Devolução de medidas provisórias gera divergência entre Congresso e constitucionalistas

Devolução de medidas provisórias gera divergência entre Congresso e constitucionalistas

O ato, utilizado de forma excepcional pelo presidente do Congresso, não possui previsão constitucional, dizem especialistas

R7

O ato, utilizado de forma excepcional pelo presidente do Congresso, não possui previsão constitucional, dizem especialistas

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O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu não submeter à apreciação das Casas Legislativas a Medida Provisória (MP) 1068/2021, que altera o Marco Civil da Internet. Lideranças partidárias pressionaram pela devolução direta, por alegarem que a proposta é inconstitucional e gera insegurança jurídica. A devolução seria ainda uma forma de demonstrar ao governo uma derrota maior em razão do sequer recebimento do texto. O ato, utilizado de forma excepcional pelo presidente do Congresso, segundo especialistas, não possui previsão expressa na Constituição Federal, no Regimento Comum do Congresso Nacional (RCCN) ou na Resolução que regula a tramitação das MPs.

Justificável sob a perspectiva política, a devolução contou com uma análise da advocacia do Senado para embasar a decisão. No documento, Pacheco afirma que a mera tramitação da MP "já constitui fator de abalo ao desempenho do mister constitucional do Congresso Nacional". Outra justificativa é que o tema da medida já é tratado por meio do Projeto de Lei 2630/20, que visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade e Transparência na Internet. O texto foi aprovado no Senado e está em análise da Câmara dos Deputados.

Na terça-feira, ao tratar da devolução, Pacheco disse ainda que "há situações em que a mera edição de Medida Provisória é suficiente para atingir a funcionalidade da atividade legiferante do Congresso Nacional e o ordenamento jurídico brasileiro."

No entendimento comum entre os parlamentares, a devolução pelo presidente do Senado é legítima quando justificada a inconstitucionalidade da MP e acarreta na suspensão imediata dos efeitos da medida. Do ponto de vista jurídico, no entanto, a devolução da MP, por não ter previsão expressa na Constituição, em tese, abre margem para a interpretação de que os efeitos produzidos pela MP ficam mantidos. Eles só são revogados a partir da rejeição pelos parlamentares, quando o próprio presidente da República desiste da medida ou quando se perde a eficácia pelo fim do prazo. É o que explica Thiago Sorrentin, professor de Direito do Estado do Ibmec Brasília.

"A Constituição não prevê expressamente a devolução. Apenas que sejam analisadas, aprovadas e rejeitadas. Então, é como se o Congresso abrisse mão de exercer esse dever e, sem a correta deliberação, a MP continua em vigor durante o prazo normal dela", interpreta Sorrentin. O que sustou os efeitos, neste caso, foi a decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, que suspendeu a validade da medida, alegando que o presidente invadiu a competência do Congresso ao tentar mudar o Marco Civil da Internet por meio desse tipo de proposta.

Sorrentin destaca ainda que "quando um membro único faz o exame do texto, isso tira o direito dos outros representantes exprimirem a vontade popular, o que pode ser interpretado como usurpação de competência da própria manifestação popular". Por outro lado, ele afirma que, na prática, o "costume criado por membros do Congresso" nunca foi motivo de incitação do STF para agir em defesa dos direito dos outros congressistas. "É uma prática anômala já utilizada outras vezes, tanto em tempos mais recentes quanto antigos. A primeira vez foi em 1989", completa o professor.

A devolução citada foi um ato do então senador José Ignácio Ferreira no tocante a uma MP que extinguia cargos e dispensava servidores civis da Administração Federal. A justificativa usada foi a de que o ato seria uma competência do presidente da República, como previsto na Constituição, e, por isso, não caberia apreciação do Poder Legislativo.

Congresso já devolveu cinco MPs ao Executivo

Desde então, contando com a nova decisão de Pacheco, o Congresso devolveu cinco medidas provisórias ao Executivo. A mais recente, até então, ocorreu em junho de 2020, quando o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), como presidente do Congresso Nacional, sequer levou à análise do Plenário a MP 979/20,  que autorizava o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, nomear reitores e vice-reitores de universidades federais sem consulta à comunidade acadêmica, em tempos de pandemia.

"É um costume que tem sido adotado, mas a Constituição Federal, pelo parágrafo V do artigo 62, não prevê esse tipo de conduta. Tampouco a Resolução 1 de 2002 do Congresso", afirma a advogada constitucionalista Vera Chemim, especialista em direito público. Ela destaca que, ao longo dos anos em que a prática tem sido adotada, o que acabou se pacificando foi que, com a decisão do presidente do Congresso, perde-se o efeito da medida desde a data em que foi editada, tendo que ser revogada pelo presidente da República.

O advogado constitucionalista e professor de direito digital Camilo Onoda explica que a controvérsia gira em torno do inciso XI do artigo 48 do Regimento Interno do Senado Federal. O texto diz que compete ao presidente do Senado "impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania". 

"Há uma discussão se no caso de MP trata-se de proposição ou não, já que a MP tem caráter normativo". O especialista levanta, no entanto, que o "entendimento mais aceito é o de que pode haver um controle pelo presidente, portanto, devolução, caso há inconstitucionalidade flagrante, como, por exemplo, quando a matéria não pode ser objeto de MP ou não se trata de assunto urgente e relevante", detalha Onoda.

Onoda explica que, a partir da devolução, pode haver três situações: "A questão será judicializada perante o STF que caberá analisar se o presidente do Senado poderia ou não devolver; haverá a devolução e o governo não insistirá na judicialização da questão, deixando o prazo da MP se esgotar; ou o governo tentará agir politicamente para demover o presidente do Senado de sua posição e fazer tramitar perante o Senado para que as comissões avaliem sua constitucionalidade."

No atual cenário, no entanto, não há muito espaço para que governistas recorram ao STF pelo direito de deliberar a pauta, visto que a ministra Rosa Weber já suspendeu os efeitos da MP, de maneira cautelar, atendendo a uma ação impetrada por partidos políticos. A saída que traria maior segurança jurídica, neste caso, seria o Planalto receber a mensagem de Pacheco e revogar a própria medida, como ocorreu quando Alcolumbre devolveu a MP 979/20.

Efeitos imediatos

Nos bastidores, a avaliação é que a MP, editada às vésperas das manifestações de 7 de setembro, cumpriu o objetivo de enviar mensagem aos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Nela, ficava proibida a remoção de conteúdo da internet de maneira "imotivada e arbitrária", passando a valer imediatamente.

Pelo momento em que foi publicada, a MP foi interpretada pela oposição como uma maneira de proteger a disseminação de fake news e propagar mensagens antidemocráticas. 

A reação de seis partidos à MP foi, inclusive, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos da MP. PT, PSDB e Solidariedade entraram com uma ação direta de inconstitucionalidade. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) impetrou um mandado de segurança junto à Corte, por exemplo. "(Bolsonaro) sabe que ela (MP) é inconstitucional, mas segue seu roteiro de inflamar a base e desgastar as instituições, que serão obrigadas a rejeitar essa MP", escreveu o senador nas redes sociais.

Antes de decidir suspender os efeitos da MP, a ministra Rosa Weber solicitou posicionamento da Procuradoria-Geral da República sobre o caso. Na segunda-feira (13), o próprio PGR, Augusto Aras, pediu ao STF que suspenda a MP "até o julgamento definitivo de mérito pelo Plenário do Supremo".

O R7 tentou contato com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, para falar sobre a devolução, mas ainda não teve retorno.


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