Em carta, Milton Ribeiro diz que sai do MEC com "coração partido"

Em carta, Milton Ribeiro diz que sai do MEC com "coração partido"

Ministro é investigado por suposto favorecimento de pastores dentro da pasta; denúncias vieram à tona na semana passada

R7

Ribeiro rejeitou o acordo que poderia livrá-lo da abertura de inquérito

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Alvo de inquérito da PF (Polícia Federal) por suposto favorecimento de pastores dentro do Ministério da Educação e escanteado por lideranças e parlamentares religiosos, o ministro Milton Ribeiro pediu exoneração do cargo nesta segunda-feira (28) durante reunião com o presidente Jair Bolsonaro. Em carta, entregue ao chefe do Executivo, ele diz que pediu para sair para que "não paire nenhuma incerteza" sobre a sua conduta e do governo federal. No documento, ele diz que se despede deixando o compromisso de estar pronto para apoiar Bolsonaro, caso ele entenda necessário.

"Levando em consideração os aspectos citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a exoneração do cargo de ministro, a fim de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e do Governo Federal. Meu afastamento visa, mais do que tudo, deixar claro que quero uma investigação completa e isenta", afirmou.

O ministro falou ainda que preza pela verdade. "Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito difere da jurídica. Minha decisão decorre exclusivamente de meu senso de responsabilidade política e patriotista, maior que quaisquer sentimentos pessoais", pontuou.

Ribeiro tem sofrido desgastes há alguns dias depois que foi revelada a existência de um "gabinete paralelo" dentro do MEC (Ministério da Educação) com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que atuavam direcionando recursos públicos a determinados benefícios. A informação foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo que, posteriormente, mostrou uma série de informações de prefeitos que apontavam que os pastores faziam pedidos em troca de apoio para a liberação de recursos.

Dias depois, a Folha de S.Paulo publicou um áudio no qual o ministro diz expressamente que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, prioriza o direcionamento de verbas a determinados municípios após solicitação do pastor Gilmar Santos.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar. Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão de Gilmar. Apoio. Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas", disse Ribeiro no áudio.

Na carta, o ex-ministro voltou a repetir que após tomar conhecimento, em agosto de 2021, acerca de "uma pessoa" (que ele não cita o nome) que estaria cometendo irregularidades, ele denunciou à CGU (Controladoria-Geral da União). A informação foi dita por ele anteriormente em entrevista à TV Record. No entanto, o R7 mostrou que mesmo depois de ter denunciado os dois pastores, ele participou de um evento evangélico com ambos e os chamou de "amigos".

"Eu mesmo, quando tive conhecimento das denúncias, em agosto de 2021, encaminhei expediente à CGU para que apurasse as situações narradas pelas enúncias. Mais recentemente, solicitei também à Controladoria que auditasse as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja duvida sobre a lisura dos processos conduzidos. Cumpre ressaltar que os procedimentos operacionais relacionados à liberação de recursos pelo FNDE não são de competência direta do Ministro da Educação", afirmou.

Leia a carta completa:

"Desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas na mídia foram levantadas suspeitas acerca da prática de atos irregulares em nome do Ministério da Educação.

Tenho plena convicção que jamais pratiquei qualquer ato de gestão que não fosse pautado pela legalidade, pela probidade e pelo compromisso com o Erário. As suspeitas de que foram cometidos atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.

Eu mesmo, quando tive conhecimento das denúncias, em agosto de 2021, encaminhei expediente à CGU para que apurasse as situações narradas pelas denúncias. Mais recentemente, solicitei também à Controladoria que auditasse as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja duvida sobre a lisura dos processos conduzidos. Cumpre ressaltar que os procedimentos operacionais relacionados à liberação de recursos pelo FNDE não são de competência direta do Ministro da Educação.

São quatro os pilares que me guiam: Deus, família, honra e meu país. Além disso, tenho todo respeito e gratidão ao presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser ministro da Educação do Brasil num momento transformador para a educação brasileira. Registro que, sob a condução do presidente da República, tive a oportunidade de conviver com uma equipe de ministros altamente qualificados e comprometidos com a ética e a probidade públicas.

Assim, levando em consideração os aspectos citados, decidi solicitar ao presidente Bolsonaro a exoneração do cargo de ministro, a fim de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e do Governo Federal. Meu afastamento visa, mais do que tudo, deixar claro que quero uma investigação completa e isenta.

Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito difere da jurídica. Minha decisão decorre exclusivamente de meu senso de responsabilidade política e patriotista, maior que quaisquer sentimentos pessoais.

Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta em preitada, deixando meu compromisso de estar pronto, caso o presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada.
Brasil acima de tudo!!! Deus acima de todos!!!"

Saída e escândalo

Como o R7 mostrou, Ribeiro acertou sua saída do ministério em acordo costurado com o presidente Jair Bolsonaro como melhor solução para evitar mais desgastes pessoais e também ao governo, especialmente em ano eleitoral.

A informação foi confirmada pela reportagem com fontes ligadas ao presidente. De acordo com os interlocutores, o ministro deve usar a licença para focar sua defesa diante dos inquéritos. Não fossem as denúncias, Ribeiro não deixaria o governo nem na reforma ministerial, que ocorre agora no fim do mês de março com a saída de ministros que vão concorrer nas eleições de outubro.

Após o escândalo vir à tona, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar o suposto esquema de tráfico de influência envolvendo o ministro da Educação e pastores que frequentam a pasta, mas que não têm cargo público. A inquestigação atende a uma determinação da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal).

A corporação vai avaliar se os religiosos influenciaram o envio de verba para municípios em troca de propina, se o ministro da Educação sabia das irregularidades e se colaborou com elas. Nas próximas semanas, a PF deve ouvir Ribeiro e os pastores. As diligências estão a cargo do delegado Bruno Caladrini.

Lideranças e parlamentares religiosos defendiam a saída do ministro do comando do MEC. Em caráter reservado, afirmam que o escândalo respingou na categoria, apesar de os pastores envolvidos não terem ligação, e que isso pode causar efeitos negativos, com vistas às eleições deste ano.

Ribeiro assumiu o comando do ministério em julho de 2020 após a gestão de Carlos Alberto Decotelli, que ficou apenas cinco dias no cargo e não chegou a tomar posse. Decotelli pediu para sair após uma série de questionamentos sobre a veracidade das informações oferecidas em seu currículo.

Vice-Presidente do Conselho Deliberativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ribeiro é advogado, pastor evangélico e integrante da Igreja Presbiteriana de Santos. No ano passado, foi nomeado por Bolsonaro para integrar a Comissão de Ética Pública da Presidência.

De acordo com informações disponíveis em seu currículo, Milton Ribeiro é doutor em Educação pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em Direito pelo Universidade Presbiteriana Mackenzie. Também é especialista em  Administração Acadêmica pelo CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras) com estágio em Joplin, Universidade do Estado de Kansas.

Advogado inscrito na OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil), o ministro da Educação foi vice-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul.

Em nota, Ribeiro blindou Bolsonaro e negou que o presidente tenha pedido atendimentos preferenciais na alocação de recursos públicos. O presidente, por sua vez, disse na tradicional live, da última quinta-feira (24), que botaria a cara no fogo pelo ministro.


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