Pandemia prejudica memória até de não infectados pela Covid-19, diz estudo nos EUA

Pandemia prejudica memória até de não infectados pela Covid-19, diz estudo nos EUA

Distanciamento social, home-office e ansiedade causados pela crise sanitária diminuíram a capacidade de criar e guardar lembranças

R7

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A retomada das atividades normais, após um longo período de isolamento e distanciamento social, é fundamental para que as pessoas retomem um elemento importante na vida de todos: a memória. Estudos da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, mostraram que a pandemia do novo coronavírus fez com que pessoas, infectadas ou não, deixassem de lembrar coisas importantes da vida.

No caso daqueles que se infectaram com a Covid-19, uma pesquisa feita pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor) mostrou que oito em cada dez pessoas apresentaram algum tipo de alteração de memória, capacidade de atenção e percepção do mundo, após a cura da doença.

Segundo Willian Rezende do Carmo, neurologista e chefe de equipe dos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em São Paulo, esses sintomas podem durar meses. "A Covid-19 pode afetar a parte emocional e a pessoa ficar mais ansiosa, com sono alterado, irritadiça e até com depressão. A Covid-19 piora o que a pessoa tem de pior. É muito comum ter problema de memória no pós-Covid, que pode durar semanas e meses", explica o médico.

Quem não ficou doente também foi atingido pela pandemia em diversos aspectos da vida. A falta de convívio com familiares, amigos e pessoas em geral, mudanças no esquema de trabalho, viver mais tempo em ambientes fechados são alguns dos fatores que devem ser considerados neste último ano e meio.

"O ser humano é um animal que deu certo em sociedade. Não é como outros bichos que vivem sozinhos. Temos uma área do cérebro, maior do que outras, focada em reconhecer a face humano. O cérebro humano é tão feito para ver rosto humano, que vemos rosto humano onde nem tem rosto humano. Nós demos certo assim, em contato com outras pessoas", ressalta o médico.

Essas mudanças influenciaram diretamente na memória e na formação de lembranças. "A pessoa lembrar de algo envolve etapas: desde de conseguir ter atenção em um evento, registrar, armazenar no cérebro, fixar o que foi guardado e ter o mecanismo adequado para evocá-lo novamente. A vida continuou na pandemia, só que de forma digital. Há estudos mostrando que quando estamos na presença de uma pessoa, ou em uma reunião, a chance de você prestar atenção no conteúdo tratado é absurdamente maior do que numa reunião online. E o primeiro ponto para criar memória é prestando atenção. Sem atenção, sem lembrança", alerta Carmo.

A diminuição da atenção está ligada aos inúmeros estímulos que competem com a atenção durante reuniões online. "Enquanto está na reunião, tem mensagem chegando no celular, no e-mail, ficam trocentas coisas ao mesmo tempo, na sua cara tirando a atenção. A pessoa não fica de maneiro imersiva na reunião", acrescenta ele.

Home-office prejudica formação de memória

O trabalho em casa é apontado como causa relevante para determinar a fixação da memória, já que a vida fica restrita a um único lugar ou ambiente. "É uma rotina muito mais simples: levanta vai para o computador, do computador para cama, da cama para o computador. Ela fica sempre no mesmo ambiente, praticamente não tem nenhum novo estímulo. A monotonia traz um efeito de acomodação para o cérebro e para atenção e a pessoa vai deixando de presar atenção nas coisas e a pessoa vai deixando de lembrar", observa o neurologista.

A pandemia mexeu com a saúde mental, o que também aumentou a ansiedade, mexeu com o sono, o comportamento e com a capacidade de consolidar memórias. "A consolidação da memória, antes de tudo precisa ter um bom sono e na pandemia, muita gente começou a dormir pior. Se o sono fica pior, se torna mais difícil consolidar a memória do que viveu".

Além disso, existe a falta a repetição. Conforme o dia a dia é vivenciado, se contam as próprias histórias a outras pessoas. Com isso, vão se amarrando os acontecimentos da vida, o que aumenta a chance de consolidação da memória. Estamos sem janelas de oportunidade para dividir a vida. Não vai ter repetição, não tem consolidação de memória", diz o médico.

Como resolver os esquecimentos?

A boa notícia é que, na maioria dos casos, é possível reverter os esquecimentos com rotinas comportamentais. Pequenas mudanças no dia a dia vão estimular o cérebro e a volta às atividades com cuidados especiais, já que a pandemia ainda está presente no Brasil, são suficientes para a memória voltar.

"Se for dada a opção de voltar a trabalhar no escritório, vale a pena ir, mesmo que não seja todos os dias. Se for continuar em casa, é fundamental ter um espaço que seja só de trabalho. Se não é possível, tem que tentar organizar um jeito para que a pessoa consiga acordar, levantar, tomar café, tomar banho, se vestir e, aí, entrar em ação o modo trabalho. Além de ser importante sair de casa e ter estímulos novos. Nem que seja caminhar pelas ruas do bairro, para no mínimo ver coisas, pessoas, ter outros estímulos", salienta Willian para as pessoas com sintomas leves de esquecimento e ansiedade.

Já entre as pessoas que apresentam um grau de moderado a severo de perda de memória e ansiedade, é indicado procurar um profissional. "Precisa de avaliação, já que podem ser indicados medicamentos e terapias específicas", conclui o neurologista.


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