Santa Casa de Porto Alegre demite todos os médicos do setor de obstetrícia

Santa Casa de Porto Alegre demite todos os médicos do setor de obstetrícia

Funcionamento da maternidade, que esteve fechada, ficou a cargo de uma empresa terceirizada

Henrique Massaro

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A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre demitiu todo o setor de obstetrícia, com exceção dos médicos que estão em férias ou em licença. Os desligamentos ocorreram entre esta terça e quarta-feira, devido a questões financeiras, e o funcionamento ficou a cargo de uma empresa terceirizada, que contrata profissionais sem vínculo empregatício. Já na terça-feira, a emergência obstétrica acabou sendo fechada, segundo a instituição hospitalar devido a “profissionais contaminados por Covid e dificuldades para composição completa na escala”. Os médicos demitidos, contudo, alegam que não houve infecção na maternidade, e que o motivo do fechamento foi apenas a dificuldade de viabilizar uma equipe completa junto à empresa.

O médico Rui Soares Silveira, que desempenhava a função de supervisor da maternidade e do plantão, trabalhou por 35 anos no setor da Santa Casa. Na terça, foi chamado para comparecer no setor administrativo, onde foi demitido. “Pensei que era uma coisa pontual, mas era para todo mundo. Fizeram uma demissão em massa, de 10 em 10 minutos, começando as 7h30min”, conta. Segundo ele, a maioria dos profissionais foram desligados entre terça e quarta, e os que estão em férias e licença serão demitidos quando retornarem. “Alegaram que, para a maternidade ter algum retorno, teriam que cortar os custos, e, aí, cortaram custos demitindo todo o quadro”, diz.

As mudanças no hospital, diz Silveira, começaram há cerca de um mês, quando a empresa Promed foi contratada para a cobertura de plantões, que sempre funcionaram com quatro pessoas durante o dia e três à noite. Conforme o ex-supervisor, no dia 1º de janeiro o serviço funcionou apenas com profissionais contratados da Santa Casa, pois a empresa não conseguiu médicos pra o plantão. Ainda de acordo com ele, quando a Promed começou a atuar no local, a diretoria da instituição garantiu que haveria uma mescla, com metade do serviço funcionando com a equipe existente e a outra metade terceirizada. “Acredito que a minha demissão estaria encaminhada há mais tempo, até porque tinha um cargo de supervisor, mas o restante do grupo pegou completamente de surpresa. Até porque, numa dessas reuniões, foi perguntado se tinha a possibilidade de ter demissões e a resposta foi não.”

Uma das médicas demitidas, que preferiu não se identificar, relata que, logo após os desligamentos, já houve dificuldade para fechar a escala de trabalho. Segundo ela, a empresa enviava mensagens em um grupo de WhatsApp oferecendo plantão obstétrico de 12 horas pelo valor de R$ 1,8 mil, mas não conseguia profissionais suficientes. “Fecharam a maternidade e colocaram um comunicado dizendo que foi fechada por pessoas contaminadas pro Covid, mas, na verdade, não. Foi fechada porque eles simplesmente demitiram as pessoas e não tinham um projeto de retaguarda”, afirma.

Sindicato lamenta “pejotização” na Santa Casa

A “pejotização”, como é chamada esse tipo de prática – em alusão à PJ, de pessoa jurídica – tem ocorrido em hospitais Brasil afora, segundo a diretora do núcleo de obstetrícia do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Márcia Barbosa. “É uma tendência, por questões de custo, porém, é um barato que sai caro”, afirma. No caso da Santa Casa, diz, perde-se um serviço que é considerado referência. “De uma hora para outra, uma estrutura muito boa, exemplar, foi desmantelada e entraram médicos que nem conhecem a Santa Casa, que não têm vínculo, não conhecem as rotinas que são traçadas ao longo de muitos anos e estudos”, explica.

A diretora do Simers também afirma que as contratações feitas por este tipo de empresa costumam gerar problemas no fechamento de escalas devido à dificuldade de se contar com profissionais que não possuem vínculo empregatício. Ela também lamenta que a Santa Casa faça demissões em massa próximo à inauguração do Hospital Nora Teixeira, previsto para o segundo semestre, com uma nova maternidade. A construção foi viabilizada boa parte por doações do casal Alexandre Grendene e Nora Teixeira e está sendo considerada um marco para a instituição.

Hospital explica desligamento

Contatada pelo Correio do Povo, a Santa Casa de Misericórdia afirmou que todas as medidas têm como objetivo garantir qualidade e segurança assistencial aos pacientes. Confira, abaixo, a nota na íntegra: 

“Todas as decisões realizadas pela direção da Santa Casa têm como prisma a garantia da qualidade e segurança assistencial dos seus pacientes. Tendo em vista a revisão da modalidade de contratos, a instituição realizou na terça-feira (4/1) o desligamento de 22 médicos obstetras, que foram substituídos já no mesmo dia por uma nova equipe, com um novo formato de contrato, vínculo jurídico e que será responsável por manter os atendimentos normalmente.

No primeiro dia da nova equipe, outras duas situações impactaram os atendimentos: a primeira delas, determinante para a redução de atendimento, foi a superlotação da UTI Neonatal; a segunda situação envolveu a redução de equipe devido à identificação prévia de dois profissionais contaminados com Covid-19. Com isso, a entrada de pacientes precisou ser restringida, sendo realizado apenas o atendimento de pacientes graves e urgentes. Nesta quarta-feira, a UTI Neonatal permanece com superlotação, o que exige a manutenção da restrição, mas a equipe de profissionais foi reposta e segue realizando todos os atendimentos necessários”.

 


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