Inspirada no tradicionalismo, Audiência Crioula celebra adoção em Viamão

Inspirada no tradicionalismo, Audiência Crioula celebra adoção em Viamão

Proposta pela juíza Carine Labres, iniciativa formou nova família e homenageou a Semana Farroupilha

Franceli Stefani

Além da formação de uma nova família, audiência reuniu música, dança, cultura, prosa e verso,

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“Patrão maior, com licença. Já que tudo revisei – e como no amparo da lei deposito a minha crença –, promulgo então, neste momento, a sentença: não existem excludentes já que tudo resta evidente, torno tudo consumado. Criando neste momento um lar sagrado, então julgo procedente”. Foi assim que a juíza titular da 3ª Vara Criminal e Infância e Juventude da Comarca de Viamão, Carine Labres, anunciou sua sentença favorável a um pedido de adoção na tarde desta segunda-feira. A ideia de misturar prosa e verso como forma do judiciário homenagear a tradição gaúcha surgiu da própria magistrada e resultou na chamada Audiência Crioula.

A ação serviu para celebrar a Semana Farroupilha e proporcionou um momento que ficará na história de Janete Silva Guedes, 50 anos. Cercada de crianças com vestidos de prenda e bombachas, ela permaneceu durante a sessão sentada com o filho, um menino de dois anos e quatro meses nos braços, no aguardo da decisão. Muito emocionada, contou que fez o pedido de adoção em 2014, depois de passar por todos os processos exigidos. No ano seguinte, entrou para o cadastro nacional.

"Então, aguardei e em 2017 ele nasceu e veio para mim. Foi um período, claro, de ansiedade, mas quando ele chegou foi uma surpresa, porque não imaginava que seria tão rápido e mudou totalmente a minha vida. Agora, somos nós dois. Eu tenho um companheiro que me apoia e incentiva. É uma vida nova, ele já era, mas agora, de verdade, faz parte da família", conta a muher, natural de Porto Alegre, mas há uma década residente na cidade vizinha. Sem pensar muito em como será a vida no futuro, afirmou que leva um dia após o outro, mas espera que sigam com o que eles já têm hoje: muito amor e alegria. “Sempre costumo dizer, não fui eu que dei a luz ao meu filho, mas ele foi quem trouxe luz para minha vida”.

De acordo com a magistrada Carine Labres, a audiência real teve concordância com todas as partes envolvidas. Ela explicou ainda que para que o evento pudesse ocorrer era necessário que fosse um processo da jurisdição em que ela atuava. “A ratificação de um pedido de adoção é um processo sem litígio, onde todo processo de destituição familiar já foi feito. A audiência celebra a vontade da adotante em formar uma família”, contou, frisando que a imagem do menino foi preservada para priorizar a sua identidade. A juíza está há quase um ano na Região Metropolitana; antes, atuava em Santana do Livramento, onde realizou casamentos coletivos, inclusive de casas homoafetivos em um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) da cidade.

Prosa, verso e muito amor

A primeira a se manifestar na audiência especial foi a promotora de Justiça, Tatiana Alster. Ela frisou o comprometimento de todos que compõem a Comarca de Viamão. “Formação de família é coisa séria, e é para ela que todos nós nos dedicamos. Foram 25 novas famílias neste ano. Um trabalho árduo, cansativo e muito emotivo. Mas é preciso defender, de um jeito ou de outro, os direitos da gurizada que só quer crescer em um lar com respeito e amor”, enalteceu.

Em tom de verso, ela frisou que se um pai ou mãe não dão conta, mesmo com toda rede de apoio, outro caminho não resta, senão uma drástica judicial medida. “Juiz diante da prova corta o mal pela raiz e proporciona vida nova, para uma nova família formar. E a ansiedade em concluir esse processo é cada vez maior. É o que acontece aqui”.

Com um sorriso estampado no rosto, olhando para a mãe, disse que o amor floresceu. “Respeito, cuidado e carinho estão presentes neste ninho, que agora sim protege, como sempre deve ser. O Ministério Público, com felicidade, para acabar de vez com essa ansiedade, manifesta-se pelo julgamento final, pela concretização desta adoção”. 

A defensora pública Paula Granetto, também foi precisa nas palavras usadas. “Carecia o piá de um novo ninho, de família, de abrigo e proteção. E a Janete, autora da ação, prometeu de pronto, dar carinho. Foi assim que então, que o piazinho, do poder familiar destituído, e no abrigo tão só, quase esquecido, encontrou gestos nobres e tão ternos. Um colo e braços maternos”.

Vestida de prenda, assim como a promotora e a magistrada, ressaltou a força da mãe, que lutou para ter em seu rancho, o garoto. “Janete, Anita sem Garibaldi, mesmo assim uma charrua valente. Guapa. Bem mais que muita gente. De um coração sem maldades, confiando em suas próprias verdades, com propósito digno e fiel desempenho com altivez o seu papel”.

 

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