Câmara de Porto Alegre tem experiência pioneira do mandato coletivo

Câmara de Porto Alegre tem experiência pioneira do mandato coletivo

Coletivos apresentaram uma nova maneira de exercer o mandato no legislativo

Flávia Simões*

Reginete Bispo (ao microfone) e as demais integrantes do primeiro mandato coletivo na Câmara

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Além da renovação de 50% na composição, o legislativo municipal teve, pela primeira vez, uma candidatura coletiva, que ocupou, por cerca de quatro meses, lugar na Câmara de Porto Alegre. Na suplência da vereadora Laura Sito (PT), que se afastou em licença a maternidade, Reginete Bispo (PT), que integra o coletivo Mulheres Negras, esteve de março até o final de julho dentro do Parlamento e participou de votações decisivas, como a votação dos dois turnos da Reforma da Previdência. Integrante do bloco de oposição, o mandato atuou na resistência aos projetos enviados pelo Executivo. 

A reportagem encerra uma série de matérias especiais que o Correio do Povo publica sobre o primeiro semestre de trabalhos no Legislativo porto-alegrense em 2021.

Com Reginete, o coletivo é composto por outras quatro co-vereadoras, como se denominam, são elas: Josiane França, Karina Ellias, Nara de Oxalá e Thayná Brasil. “Ao invés de uma, são cinco pessoas trabalhando pela cidade”, pontua Reginete. A ideia do mandato coletivo, segundo ela, foi o de pensar em novas formas de se fazer política, com mandatos menos individualizados e, desta forma, mais democráticos. 

A vereadora explica que as cinco tiveram vínculo com o gabinete e, duas vezes por semana, o grupo se reuniu para discutir e deliberar sobre propostas e demais assuntos. Por se tratar de uma suplência, o mandato não obteve cargos dentro da Casa e, por isso, “precisavam ser criativos”, conta Reginete.

Os mandatos coletivos não estão previstos na lei e, na prática, apesar dos projetos e dos votos serem decididos em conjunto, apenas um voto é computado e só o nome de Reginete, que encabeçou a chapa na eleição de 2020, consta como autora das proposições. Em relação ao subsídio, a vereadora explica que “serve como suporte para todas as vereadoras”.

Nesses quatro meses em que ocupou o cargo, o coletivo propôs três projetos de lei, entre eles o PL 158/21, que regulamenta e lei federal de acessibilidade e propõe adequações no transporte público para o atendimento aos passageiros com deficiência ou mobilidade reduzida; e o PL 159/21, que institui o Hip Hop como patrimônio cultural da cidade. Além de diversos pedidos de providência para resolver problemas nas comunidades, e a criação da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional. 

Cada ação é acompanhada diretamente por uma das co-vereadoras e avaliadas em conjunto por todas. “Todas as nossas pautas estão sempre cruzadas pela pauta racial e pela pauta de gênero. Entendemos que o enfrentamento ao racismo e o enfrentamento ao machismo são elementos fundamentais à democracia”, afirma.

“Acredito que o mandato tem visibilidade porque todas somos muito atuantes. É um trabalho incessante, a cidade demanda muito nesse momento”, afirma Reginete. A multiplicidade das vereadoras permitiu que o coletivo tenha representatividade em diferentes frentes, da defesa das religiões de matriz africana, do direito à terra e até da acessibilidade.

“Não somos apenas oito. Somos centenas”

Giovani Culau representa o mandato coletivo formado por oito integrantes. Foto: Elson Sempé Pedroso/ CMPA / CP

Apesar do curto espaço de tempo, outro coletivo também esteve presente na Casa. Durante uma semana, Giovani e Coletivo (PCdoB) assumiu o lugar da vereadora Bruna Rodrigues, que estava de licença saúde. Composto por oito membros e encabeçado por Giovani Culau, o coletivo propôs dois projetos de lei. O PLL 211/21, que veda distribuição de campanhas que contenham “fake news”, crimes de discriminação ou preconceito; e o PLCL 024/21, que veda a denominação de logradouros e equipamentos públicos com nome de pessoas que tenham praticado crimes contra a humanidade e violação de direitos humanos. “Conseguimos dar o nosso recado e mostrar porque viemos. Não éramos apenas oito, éramos centenas de pessoas”, afirma Giovani. 

Assim como no coletivo Mulheres Negras, o grupo se reuniu para tomar as decisões acerca do mandato de forma conjunta, desde o início da candidatura. “Seguimos compartilhando tarefas, debatendo coletivamente e destacando cada um a luz que representava”. O co-vereador contou que a notícia de que o Coletivo estaria assumindo veio de repente. “Recebi a ligação às 10h dizendo que às 14h assumiríamos na Câmara”, revela, relembrando que, na ocasião, como representante do grupo, não tinha nem os trajes recomendados pelo regimento interno da Casa. “Foi uma grande correria”. 

Enquanto estiveram na Câmara, ao lado da vereadora Daiana Santos, formaram a primeira bancada totalmente LGBT da Casa. 

Rompendo uma política individualista 

Além da Câmara de Porto Alegre, os coletivos também foram eleitos em outros cargos do Legislativo no país, tanto em nível municipal quanto estadual. Giovani e Reginete acreditam que este seria um movimento para “romper com uma política individualista”. “A gente se sente mais forte para enfrentar uma disputa pesada, que é marcada pelo poder dos homens brancos”, conta Reginete. 

A co-vereadora ainda diz saber que candidaturas coletivas estão se formando para as próximas eleições, em 2022. “O mandato é da sociedade”, afirma, explicando que os mandatos coletivos permitem que haja, em uma única candidatura, a defesa de diversas pautas interseccionadas, tornando a candidatura em algo plural.

Giovani acredita que esse estímulo às próximas candidaturas começou ainda em 2020, uma vez que o coletivo do qual faz parte foi o primeiro a lançar a sua candidatura. “Assim como nós, muita gente não se conforma com essa lógica personalista da política”.

Mas, para além das disputas nas urnas, os mandatos coletivos ainda precisam enfrentar um longo caminho dentro dos espaços políticos. O co-vereador, por exemplo, conta que a Diretoria Legislativa da Câmara relutou em aceitar a nomenclatura “Giovani e Coletivo”. Por parte da co-vereadora, os obstáculos envolveram outros parlamentares, principalmente da base governista e mais conservadores, que têm dificuldade em aceitar este tipo de mandato. 

*Sob supervisão de Mauren Xavier 


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