Reduto dos skatistas em Porto Alegre ainda é na boa e velha pista do IAPI Skate Park

Reduto dos skatistas em Porto Alegre ainda é na boa e velha pista do IAPI Skate Park

Mesmo com a maior pista da América Latina inaugurada junto à Orla, pista no bairro Higienópolis continua sendo referência para profissionais e amadores

Christian Bueller

Com 4 mil metros quadrados, pista ganhou o nome pela proximidade com a Vila IAPI

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Em outubro de 2021, Porto Alegre ganhou a maior pista de skate da América Latina, junto à Orla do Guaíba. Como toda boa novidade, o local recebe, toda semana, milhares de pessoas, de praticantes a curiosos, no ponto atualmente mais procurado para a prática do esporte na cidade. A cerca de seis quilômetros dali, no bairro Higienópolis, multidões não fazem mais parte do cotidiano do IAPI Skate Park, até então, o espaço de referência para profissionais e amadores na Capital. Mas as manobras continuam deixando rastros na Praça Frederico Arnaldo Ballvé e estão longe de se encerrarem por ali, ainda que a pista do Centro seduza até quem não entende de skate. 

Na tarde de sábado, um pouco mais de 40 pessoas utilizaram a pista pública que foi um dia a maior do Brasil na modalidade street skate, com seus 4 mil metros quadrados que ganhou o nome pela proximidade com a Vila IAPI, criada em 2001. Os skatistas profissionais Cezar Gordo e Marcus Cida, junto a outros colegas, depois de muitas tratativas com poder público e privado, conseguiram reproduzir um espaço similar às características do Centro de Porto Alegre, berço do skate na cidade. O amor pelos picos de ruas da Capital serviu como referência ao projeto: o piso de basalto polido foi inspirado na Praça da Matriz, os bancos da Praça XV e os corrimões da antiga Câmara dos Vereadores. Esses aspectos ainda são percebidos duas décadas depois. 

Piso de basalto da Praça da Matriz foi replicado na pista, assim como outras características das ruas da Capital. Foto: Matheus Piccini

A redução de pessoas na pista do IAPI não é vista como algo negativo por boa parte dos skatistas com quem a reportagem conversou. Moradores da região, os primos Ricardo, 27 anos, e Leonardo, 25, Pires passaram a manhã de sábado na Orla e decidiram retornar ao cenário onde “dropam” (descem as rampas) desde criança. “Lá estava meio cheio”, reclamou Ricardo. “Tem pessoas passeando com cachorro, ciclistas. Aqui é melhor, mais skate mesmo”, completa. Outro fator favorável é a fartura de árvores em caso de dias de sol mais intenso, ao contrário da pista à beira do Guaíba. “Por enquanto, até sentimos frio em alguns dias, tem bastante vento. Mas quando chega o verão, o verde é um respiro”, confirma Leonardo. 

Para Gustavo Oliveira, 27 anos, estudante de fisioterapia e que trabalha com a biomecânica do esporte, também ficou melhor dar aulas na pista com o espaço que ganhou sem as aglomerações do passado. Há três anos, ele auxilia alunos que querem aprender a dominar as ondas do mar simulando as manobras aquáticas sobre rodas: ele é professor de surf skate. “Conseguimos analisar bem o que precisam melhorar, é mais tranquilo para ensinar. Está certo que, na Orla, temos uma Califórnia dentro de Porto Alegre, é um paraíso. Mas a história que tem por trás daqui, não se tira. O IAPI é o berço”, explica. Oliveira desenvolveu o projeto Evolua Surfe Skate, que capacita surfistas por meios dos movimentos e fundamentos do skate para quem não tem condições de treinar no litoral. 

Crianças querem é dropar 

A efervescência sobre as quatro rodinhas ganhou contorno com a inclusão recente como esporte olímpico e o sucesso de Rayssa Leal, a Fadinha do Skate, ídola de uma nova geração que atrai ainda mais pessoas para este universo. O casal Diego Pedroso e Paula Vidarte não é praticante, mas os filhos se esbaldam e ficam, literalmente, por horas subindo e descendo das rampas. “Trazemos aqui na pista do IAPI para extravasarem, gostam muito. Quando não tinha a Orla era muito cheio aqui, a gente achava perigoso”, contou o pai do Vicente, 7 anos. Residentes na Vila Jardim, costumam aproveitar a pistas todos os finais de semana. “É bem legal andar por aqui. Me sinto bem”, resume Pedro, 10 anos, filho de Paula. Quem não usa a pista pode se sentar nos muros para tomar um chimarrão e curtir quando o sol aparece. “Começar no skate não vou, até pelo peso e a idade. Vou deixar para eles”, brinca Pedroso. 

Pista do IAPI também atrai as novas gerações. Foto: Matheus Piccini

Ainda que seja um esporte individual, o skate aproxima pessoas que não se conhecem. Com crianças, este aspecto é ainda mais detectável. Pedro e Vicente logo fizeram amizade com outros meninos e meninas que brincavam na pista. Também irmãos, os falantes Manuela Soares, 14 anos, e David, 11, pareciam arregimentar uma equipe de skatistas mirins ao longo da praça. “A diferença para outros esportes é que vibramos um pelo outro e apoiamos quando um erra”, ensina Manu, como se fosse uma esportista experiente. David, que diz sentir uma “‘vibe’ muito forte” sobre as rodinhas, logo foi “dropar” com a nova amiga, Maria Clara Viana, 9 anos, como se não houvesse amanhã. 

Uma forma de exercer a cidadania 

“O skate mudou minha vida”. A afirmação é do nutricionista e professor de Educação Física Ismael Mesquita, 38 anos, que frequenta a pista do IAPI desde sua inauguração. Ele lembra os primórdios do local, reduto de muitos skatistas profissionais da Capital. “Muitos talentos que ganharam campeonatos no RS e Brasil saíram daqui. No início, tinha terra no lugar da grama e a gente embarrava toda a pista”, sorri. Uma rampa em especial marcou sua trajetória. “Nesta aqui (ele aponta), dei meu primeiro ‘drop’. Um amigo me incentivou e consegui fazer. Faço só por amor, não disputo campeonatos. Já rodei por vários estados, mas sempre volto aqui”, se emociona. 

Mesquita já perdeu contato com vários conhecidos que optaram por outros vícios que não o pelo esporte. Por isso, ele comemora a escolha por uma existência mais saudável. “O skate foi a primeira coisa que me mostrou que eu podia ser capaz de atingir meus objetivos. Dei primeira manobra, a segunda, a terceira. E o skate ajudou toda uma geração”, conta o morador do bairro Auxiliadora, que é “cria” do Cristo Redentor. Ele tinha 6 anos de idade quando assistia competições em Tramandaí que chamavam a sua atenção. “Ganhei meu primeiro skate com 13 anos e não parei. Sem o skate, não sei onde eu estaria agora. Não teria nem tido vontade de buscar uma faculdade. Teria uma vida vazia”, revela. 

O nutricionista lamenta quem ficou “no meio do caminho” e sem propósito de vida. “Sabemos que são poucas as oportunidades, nem todos as têm. Mas é bom saber que o skate não é só um esporte, é também um meio de transporte para muitos que vão para o trabalho e a escola. O skate é umas das formas de exercer a cidadania”, completa Mesquita, antes de dar mais uma “dropada”. Atualmente, o professor, antes das aulas, sempre arruma um jeito de dar uma passada naquela mesma rampa para aquecer e espairecer.


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