Luis Carlos Heinze: Um contador de histórias

Luis Carlos Heinze: Um contador de histórias

Ao longo de uma vida política de 28 anos, Luis Carlos Heinze nunca perdeu uma eleição

Flavia Bemfica

publicidade

Quem se acostumou a enxergar o senador Luis Carlos Heinze (PP) como um homem austero, cuja trajetória está desde sempre vinculada a sua atividade como produtor rural de sucesso e liderança do agronegócio, pode ter dificuldade em imaginar o hoje candidato ao governo do Estado rindo com prazer enquanto joga conversa fora à mesa de um movimentado café do Centro de Porto Alegre. O Café à Brasileira, na rua Uruguai, foi o local escolhido pelo senador para falar sobre sua história ao CP, e a alegria veio em vários momentos, enquanto lembrava de peripécias da juventude, ou de situações inusitadas bem mais recentes, como a do dia em que venceu a eleição para o Senado, em 2018.

Quando o resultado daquela eleição saiu, Heinze, que seguia em segredo sem acreditar de fato na chance de vitória, não estava reunido com familiares em casa, ou fechado com um grupo seleto de assessores em algum escritório de campanha. Ele havia circulado por locais de votação e concedido entrevistas durante todo o dia, mas, naquele momento, cumpria um compromisso particular inadiável. “Eu tinha marcado com o Jorge (o barbeiro) e estava cortando o cabelo. Tinha que ser naquele dia porque há muito tempo que eu corto seguindo o método Pilomax, sabe? É conforme a data de nascimento, e de acordo com o calendário lunar. Então, tem dia certo para cortar a cada mês. Naquele mês, caiu no dia da eleição e acabou dando essa coincidência do horário.” Ante a incredulidade dos ouvintes, o senador emenda: “Olha, uma coisa é certa: eu continuo com cabelo!” E cai na risada.

O lado contador de histórias do senador, 72 anos completados no último dia 14, inclui relatos da infância e da juventude que transportam quem ouve para cenários dos anos 1960 e 1970. Seja de quando ele, apesar dos apelos do pai, decidiu sair de casa, em Candelária, aos 16 anos, e viajar até Alegrete, em um roteiro com um trajeto de ônibus, dois de trem e alguns quilômetros de caminhada, para chegar à escola onde cursou o então Ensino Técnico. Seja dos diferentes momentos de dinheiro curto (e foram muitos), em que, com bicos variados, tentou pagar as contas nos tempos da faculdade em Santa Maria para se formar engenheiro agrônomo: “Comecei a me virar porque não tinha dinheiro mesmo. A mãe mandava fruta, salame, pão, ovos, e a gente ia se mantendo com aquilo. Mas dinheiro não vinha”. O jovem Heinze se aventurou como auxiliar de pedreiro, confeccionou apostilas para colegas, fez manutenção em equipamentos, administrou a residência dos estudantes na universidade. E foi o que na fronteira do Brasil se costuma chamar – ele mesmo lembra o termo – ‘chipeiro’.

Entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, a expressão designa quem informalmente compra mercadorias em um país e vende no outro. “Chegou ali por 1970 e virou moda entre a gurizada só usar calça Lee. Mas era preciso buscar ou mandar buscar nos Estados Unidos. Os pilotos da Varig às vezes traziam, porque no Brasil não existia. Eu me dei conta de que na Argentina tinha, fiz as contas e percebi que podia conseguir um dinheiro. Deu certo. Vendi centenas de calças Lee. Mas era um desespero, porque não podia ser pego pelo fiscal. Na verdade, era tipo um contrabando. Cada vez que passava por aquilo pensava: “Nunca mais volto aqui! Mas aí faltava dinheiro de novo e eu voltava. Fiz isso por três anos e meio.”

Quando se formou, Heinze tinha conseguido fazer umas economias e foi para São Borja a procura de trabalho. Ganhou do pai “um salário mínimo” e, da mãe, uma máquina de escrever Facit portátil “cor de laranja”, que guarda até hoje. “Aí falei: vou montar um escritório. Em dezembro de 1973, comecei a fazer projetos para o Banco do Brasil. Comprei um Fusca em 60 prestações junto com um amigo, mas o dinheiro continuava curto. Até que em outubro de 1974 fiz um projeto para a superintendência em Porto Alegre e as coisas deslancharam. Depois disto nunca mais faltou recurso e nem serviço. E, quando chegou 1981, eu já tinha comprado 500 hectares de terra”, conta.

Política estudantil o hoje senador fazia desde a faculdade e, com o passar do tempo, se envolveu com a criação e atuação de entidades ligadas a produtores e a movimentos classistas. “Meu lado era o PDS, é a minha origem. Sempre fui de direita. Meu avô por parte de mãe era do Partido Libertador. Meus avós por parte de pai eram do PSD. Então, não mudei no caminho”, observa. O ingresso na política, contudo, só viria em 1992, a convite do então prefeito de São Borja, ‘Juca’ Alvarez. Heinze disputou a prefeitura e venceu. “Eu era conhecido entre os produtores, mas não pelas pessoas no geral. Estava preparado para perder. Só que larguei em quarto e cheguei em primeiro”, recorda.

Depois da prefeitura de São Borja, concorreu, em 1998, à primeira eleição para a Câmara dos Deputados. Na sequência, viriam outras quatro reeleições. Em 2018, obteve nova vitória, para o Senado. Enquanto conversa, reconhece que a política dentro e fora da vida pública consome seus dias em ritmo acelerado. Por isso, quando pode, cozinha, caminha e reúne a família. A esposa, Sandra, com quem está desde 1982, tentou fixar residência em Brasília, para acompanhá-lo, mas não se adaptou. Quando estão em Porto Alegre, os dois ficam no apartamento que possuem no Bom Fim, mas o senador reconhece que prefere o campo, que é onde consegue juntar filhos e netos. 

A família é numerosa. Filhos são quatro: Rafael, de Heinze; Carolina e Patrícia, de Sandra; e Natália, de ambos. A eles se somam cinco netos, dos quais dois já auxiliam o político na atual campanha ao Governo do Estado. Quem cuida dos negócios, contudo, é Dilza, que está com a família desde os 14 anos, e o político considera como se também fosse uma filha. “São coisas boas da minha vida, as eleições, 28 anos de mandato, nunca tive uma derrota, já estou realizado. E tenho um conselho, que sempre segui, a quem deseja ser político: você precisa ter autonomia, não pode depender dos mandatos. Isto muda tudo”, prega.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895