Indígenas viveram na área do Pontal do Estaleiro, em Porto Alegre, antes do descobrimento da América

Indígenas viveram na área do Pontal do Estaleiro, em Porto Alegre, antes do descobrimento da América

Foram encontrados mais de 12 mil fragmentos relacionados aos indígenas em escavações na Ponta do Melo

André Malinoski

Local irá receber área de lazer, com instalação de shopping

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Indígenas já viviam na área do Pontal do Estaleiro, na zona Sul de Porto Alegre, antes mesmo de o navegador Cristóvão Colombo descobrir a América, em 1492. A revelação é da arqueóloga Kelli Bisonhim, coordenadora das pesquisas e escavações feitas no local pela empresa Sophia Cultural.

“Essa descoberta é muito importante e redefine a história de Porto Alegre. Até hoje se conta o começo da cidade a partir da vinda dos casais açorianos para cá”, diz Kelli. “Esse sítio arqueológico mostra que a história da ocupação humana na área é muito anterior. Estudamos e analisamos sementes e plantas, o que nos permitiu entender que os povos seminômades, os Guaranis, estabeleceram-se na Ponta do Melo (denominação antiga da região) por algum tempo”, acrescentou.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é responsável por determinar o tipo de pesquisa a ser desenvolvida em cada área. Atualmente, o Pontal do Estaleiro passa por transformações e terá um empreendimento de 114 mil metros quadrados de área construída.

Os arqueólogos encontraram cerâmicas indígenas durante o transplante de uma árvore. Uma ocupação histórica chamada sítio componencial (lugar com diferentes tipos de ocupação em variadas épocas da história) foi descoberta depois da retirada do aterro do Estaleiro Só. Para descobrirem a data exata da ocupação na área, os pesquisadores enviaram para os Estados Unidos amostras de carvão de possíveis fogueiras indígenas. A datação por C14 (carbono 14) apontou que o ano do material analisado era 1436. Em termos de Brasil, o período é considerado pré-história.

A análise de amostras de solo possibilitou que os arqueólogos descobrissem o que os indígenas comiam. E era uma alimentação variada contendo milho, abóbora, mandioca e até plantas desconhecidas, como o ariá – usado como acompanhamento em pratos com peixe. O ariá, por sinal, é muito consumido pelos indígenas amazonenses. Outra descoberta é que a área vegetal do espaço passou por desmatamento por queimada antes do início do assentamento dos índios, seguido por uma retomada da floresta após o abandono do grupo Guarani.

Dezenas de evidências foram encontradas e passaram por processo de catalogação. Depois serão encaminhadas para o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A coleção atingiu o total de 12.430 fragmentos. As peças estavam abaixo do aterro entre 1,20 metro a 2,30 metros, em alguns pontos mais próximos do Guaíba. Havia cerâmica indígena, como panelas, tigelas para água e outras para comer; pedras lascadas e polidas, além de instrumentos como machados, polidores e raspadores; louças decoradas da metade do século 19, outras de fabricação estrangeira. Também foram achadas louças não decoradas de fabricação nacional da virada do século 19 até a primeira metade do século 20. Vidros de remédios, perfumes e de bebidas; cerâmicas confeccionadas com o auxílio da máquina de torno; ossos, conchas, sementes de árvores; fragmentos de munição, moedas, anéis, pingentes, fivelas, entre muitas outras peças.

A pesquisa teve a finalidade de verificar a existência de vestígios arqueológicos na área do empreendimento e avaliar os possíveis impactos da construção. O sítio arqueológico data do período 1434-1436, e o que foi descoberto é que a Ponta do Melo não foi ocupada apenas pelo Estaleiro Só, inaugurado em 1850 e com forte atuação na indústria naval, mas também por povos indígenas. Em breve, os achados poderão ser vistos pelo público no Museu da PUCRS.

Saiba mais

A exploração arqueológica iniciou com o acompanhamento das obras em fevereiro de 2019. A área terá um parque público com 29 mil metros quadrados e 700 metros de extensão de orla do Guaíba revitalizados. Além disso, o empreendimento contará com um shopping center, um hotel padrão internacional, um centro de convenções, uma torre multiuso e um centro médico operado pelo Hospital Moinhos de Vento.

“Quando foram encontrados os primeiros achados arqueológicos, entendemos a importância dessa descoberta para a história de Porto Alegre. Paramos a obra imediatamente para que as medidas corretas fossem adotadas, visando à preservação desses artefatos e da nossa história”, lembrou o diretor corporativo da SVB Par, Ricardo Jornada.

O Pontal será o primeiro Life Center do Estado. Liderado pela SVB Par, do empresário Saul Veras Boff, tem execução do consórcio formado pela Engenhosul e Melnick Even, que também é sócia da SVB Par na torre do complexo.


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