Preço do etanol acima da gasolina traz alerta quanto ao uso

Preço do etanol acima da gasolina traz alerta quanto ao uso

Segundo relatos, na falta de álcool gel no mercado, muitas pessoas têm recorrido ao combustível

Felipe Samuel

Em muitos postos, o preço do etanol supera o da gasolina

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No momento em que o país adota medidas preventivas para conter o avanço do novo coronavírus, o aumento do etanol nos postos de combustíveis da Capital no começo da semana, sem justificativa prévia, chamou atenção dos consumidores. Em estabelecimentos da Zona Sul e da Zona Norte, o combustível está sendo comercializado com preços que variam de R$ 4,39 a R$ 4,49, acima da gasolina comum, que em alguns locais chega a ser vendida a R$ 4,19. De acordo com o Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Rio Grande do Sul (Sulpetro), a elevação do preço do álcool na bomba pode ter uma explicação inusitada: em função da falta de álcool em gel em farmácias e supermercados, uma parte da população está comprando etanol para fazer limpeza da casa.

Presidente do Sulpetro, João Carlos Dal'Aqua afirma que presenciou cena em que um senhor pediu ao frentista para encher com etanol uma bombona de 5 litros. Além de ter testemunhado a aquisição do produto para colocação em recipiente, Dal'Aqua revela que há outros relatos de clientes adquirindo etanol para fazer higiene de casa. Ele reforça, no entanto, que o Sulpetro desaconselha o uso do combustível para fins de higiene. “Claro que é perigoso, a função do álcool é abastecer veículos. É desaconselhável (comprar etanol para limpeza), mas não posso proibir de alguém insistir nisso”, frisa. Dal'Aqua observa que os postos de combustíveis já adotaram medidas para evitar a propagação do novo coronavírus, como redução do horário de funcionamento, fechamento das lojas de conveniência à noite e orientações de higienização.

Sem poder de fiscalização de preços juntos aos postos, o Sulpetro reforça que isso é atribuição do Poder Público. “Não monitoramos preço, nem podemos fazer isso, tem legislação. Sulpetro não se envolve em preços. É uma situação muito atípica, com os postos sofrendo quedas monumentais de venda, como todo mercado”, observa. De acordo com Dal'Aqua, nos últimos dias, com o fraco movimento na cidade, houve queda, em média, de 60% nas vendas. “Alguns não estão vendendo e de repente, para cobrir custo, estão vendendo por preços mais elevados”, avalia. Apesar de ressaltar que a venda de etanol 'é insignificante no Rio Grande do Sul', o dirigente afirma que muitos proprietários estão com os produtos parados nos tanques e precisam manter seus negócios com o 'mínimo necessário, sem aumentar custos'.

Médico infectologista e presidente da Comissão de Ética e Conduta do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), André Luiz Machado alerta que o uso de etanol para higiene pode provocar lesões de pele, uma vez que o produto é 'extremamente abrasivo' e concentrado. “É perigoso e uma irresponsabilidade um posto vender etanol com esse objetivo. É um produto altamente inflamável, agressivo, que causa irritação na pele”, critica. Machado frisa que não há nenhuma indicação para uso do produto para fins de higienização e observa que o ideal é a aplicação do álcool 70%. "Consegue desnaturar a membrana, a camada proteica do vírus, e inativá-lo. Não precisa ser acima disso, porque começa a ocorrer agressão na mucosa e ressecamento da pele", justifica. Na falta de álcool em gel, o especialista recomenda higiene normal com água e sabão. E reforça que o uso de etanol nas mãos, por exemplo, pode provocar fissuras na pele dos dedos. “Essas manifestações dermatológicas acabam inclusive impedindo a pessoa de fazer higienização na mão, porque ela vai sentir dor”, completa.

Marcelo Arbo, professor de Toxicologia da Ufrgs e do Programa de Pós-Graduação (PPG) de Ciências Farmacêuticas, critica o uso de etanol na limpeza da casa e reforça que a concentração do produto não desinfeta ou mata vírus ou bactéria, além de poder estar misturado com outras substâncias tóxicas. “Depende do que tiver no álcool do posto de gasolina. Pode ter solventes, que podem ocasionar queimaduras e provocar ressecamentos. Isso deixa a pele machucada, aberta, e propícia a qualquer tipo de infecção ou bactéria”, alerta. Segundo Arbo, para limpar casas ou superfícies é indicado uso de água sanitária. “Na falta de água seria suficiente. E até mais barato”, completa.

Diretor-executivo do Procon-RS, Luis Felipe Martini afirma que fiscalização não é função do Procon-RS, embora tenha relação de consumo. Ele garante que a fiscalização precisa ser feita pelas secretarias municipais. Martini garante, no entanto, que a entidade não recebeu reclamações de aumento injustificado do preço do etanol. A orientação é para que as pessoas façam denúncia através do Procon RS das suas cidades. “Em cima das denúncias, os fiscais, que são poucos, vão notificar o fornecedor desse produto para que justifique aumento do preço. Se não justificar, vai ser notificado”, afirma.


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