Mulheres sofrem desamparo diante de feminicídios na Áustria

Mulheres sofrem desamparo diante de feminicídios na Áustria

Entre 2010 e 2020, 319 mulheres foram assassinadas, principalmente pelo companheiro ou ex-companheiro

AFP

Número "31" se destaca em um memorial improvisado em Viena

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O número "31" pintado em vermelho-sangue se destaca em um memorial improvisado em Viena. É o número de feminicídios ocorridos no ano de 2021 na Áustria, onde os assassinatos de mulheres superam os de homens.

Depois de muito tempo negando essa realidade, este país está se conscientizando de um paradoxo cruel: o número de crimes mortais está diminuindo, mas as mulheres são a maioria entre as vítimas, algo raro na União Europeia (UE).

Os números oscilam, mas entre 2010 e 2020, 319 mulheres foram assassinadas, principalmente pelo companheiro ou ex-companheiro, detalha um estudo solicitado pelo governo. Tendo em conta a sua população de 8,9 milhões de habitantes, é uma das taxas mais elevadas da UE, segundo dados do Eurostat.

Longe dos grandes protestos organizados na Espanha ou no México, a questão ficou submersa na Áustria e só recentemente surgiu no debate público, após alguns acontecimentos particularmente sórdidos. Em 5 de março de 2021, uma mulher de 35 anos apresentada como Nadine W. foi estrangulada com um cabo em sua tabacaria por seu ex-parceiro e depois queimada. Ela morreu um mês depois no hospital.

"Brutalidade inusitada"

O governo lançou uma campanha de conscientização e intensificou seus esforços reservando quase 25 milhões de euros no novo orçamento de 2022 para combater a violência contra as mulheres. Para que as vítimas não caiam no esquecimento, Ana Badhofer começou a listar seus nomes em um muro da capital.

"Poucos se indignam" com esses crimes "de inusitada brutalidade", lamenta a militante, que cita o caso de uma jovem que foi deixada agonizando em frente de um prédio do governo em novembro, depois de levar uma surra fatal com um taco de beisebol.

Karin Pfolz, que viveu esse inferno durante os dez anos de seu casamento, ainda se lembra de sua extrema solidão. "Não tinha com quem conversar. Muitas de nós ficamos caladas por vergonha, por medo da reação social", diz essa mulher que agora visita escolas para compartilhar sua experiência. Do lado de fora, a violência é invisível, os golpes são escondidos. "O olho roxo é um clichê".

Dependência econômica

Proporcionalmente, a taxa de feminicídio é muito inferior à da Rússia ou do Brasil, os países mais perigosos. Mas num contexto onde a lei costuma ser respeitada e existe uma rede de apoio, "a situação é incompreensível", avalia Maria Rösselhumer, responsável pela AÖF, principal gestora dos centros de acolhimento.

Nesse país católico, muitas mães ficam em casa ou trabalham meio período. Além disso, ganham 20% menos do que os homens, uma diferença salarial só superada na União Europeia pela Estônia e Lituânia. Nestas condições, poucas se atrevem a dar o passo de deixar o parceiro violento. "Quando você sai, você se encontra na rua com um saco plástico em uma mão e seu filho na outra", diz Karin Pfolz. Ao fugir, ela se sentiu "como uma refugiada em seu próprio país".

Maria Rösselhumer também aponta "uma real falta de respeito e desprezo pelas mulheres" na política, um machismo que se acentuou com a coalizão governamental entre conservadores e extrema direita entre 2017 e 2019. O país foi criticado em dezembro pela comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, que pediu a mobilização de "recursos suficientes" e uma "abordagem ambiciosa e global".


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