Mães hóspedes em casa de acolhida em Porto Alegre relatam suas esperanças e angústias

Mães hóspedes em casa de acolhida em Porto Alegre relatam suas esperanças e angústias

Casa de Apoio Madre Ana, mantida pela Santa Casa de Misericórdia, sobrevive à base de doações

Felipe Faleiro

Fátima e a filha Priscila são de Urupá, em Rondônia

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A Casa de Apoio Madre Ana é, desde 2016, quando foi inaugurada, um espaço de acolhimento gratuito voltado a pacientes e acompanhantes em tratamento no complexo da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Em meio a tantas histórias de pessoas que deixam seus lares em busca de uma nova esperança a partir dos tratamentos médicos, por vezes angustiantes e demorados, estão mães com seus filhos, filhos com suas mães, e rotinas que se cruzam, provando que o amor maternal não conhece fronteiras, distâncias ou adversidades.

A dona de casa Fátima Schutz Pereira, 28 anos, é de Urupá, interior do estado de Rondônia. Ela está hospedada no local com a filha, Pricila, 11 anos, diagnosticada com síndrome nefrótica, que causa a perda excessiva de proteínas pela urina. A menina, que sofria com as consequências da doença, começou seu tratamento na capital estadual, Porto Velho, e em 2019 cruzou o Brasil, rumo a Porto Alegre, a fim de aguardar um transplante renal. Entre idas e vindas, veio a pandemia, que retardou as chances da realização do procedimento e ampliou a angústia da mãe.

Pricila precisava utilizar um aparelho de diálise durante 12 horas por dia. “Primeiro, vim com meu marido, depois sozinha com ela. Ambos éramos compatíveis, mas optamos por ela receber o rim de um doador falecido”, contou Fátima. Jociel Schutz, o pai da menina, ficou em Rondônia. O transplante aconteceu no último dia 22 de abril, e a cirurgia levou pouco mais de três horas. “Gosto muito daqui, é bem legal”, diz a pequena Pricila, que está bem e não deixou de estudar em meio ao tratamento. Os professores da 6ª série do Ensino Fundamental enviam de maneira remota os materiais, que são impressos, resolvidos por ela e devolvidos.

De Porto Velho, capital rondoniense, Luene Oliveira da Silva, 40 anos, é mãe e avó. A filha dela, Débora, 17, é mãe, por sua vez, de Nicolas, 1 ano e 6 meses. Com insuficiência renal crônica diagnosticada por volta dos 14 anos, Débora realizou o transplante renal no mesmo dia da filha de Fátima. “Foram muitos medicamentos, uma batalha bastante árdua. Ficamos distantes da família, com muita saudade, mas precisamos seguir e permanecer com os pés no chão”, afirma Luene.

No dia seguinte ao transplante, Débora teve uma obstrução do canal da uretra e precisou passar por nova cirurgia. “E isto acaba afetando o emocional. A gente passa por muita ansiedade”, diz a mãe da jovem. Tudo correu bem e Débora está praticamente recuperada, mas distante do filho, que permaneceu com o pai em Rondônia. A jovem, que chegou a completar o 2º ano do Ensino Médio, parou de estudar com o tratamento médico. No entanto, a família garante que ela voltará aos estudos assim que possível.


Marciele e sua mãe, Priscila, também estão hospedadas no local | Foto: Ricardo Giusti

Moradoras de Rio do Sul, em Santa Catarina, Priscila Aparecida Braz, 44, acompanha a filha Marciele Vitória, 15, nascida com mielomeningocele, malformação congênita na coluna vertebral. Desde muito pequena, a menina sofre com problemas renais, coluna, bexiga, entre outros, e até os 10 anos de idade não comia direito. Transferida de sua cidade para Florianópolis, ela teve sensível melhora na qualidade de vida, e, assim como as demais hóspedes apresentadas, ingressou na fila por um transplante renal. O procedimento foi feito com sucesso no último dia 17 de fevereiro.

Por muito pouco, Priscila não pôde acompanhar o crescimento da filha. Ano passado, a mãe da jovem foi entubada com Covid-19, e teve comprometimento dos pulmões. Se recuperou, e ainda ouviu dos médicos que as outras amigas dela também internadas haviam falecido. “Eu sabia que tinha um propósito, que era cuidar da Marciele”, contou a mãe, com os olhos marejados. “Ela é minha guerreira, e eu amo ela”, diz Marciele, serelepe, que gosta de cantar e publicar conteúdos em aplicativos de vídeos curtos, como o TikTok.

A supervisora da Casa, Juliana Airoldi, explica que o local sobrevive apenas à base de doações, e que uma rede de parceiros, bem como o apoio da comunidade, têm sido fundamentais para a manutenção da mesma. “Este acolhimento é muito importante para os pacientes e seus acompanhantes. Tudo o que fazemos aqui é para dar este apoio psicológico. Não adianta apenas abrir um leito, nosso intuito não é este. Queremos que eles se sintam amados, confortáveis e em casa. Garantir que eles tenham uma família aqui”, diz Juliana. O local fez atividades voltadas ao Dia das Mães, como tarde de manicure na última quarta-feira, e haverá um café da manhã especial no próximo domingo.


Juliana Airoldi, supervisora da Casa de Apoio: "Queremos que eles se sintam amados, confortáveis e em casa" | Foto: Ricardo Giusti

A casa, que completa 6 anos de funcionamento no próximo dia 10, tem capacidade de 100 leitos, além de biblioteca, brinquedoteca, pracinha, sala de estar, alimentação diária, acolhimento espiritual, entre outros, e contava com 55 hóspedes nesta sexta-feira. Destes, 14 eram mães que acompanhavam seus filhos. O tempo médio de permanência é de 14 dias, mas há pessoas, segundo Juliana, que estão no local há um ano, assim como outros que ficam por apenas dois ou três dias, variando conforme a complexidade do procedimento. A sede fica na Rua Vigário José Inácio, 741, no Centro Histórico. As opções para doação estão no site.


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