Empresa alvo da Lava Jato contratou palestra de Dallagnol, diz site

Empresa alvo da Lava Jato contratou palestra de Dallagnol, diz site

Procurador teria participado do evento dois anos após primeira citação da empresa

R7

Procurador teria recebido R$ 33 mil para ministrar palestra

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O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, teria recebido R$ 33 mil para dar uma palestra sobre combate à corrupção e ética nos negócios para a empresa Neoway. A companhia, que oferece serviços de tecnologia, foi citada em delação premiada, segundo o site The Intercept Brasil que, em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, publicou nesta sexta-feira mais uma leva de mensagens feitas por um aplicativo. As informações foram obtidas por meio de documentos, como conversas, áudios e fotos, compartilhados por procuradores.

De acordo com o site, a palestra teria sido realizada em março de 2018. Dois anos antes, em março de 2016, a Neoway havia sido citada nos termos de colaboração de Jorge Luz, apontado como operador de propinas do MDB. Os documentos foram compartilhados em um grupo chamado "Acordo Jorge Luz", em que Dallagnol participa ativamente. Ainda segundo o The Intercept, o procurador Paulo Galvão compartilhou a primeira versão do que seria o depoimento de Luz sobre diversas empresas, entre elas a Neoway. No documento, o então candidato a delator disse:

“Lembro-me ainda de um projeto de tecnologia para Petrobras com a empresa Neoway que recorri ao Vander e Vaccarezza para me ajudarem agendando uma reunião na BR Distribuidora. Houve esta reunião e recebi valores por esta apresentação e destas repassei parte para eles. Posteriormente, a tecnologia foi contratada sem minha interferência ou dos deputados”. Luz se referiu ao deputado federal Vander Loubet (PT-MS) e a Cândido Vacarezza, ex-deputado federal pelo PT.

Em julho daquele ano, Dallagnol questionou se as negociações com Luz haviam mesmo sido encerradas. Meses depois, em abril de 2017, o procurador Paulo Galvão compartilha uma nova proposta de delação do lobista. Segundo o site, o novo documento teria detalhes inéditos sobre negócios envolvendo a Neoway em um esquema de corrupção. Em abril de 2019, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os trechos da delação de Luz relativos à empresa dessem origem a um processo específico, que está sob sigilo.

Contratação para palestra

Ainda segundo o The Intercept, em março de 2018, Dallagnol teria enviado uma mensagem a outro grupo com procuradores, chamado Incendiários ROJ, em que comemora que havia sido contratado para Neoway. Os diálogos vazados mostram que, na sequência, o procurador Júlio Noronha sugere a Dallagnol que tentasse uma reunião com o dono da Neoway, Jaime de Paula (também citado na delação de Luz), para falar de produtos para um projeto da Procuradoria chamado de Laboratório de Investigação Anticorrupção, o LInA.

Dallagnol, de acordo com o site, teria concordado, dizendo que já havia pensado nisso, e completando que iria até "até citar ele (Jaime de Paula) na palestra pra ver se sensibilizo".

"Isso é um pepino para mim"

A palestra, pela qual Dallagnol teria recebido R$ 33.250, foi realizada três dias depois, em um resort em Florianópolis. O The Intercept e a Folha afirmam que a estratégia funcionou, e que proporcionou uma reunião entre integrantes do LInA e representantes da empresa. Além disso, a ideia de integrar a Neoway ao projeto de sistema de dados da Procuradoria teria ganhado força internamente.

Em 21 de julho, quatro meses após a palestra e em meio à negociação para a compra de produtos da empresa, Dallagnol afirmou aos procuradores ter descoberto a citação à Neoway no acordo de delação premiada de Luz. "Isso é um pepino para mim", escreveu.

Apesar disso, segundo o site, só em 4 de junho, ou seja, um ano e três meses depois, o coordenador da Lava Jato enviou um ofício ao corregedor do Ministério Público Federal, Oswaldo José Barbosa Silva, em que confessava ter participado de "congresso anual da empresa Neoway", onde realizou uma palestra sobre combate à corrupção e ética nos negócios e que foi remunerado "por valor de mercado".

Dallagnol ressaltou que, na data da palestra, a empresa não era investigada na Lava Jato e que ele desconhecia que a empresa era mencionada no acordo de delação premiada de Jorge Luz. No entanto, a empresa já havia aparecido em duas ocasiões em documentos da operação.

Outro lado

O coordenador da Lava Jato respondeu à Folha de S.Paulo que "não reconhece a autenticidade e a integridade das mensagens". Mas ressaltou que participava de centenas de grupos de mensagens, assim como estou incluído em mais (de) mil processos da Lava Jato.

"Esse fato não me faz conhecer o teor de cada um desses processos. Se, por acaso, por hipótese, eu tivesse feito parte (do grupo no qual a Neoway apareceu em documentos), certamente não tomei conhecimento. Se soubesse não teria feito, e, sabendo, me afastei”.

A Neoway informou ao The Intercept que presta serviços para a BR Distribuidora e que a contratação de Dallagnol para a palestra realizada em março de 2018 “foi remunerada em valores compatíveis com o mercado para atividades dessa natureza, com total observância às leis”. A empresa esclareceu que não prestou serviços para o projeto LInA, do MPF, e “desconhece a menção a seu nome em depoimentos de terceiros”.

A defesa do ex-deputado Cândido Vaccarezza informou ao site que Jorge Luz mente a seu respeito, e que ele “nunca sugeriu, pediu, aceitou, recebeu ou autorizou quem quer que seja a receber em seu nome vantagem, pagamento, benefício ou dinheiro de forma ilícita”. Vander Loubet disse que “desconhece os termos” em que foi citado e que “suas relações sempre foram institucionais”.

Mensagens vazadas

O The Intercept afirma que recebeu as mensagens e aúdios vazados de procuradores e de outras autoridades via fonte anônima. Na terça-feira, quatro pessoas foram presas preventivamente, suspeitas de hackear estes celulares. Em depoimento, um dos hackers afirmou ter repassado as informações que obteve ao jornalista Gleen Greenwald, responsável pelo The Intercept, de forma "anônima e não remunerada".

Além dos procuradores, integrantes do grupo admitiram terem invadido celulares do presidente Jair Bolsonaro, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e da procuradora-geral da República, Raque Dodge.


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