Operação na Praça do Capitólio retira moradores de rua

Operação na Praça do Capitólio retira moradores de rua

Comerciantes da região reclamam dos prejuízos, além do problema dos furtos que aumentam

Jessica Hübler

Operação revoltou moradores de rua, no Centro de Porto Alegre

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“Eles não podem fazer isso”, desabafou Luana Gonçalves Rodrigues, 25 anos, após perceber que seus pertences haviam sido levados no início da tarde desta sexta-feira da Praça General Daltro Filho, nas proximidades da Cinemateca Capitólio, no Centro de Porto Alegre. “Levaram tudo, roupas, nossos colchões. Tudo isso enquanto fomos buscar comida”, relatou.

Conforme Luana, não é a primeira vez que este tipo de operação acontece. “Uma vez eles vieram até com jato d'água pra cima de nós, trataram que nem bicho”, lembrou. Ela se referia a uma nova operação da Brigada Militar e, conforme o comandante do 9º BPM, tenente-coronel Rodrigo Mohr Picon, os policiais militares foram acionados após um desentendimento entre os moradores de rua.

“Teve uma briga ali, entre eles. Inclusive o Samu teve que ser chamado ali para atender um deles, que ficou machucado. Fizemos uma operação de revista e identificação deles”, afirmou. “Nada demais.” Conforme Picon, as abordagens foram feitas porque “aquilo ali está virado, tomaram aquela praça”. “Não deixam os moradores caminhar por ali, todos estão muito indignados na região. Está havendo muito consumo de drogas, então estamos fazendo operações”, explicou.

Na tarde desta sexta não foram apreendidas drogas ou armas entre as pessoas que ficam na praça.



BM nega ter solicitado retirada; DMLU e moradores de rua divergem

Sobre a retirada dos pertences, Picon explicou que não foi solicitada. “O que fizemos foi acionar o DMLU para fazer a limpeza e eles fizeram. Está tudo atirado. Quanto a estes pertences, me parece que eles têm um local ali, vão levando sujeira, e as crianças, os idosos, ninguém mais tem direito a nada. Eles deixam as coisas ali e saem a perambular durante o dia e fica ali aquela sujeirada, que eles chamam de pertences”, enfatizou.

Quanto aos objetos retirados pelo DMLU, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSurb) informou que a operação foi acompanhada pelos fiscais do DMLU e “tudo que foi para o caminhão era descarte dos moradores, com o consenso deles”.

Luana contesta. Afirmou que não é bem assim. “Já passamos muito por isso, agora sempre andamos com os documentos, porque já perdemos muitas vezes. Eles querem levar tudo”, acusou. Já Tayana Tayná Ferreira da Rosa, 33 anos, contou que conseguiu correr para evitar que a mochila do companheiro fosse levada. “Aqui está tudo dele, a identidade e a carteira de trabalho também, imagina se perde?”, questionou.

“Ninguém está na rua porque quer”

Uma moradora da região que preferiu não se identificar contou que na semana passada havia doado três sacolas de roupas para as meninas que ficam na praça. “Agora elas estão sem ter o que vestir, de novo. Juntei com amigas as roupas que podíamos doar e ajudamos elas. Por que precisam fazer essa crueldade?”, indagou. Tayana lamentou as operações frequentes e disse que todo o esforço para conseguir um bom colchão e algumas peças de vestuário, foi por água abaixo. “Agora vamos conseguir tudo de novo, para depois eles levarem. Ninguém está na rua porque quer, eu queria uma casa também”, ressaltou.

As duas residem nas ruas de Porto Alegre há mais de uma década. Segundo elas, problemas com familiares motivaram a saída das casas. “Era só problema o tempo todo, saí e assim foi melhor para todo mundo”, disse Tayana, que tem cinco filhos. Eles moram com a mãe dela na Restinga. Já Luana tem três filhos, todos em abrigos sob tutela do Conselho Tutelar. “Não tenho condições de criar eles”, reconheceu.

Para Defensoria, expulsão de moradores de rua é ilegal

Apesar de não ter havido uma operação de expulsão, a retirada dos pertences prejudica os moradores de rua que permanecem na praça. De acordo com a defensora pública Isabel Rodrigues Wexel, toda expulsão de morador de rua é ilegal em caso de não respeitar o devido processo legal. “Assim como as pessoas que possuem residência, os moradores de rua enxergam na sua casinha de papelão sua moradia. Portanto, é necessário esclarecer o porquê da remoção, para onde vão, se precisam de ajuda para levar seus pertences pessoais”, pontuou, antes de enfatizar: “Qualquer ação em sentido contrário, é desumana e ilegal”.

Moradores e comerciantes

Em nota, a  Associação Amigos da Praça Daltro Fillho – AAPDF destaca que a Brigada Militar foi chamada após testemunho presencial de moradores e comerciantes de outra briga com golpes de faca entre dois moradores de rua que frequentavam o local. Segundo a AAPDF, a mulher foi presa pela Polícia Civil por tentativa de homicídio e o homem atingido está internado no HPS em estado regular.

Ainda conforme a associção, o DMLU retirou os pertences com a concordância dos moradores. Eles apontam ainda que a sujeira no local é enorme e atrai ratos e inúmeros insetos, prejudicando diretamente os moradores e comerciantes.

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