Sobrevivente da Kiss diz que precisou reaprender a caminhar e ficou um mês na UTI

Sobrevivente da Kiss diz que precisou reaprender a caminhar e ficou um mês na UTI

Delvani Rosso perdeu três amigos e emagreceu 20 quilos após tragédia: "Era um prisioneiro do meu corpo"

Correio do Povo

Sobrevivente da Kiss diz que precisou reaprender a caminhar após tragédia

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Era para ser relativamente tranquilo o quinto dia do julgamento dos quatro réus acusados pela tragédia da Boate Kiss, ocorrida há quase nove anos, em Santa Maria. Os trabalhos no júri do plenário do 2º andar do Foro Central (prédio 1), em Porto Alegre, iniciaram com o depoimento do engenheiro civil Tiago Mutti, em torno das 10h12min deste domingo. O profissional, que foi arrolado pela defesa de Mauro Hoffmann, auxiliou nas obras da reforma da casa noturna em 2009, quatro anos antes do incêndio que vitimou 242 pessoas e deixou 636 feridos.

O seu depoimento se estendeu até as 16h20min, ou seja, foram quase seis horas, contando as pausas e o intervalo para o almoço. Não houve algo excepcional (leia mais abaixo), mas então chegou a vez do sobrevivente Delvani Rosso ser ouvido. Eram 16h20min e o cenário mudaria radicalmente. Desde o início, Rosso estava com dificuldades de verbalizar o que testemunhou.

Em algumas oportunidades, precisou silenciar o depoimento e também chorou. “Eu lembro que, apesar da lotação, estava tudo correndo normal. Lembro que vi um menino pulando na copa e gritando que tinha fogo. Não dei muita bola, pensei que fosse briga. Estávamos em sete amigos, e entrelaçamos os braços. Fomos caminhando para sair. Perto do aquário as pessoas estavam muito agitadas. Quando vi, era cada um por si. Quando ficou escuro, vi que a fumaça ficou muito forte. Percebi que eu não conseguiria sair. Comecei a inalar a fumaça e meus joelhos ficaram fracos e perdi a força”, relatou, muito emocionado.

Também lembrou que o irmão saiu da casa noturna chutando a porta, porque os seguranças não queriam deixar as pessoas saírem por acharem que ocorria uma briga. O juiz Orlando Faccini Neto pediu para o sobrevivente levantar a camisa e exibir as queimaduras das costas e dos braços para os jurados. O clima ficou pesado na plateia. “Quando comecei a cair, me despedi de minha família e pedi desculpas pelo que pude ter feito de errado”, revelou. Neste momento, muitos familiares na plateia começaram a chorar  

Algumas mães foram conduzidas e amparadas até o setor de atendimento médico localizado no Foro. “Onde essa gente é inocente?”, questionava uma mãe, chorando inconsolada. Delvani, que ficou internado um pouco mais de dois meses, incluindo um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), perdeu três amigos que estavam com ele na casa noturna. O sobrevivente também desaprendeu a caminhar e emagreceu 20 quilos. Após acordar do coma e estar com traqueostomia para poder respirar, a vítima compartilhou o que sentiu: “Era um prisioneiro do meu corpo”. Ele teve três paradas cardiorrespiratórias enquanto lutava pela vida. Desde o começo do julgamento, na quarta-feira passada, seu testemunho foi um dos mais fortes.

Primeiro depoente

Durante sua fala, Tiago Mutti afirmou que o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) estava em dia nos anos em que teve contato com a Boate Kiss. O depoente foi rebaixado de testemunha à condição de informante por responder a dois processos – de fraude e falsidade ideológica, mas explicou que ao menos um deles já está encerrado. Informante significa que a pessoa não precisa jurar dizer a verdade no júri. “É apontado que ele colocou um ‘laranja’ como titular no contrato da Boate Kiss, mas ele de fato era proprietário. E ele está respondendo criminalmente por isso. Entendo que ele não pode ser ouvido com compromisso”, argumentou a promotora de acusação Lúcia Callegari.

Em visita posterior após vender a sua parte na boate, Mutti disse não ter visto espuma na Kiss, mas lembra de ter enxergado a presença de extintores de incêndio. De acordo com o Mutti, ele não testemunhou shows pirotécnicos na casa. Os ânimos se acirraram momentaneamente no julgamento. O advogado de defesa de Mauro Hoffmann questionou o depoente sobre ter conhecimento da existência de alvarás de órgãos públicos, como o próprio Ministério Público. O juiz questionou a pertinência da pergunta.

Em outro momento, o juiz Orlando Faccini interrompeu a fala de Thiago Mutti. O juiz criticou o informante dizendo “o senhor pareceu dar duas ou três frases prontas sobre a superlotação da boate.” Orlando Faccini Neto lembrou que Mutti não poderia ser processado por falso testemunho, por não ser testemunha, mas que deveria falar a verdade. A defesa contestou o comportamento do magistrado. A promotora Lúcia Callegari ainda questionou o depoente sobre questões contratuais e outros detalhes acerca do limite de público da Boate Kiss.


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