Alemanha suspende autorização para gasoduto Nord Stream 2 por crise ucraniana

Alemanha suspende autorização para gasoduto Nord Stream 2 por crise ucraniana

Medida foi tomada depois que Moscou reconheceu a independência de províncias ucranianas pró-russas

AFP

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O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou nesta terça-feira (22) a suspensão da autorização para o controverso gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia à Alemanha, depois que Moscou reconheceu a independência de províncias ucranianas pró-russas.

"Sem essa certificação, o Nord Stream 2 não pode ser colocado em operação", disse Scholz em entrevista coletiva com o primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, acrescentando que o assunto seria "reexaminado" pelo governo alemão. "Não podemos aceitar o reconhecimento (das regiões pró-Rússia) e por isto é tão importante reagir agora e rápido", disse.

O Nord Stream 2 foi concluído em novembro, mas não entrou em operação. É um projeto que provocou dúvidas econômicas e geopolíticas desde o início.

O início da operação dependia de uma certificação da agência reguladora alemã de energia, que estava analisando o possível desrespeito a dispositivos da legislação alemã e europeia. Mas agora o governo alemão decidiu dar um passo à frente com a suspensão, consequência dos últimos eventos na fronteira entre Rússia e Ucrânia.

O Nord Stream 2 mede 1.230 quilômetros sob o Mar Báltico e tem capacidade de 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano. Segue o mesmo percurso que o Nord Stream 1, que funciona desde 2012.

O gasoduto evita o território ucraniano e aumentará o abastecimento de gás russo à Europa, no momento em que a produção própria registra queda.

O chanceler alemão advertiu para "outras sanções" em caso de agravamento da situação na fronteira ucraniana. Também disse que confia na aprovação de medidas punitivas "fortes" contra a Rússia por parte da União Europeia. Apesar das declarações, Scholz pediu mais oportunidades à diplomacia para evitar uma "catástrofe". "É o objetivo de todos os nossos esforços diplomáticos", disse.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, já havia exigido nesta terça-feira a interrupção "imediata" do projeto. "Concordamos sobre a necessidade de impor sanções imediatas contra este novo ato de agressão contra a Ucrânia", declarou Zelensky, em uma entrevista coletiva ao lado de seu homólogo da Estônia, Alar Karis.  "Essas sanções devem incluir a interrupção total do Nord Stream 2", acrescentou, referindo-se ao gasoduto que está concluído, mas não entrou em operação à espera do sinal verde da Alemanha.

Alemanha quer reduzir sua dependência do gás russo

A crise na Ucrânia expôs a dependência energética da Alemanha em relação ao gás russo e estimula o debate na principal economia europeia sobre a necessidade de desenvolver energias renováveis. "A arriscada dependência da Alemanha em relação ao gás de Putin", resumia no dia 28 de janeiro a empresa pública de radiodifusão Deutsche Welle, em meio a críticas ao governo alemão por sua aparente ambiguidade nesta crise, dividido entre a solidariedade para com seus aliados ocidentais e a necessidade de cuidar de seu grande fornecedor.

Mais de 55% das importações de gás da Alemanha procedem da Rússia, um número 15 pontos superior ao de 2012, de acordo com o último relatório da "Statistic Review of World Energy" ("Revisão Estatística da Energia Mundial", em tradução livre). O gás aquece 50% dos lares alemães e representa 26,7% do consumo primário de energia, de acordo com números oficiais.

A estreita cooperação energética entre as duas potências se materializa com a construção do polêmico gasoduto Nord Stream 2, que os liga diretamente pelo Mar Báltico e que tem o ex-chanceler Gerhard Schröder entre seus dirigentes. Esta infraestrutura priva a Ucrânia de seu papel de conector entre Rússia e União Europeia (UE) e, portanto, de uma significativa receita. Se sanções econômicas forem impostas por uma invasão russa, o gasoduto poderá ser afetado.

Transição energética

Tendo os Verdes como membro fundamental, o atual governo de coalizão na Alemanha quer reduzir essa dependência e impulsionar a transição para as energias renováveis - uma de suas prioridades.  "O abandono progressivo dos combustíveis fósseis vai reforçar a Europa em termos geopolíticos", analisou recentemente o ministro alemão da Economia e do Clima, Robert Habeck. 

"Vemos que as questões geopolíticas e de segurança estão vinculadas à segunda maior crise do nosso tempo: a política climática", afirmou. 

O governo estabeleceu a meta de atingir 80% de eletricidade de fonte renovável até 2030. Para isso, Berlim pretende lançar este ano um enorme programa de construção de parques eólicos em 2% do território, além de impor a instalação de painéis solares nos telhados dos edifícios. 

"Enriquecer nossa matriz energética com muito mais fontes renováveis é uma contribuição importante para uma maior segurança energética", frisou a ministra alemã das Relações Exteriores, a ambientalista Annalena Baerbock, na semana passada. 

Há, no entanto, um problema de curto prazo. Paradoxalmente, a transição energética vai aumentar o consumo de gás, alternativa temporária ao abandono da energia nuclear, processo que termina no final do ano, e o do carvão, previsto para 2030.

Estas energias são utilizadas como apoio das renováveis, quando não há sol ou vento suficientes. Sem elas e até que as infraestruturas de armazenamento de energia renovável estejam prontas, o gás deverá assumir essa função. 

O instituto econômico Fraunhofer calcula que, até 2030, a Alemanha terá de aumentar em um terço sua produção de energia elétrica originada no gás. O programa do governo prevê "acelerar (...) a construção de centrais de gás modernas" para "garantir a segurança do abastecimento".

E o consumo de gás já está aumentando. No ano anterior, o país gastou 1 bilhão de kWh, um aumento de 3,9% interanual.

Alternativas

Como se livrar do abraço de Moscou? O governo conta com maior diversificação de importações. 

Uma "alternativa" seria "a plena utilização de terminais europeus de metano", onde o gás liquefeito transportado por via marítima é entregue, segundo fonte do Ministério da Economia. O uso destes recursos procedentes, em especial, de Estados Unidos, Austrália, ou Catar, implicaria, no entanto, um encarecimento dos preços da energia, completou a mesma fonte. 

É uma questão delicada em um contexto de forte inflação no mercado energético europeu, sobretudo, na Alemanha, onde a questão do aumento de preços é politicamente explosiva. Além disso, a inflação pode piorar ainda mais, diante da escassa reserva nacional de gás, abaixo de 42% da capacidade. Este é um nível excepcionalmente baixo. 

 


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