava 59 pacientes, dos quais 56 com diagnóstico para o novo coronavírus. Do total, 35 estavam com ventilação mecânica e 23 utilizavam oxigenação por máscara. Conforme o diretor técnico do GHC, Francisco Zancan Paz, a emergência jamais havia fechado porque “nunca se teve uma situação igual a essa''.

Por conta do aumento da demanda, Paz explica ressalta que a situação é complexa. "No tempo da gripe A (H1N1) houve alguns momentos de restrição de atendimento também, mas agora com o movimento que está tendo hoje em todo sistema de saúde nós nunca tínhamos enfrentado", assinala. Nos últimos dias, a maioria dos pacientes na emergência precisava de ventilação mecânica, o que obrigou o hospital a reorganizar o fluxo de internações para garantir atendimento.

Efeitos do agravamento

Conforme Paz, postos de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) também sentiram os efeitos do agravamento da pandemia. "Estamos com nossa UPA Moacyr Scliar transformada em emergência. A nossa emergência está transformada em UTI. E os nossos postos de saúde estão transformados em UPAs, estão atendendo todos os pacientes que chegam. A demanda está muito grande, aumentou muito nas últimas semanas", alerta, acrescentando que foram alocados equipamentos na emergência para atendimento de pacientes em estado grave.

Nas últimas 24 horas, o hospital recebeu cerca de 90 pessoas por demanda espontânea, 40 em estado grave, com ventilação mecânica, mais 23 pacientes necessitando de oxigenação por máscara, que poderiam evoluir para ventilação mecânica. Por isso a decisão de restringir o atendimento. "No momento, essa atitude tomada ontem (quarta-feira) foi até para proteger a vida dos pacientes que estão lá e dos que estariam chegando, porque não tinha condições de atendimento", afirma.

Ao destacar que o hospital tem limites de estrutura, equipamentos e pessoal, ele explica que os recursos são finitos. "Por mais que aumente a capacidade de atendimento, sempre vai ser finito, ninguém consegue aumentar ao infinito", ressalta.

Paz reforça a importância da população seguir as recomendações das autoridades de saúde."Temos que insistir no distanciamento social, as pessoas têm que evitar aglomerações. A outra é que as pessoas individualmente pratiquem prevenção, usem máscaras, lavem as mãos seguidamente e evitem contato com pessoas contaminadas. E por último a vacinação que vai nos ajudar a diminuir essa demanda", frisa.

Foto: Ricardo Giusti 

Rede privada

Na rede privada, o crescimento da demanda na emergência obrigou o Hospital Moinhos de Vento a restringir o atendimento a casos graves. Chefe do Serviço de Emergência, Paulo Schmitz afirma que nos últimos 15 dias, houve aumento da gravidade da doença e da procura por atendimento.

"A emergência está sendo usada como apêndice da UTI. Nessa quarta-feira, a gente estava com 20 pacientes de UTI na emergência. É uma situação semelhante à enfrentada por hospitais públicos", compara. Schmitz frisa que o Moinhos de Vento ampliou a estrutura da UTI, passando de 66 leitos para 106.

“Vírus não poupa ninguém”

Ao destacar a gravidade da situação da rede hospitalar, Schmitz ressalta que o “vírus não poupa” ninguém. "Pacientes com doenças leves não conseguimos atender. Recebemos muitas ligações do interior querendo transferir pacientes para emergência, mas temos negado", explica.

Ele afirma que restringir atendimento é uma das coisas mais “traumáticas” e garante que se a demanda por atendimento seguir em alta, o hospital pode adotar medidas ainda mais duras, a exemplo do Conceição e do Mãe de Deus, que fecharam atendimento na emergência. "Se as pessoas não continuarem respeitando o distanciamento social, nesse ritmo não vou ter respiradores (suficientes). Isso preocupa", alerta.

De acordo com Schmitz, apenas pessoas com sintomas graves, como febre alta e frequência respiratória mais alta, devem buscar atendimento. "A orientação é para que as pessoas com sintomas leves fiquem em casa, não procurem serviços médicos e busquem consultar via telemedicina", sugere.

No Hospital Mãe de Deus (HMD), o atendimento na Emergência e no Espaço Azul (exclusivo para pacientes com sintomas gripais) segue suspenso. Conforme a instituição, o objetivo é controlar o alto índice de ocupação das unidades de internação e no CTI. A Santa Casa de Misericórdia informa que as emergências para adultos estão funcionando com restrição, ou seja, atendendo apenas casos graves.


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