"O dia 27 nunca saiu de mim", diz ex-vocalista da Gurizada Fandangueira

"O dia 27 nunca saiu de mim", diz ex-vocalista da Gurizada Fandangueira

Marcelo de Jesus dos Santos foi o último acusado a depor no julgamento na fase do interrogatório do Caso Kiss

Paulo Tavares

Marcelo foi o último réu a depor na fase de interrogatórios do julgamento da Kiss

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O ex-vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, disse, nesta quinta-feira, que nunca mais esqueceu o dia 27 de janeiro de 2013, data da tragédia na Boate Kiss que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos. "Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Eu não estou bem e nunca estive", disse. Ao ser interrogado pela advogada Tatiana Borsa, ele disse que há cinco meses faz fisioterapia em decorrência da Covid-19, do qual não se recuperou totalmente. Ao ser questionado como vivia hoje, o réu disse que "hoje é um dia atrás do outro”. “Não tenho mais vontade de fazer nada", afirmou. 

Logo em seguida, a defensora perguntou se a família tinha sido abordada ou agredida devido ao incêndio na Kiss. "Um dia a minha filha mais nova, com 6 anos, chegou da escola e me perguntou se eu tinha matado o tio da colega", respondeu, não segurando as lágrimas. Santos mostrou os remédios que toma todos os dias devido ao incêndio que teria piorado após ter contraído a Covid-19 este ano.   

Marcelo seguiu morando em Santa Maria e acompanhou todas as audiências do caso Kiss. Ainda relembrou de uma ocasião quando se deparou com a mãe de uma vítima no Fórum e recebeu um abraço dela. "Desde aquele dia eu quero justiça, mas uma justiça correta. Ninguém iria imaginar que aquilo aconteceria. Era uma cena de horror", recordou. 

Na noite da tragédia, Santos recordou que não participou da passagem de som pois foi ajudar o irmão em um serviço. Ele, então, disse que lhe ligaram dizendo que tinha que dar uma olhada na boate. Segundo Marcelo, ele deu uma olhada no palco, e teria considerado tudo correto. Voltou para casa e convidou a esposa para ir à boate. "Por volta da meia-noite, começamos a nos arrumar e, de repente, a minha mulher disse que não iria mais, pois estava com dor de cabeça", recordou, se emocionando. "Ela não quis ir. Eu saí de casa com isso. Cheguei e falei para o Danilo que queria que ela fosse", recordou.

"Me arrumei, passei na casa de um dos integrantes e fomos para a Kiss". Tinha, de acordo com Santos, uma fila grande, mas como tinham os nomes em uma lista, entraram e foram para o camarim. "Quando entrei, senti um calor estranho, pensei que tinha muita gente no local", afirmou. "Não posso dizer se estava superlotada. Pouco gente não tinha, mas estava cheia. Subimos para o camarim e, pouco depois, vieram nos avisar que estava na hora", disse, recordando que os integrantes da banda foram até o palco e assumiram os lugares no palco. A cortina ainda estava fechada. 

"Organizamos os instrumentos e se abriram as cortinas, começando o show normal. Antes da apresentação foram colocados os artefatos. Ninguém disse que não podia colocar no show", contou. "Começou o show e usamos os artefatos que estavam colocados no palco. Tocamos no primeiro bloco, com quatro, cinco músicas. Após, me disseram que tinham pedido um tipo de música. Terminando esta, fui até o canto do palco e coloquei o artefato, foi feita a introdução, cantei a primeira parte e quando dei o refrão, levantei a mão e foi disparado o artefato", recordou o músico, não conseguindo conter as lágrimas. 

Ele disse que fez a coreografia, tirou a mão e ainda continuou."Senti, momento depois, meu irmão me cutucando nas costas e me disse que está pegando fogo. Olhou para o chão e viu que tinha uma bola de fogo. Neste momento, veio um rapaz com um extintor. Quando o rapaz chegou, eu larguei o microfone, peguei o extintor e gritei 'fogo, fogo, sai'. Só tive apenas uma chance de apagar o fogo, mas o extintor não funcionou", afirmou. 

Santos disse que entrou em desespero, que alguém gritou "vai vir mais extintores", mas não veio. "Quando vi que não tinha mais solução, peguei uma garrafa de água, mas não deu para fazer nada. O fogo era muito forte", disse. "Fui no canto do palco e vi que tinha pouca gente. Pensei que iria morrer", contou, ressaltando que não lembra mais de nada. "Não sabia o que estava acontecendo, só ardia os meu olhos e eu não conseguia respirar", disse, contando que quando voltou a si, já do lado de fora, ficou perdido, vendo as pessoas chorar e tratou de ir para o lado do Carrefour. "Quando se deu conta, estava no meio de pessoas mortas", desabafou, não contendo as lágrimas.

Recentemente, o réu contou que a família pegou Covid-19. Quando eles foram fazer a primeira consulta, receberam um remédio e foram mandados para casa: "só que eu e minha mãe pioramos". No dia 6 de junho deste ano, ele recebeu a notícia do falecimento da mãe. Mais tarde, Santos também precisou ser internado e ficou sabendo por um funcionário do hospital que a mãe tinha ficado na mesma cama em que ele estava.  

O depoimento de Marcelo encerrou após uma hora. Ele apenas respondeu as perguntas feitas pelo juiz Orlando Faccini Neto e de seus representantes jurídicos.

Marcelo foi o último réu a depor no plenário. Hoje foram escutados o ex-produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha e Mauro Hoffmann, que trabalhava como sócio da Boate Kiss. 


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