Sputnik: reunião teve diálogo sem tradução e admissão de "defeito"

Sputnik: reunião teve diálogo sem tradução e admissão de "defeito"

Anvisa divulgou trecho da reunião em que técnicos apontavam aos russos presença de adenovírus replicante na vacina

R7

A Sputnik V utiliza dois adenovírus diferentes para cada dose

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nesta quinta-feira um trecho de uma reunião em que aponta a pesquisadores do Instituto Gameleya, na Rússia, a presença de adenovírus replicante na vacina contra Covid-19 Sputnik V. O problema foi apontado como razão da negativa para importação do imunizante. O diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, afirmou que foram os próprios documentos enviados pelo desenvolvedor russo que apontavam a presença de adenovírus replicante.

A Sputnik V utiliza dois adenovírus diferentes para cada dose. Ambos servem como uma espécie de envelope para carregar material genético do coronavírus. Uma vez rompida essa cápsula do adenovírus, o organismo vai ser capaz de produzir anticorpos capazes de atuar contra o SARS-CoV-2. "A Anvisa atuou com os documentos enviados pelo próprio desenvolvedor, onde identificou o próprio desenvolvedor a definição da presença do adenovírus replicante", afirmou Barra Torres.

O gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, apresentou as tabelas que mostram as inconsistências identificadas pelos técnicos.

"A empresa estabelece uma especificação de adenovírus replicante para o produto terminado. Muito se discutiu se o que estávamos falando era um produto intermediário da fabricação, mas os dados que nós analisamos, que foram apresentados pelo Instituo Gamaleya, são dados que mostram que há presença do vírus replicante e há uma aceitação do limite de adenovírus replicante no produto acabado. Essa especificação é definida 300 vezes maior do que o maior limite regulatório que nós encontramos que é o guia da FDA (agência reguladora dos EUA), que trata especificamente de terapias gênicas, não trata de vacina."

Ele salientou que o esperado, especialmente em vacinas contra a Covid-19, é a "ausência de vírus replicante". Então, no dia 23 de março, técnicos da Anvisa e pesquisadores do Instituto Gamaleya se reuniram por videoconferência para que fossem respondidas as dúvidas da agência brasileira.

Mendes mostrou o áudio de um trecho da reunião — que é gravada, assim como todas outras.

Uma técnica da agência é clara ao perguntar sobre a presença do adenovírus replicante.

"Quando vocês continuaram com esse desenvolvimento, qual foi a avaliação de risco conduzida para realmente avaliar o risco da presença dessas partículas na vacina, porque será administra em pessoas saudáveis. Então, qual é a justificativa que vocês têm para seguir com esse desenvolvimento de uma vacina que será usada em pessoas saudáveis? Isso é algo que deveria ser considerado na avaliação de risco, e nós queremos ter detalhes sobre isso."

Por meio de uma tradutora, os pesquisadores da Rússia respondem:

"Os representantes da Gamaleya, eles disseram que para a produção da vacina usaram uma linha de células caracterizada, o que pode ter seus defeitos, e claro que vocês têm razão que talvez possamos ter ido atrás, fazer um passo atrás, e começar usando uma nova substância, mas dizem que esse processo devia ter ocupado muito tempo. Assim, nós optamos por outra, por a mesma substância que usamos no início", diz a tradutora.

Posteriormente, a Anvisa afirma que "em vários momentos da reunião, os representantes fizeram comentários em russo com pausas que chegaram a 4 minutos. Esses debates não foram traduzidos pelo profissional contratado pelo laboratório russo".

Os desenvolvedores russos concordaram que a Anvisa enviaria a eles, por escrito, as inconsistências para que fossem respondidas posteriormente.

Em 26 de março, a resposta chegou, mas incompleta, segundo Gustavo Mendes.

"As justificativas apontadas não contemplam as questões que nós colocamos como críticas. São questões que envolvem a presença desse adenovírus replicante e de que forma esse adenovírus pode impactar a nossa saúde."

A Diretoria Colegiada da Anvisa decidiu no mesmo dia, por unanimidade, pela negativa do pedido de importação da vacina, levando em conta, principalmente, o risco oferecido pela presença de adenovírus replicante na Sputnik V.


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