Entenda o impacto político e jurídico com o fim de emergência em saúde

Entenda o impacto político e jurídico com o fim de emergência em saúde

O anúncio é uma forma de satisfazer às pressões de Bolsonaro, mas dando previsibilidade para que as normas sejam repensadas

R7

Não houve, por outro lado, um rebaixamento da pandemia para endemia, como anunciado por Bolsonaro

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Sob pressão política e em meio ao início da corrida eleitoral, o Ministério da Saúde anunciou o fim da Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), mesmo caminhando na direção oposta da estratégia internacional, visto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu manter o caráter pandêmico da Covid. Por outro lado, a pasta encontrou saída mais amena, minimizando os riscos quanto à interrupção de políticas públicas ao prever um período de transição para adequação de normas vinculadas ao estado emergencial. 

São mais de dois mil atos administrativos que podem ser extintos, mas também virarem estratégias permanentes. Um normativo oficializando o fim da Espin traz a proposta de um período de transição. A portaria, que tem previsão de ser publicada na quarta-feira, vai entrar em vigor em 30 dias, permitindo aos estados, municípios e ao próprio governo federal se debruçarem sobre as normas vinculadas ao estado emergencial. Neste período os administradores vão decidir se as medidas necessitam ou não ser reformuladas para continuarem válidas.

"Nós vamos verificar, caso a caso, as necessidades de manutenção das políticas públicas que decorreram, de certa forma, da Espin, de sorte que ninguém fique para trás", garantiu o ministro Marcelo Queiroga, em coletiva desta segunda-feira, marcada para explicar a decisão.

A novidade agrada ao presidente Jair Bolsonaro, que já vinha anunciando e comemorando a flexibilização nas medidas não farmacológicas que a alteração traria. Os apoiadores também ficaram felizes com a mudança e serve como estratégia de campanha para a reeleição. O mandatário tem reforçado que o governo federal atuou corretamente na condução da pandemia, disponibilizando todos os recursos possíveis.

"Foram bilhões de reais em repasses e renegociações de dívidas durante a pandemia que permitiram o combate à Covid, o salvamento de milhões de vidas e também a saúde financeira de estados e municípios: R$ 375 bilhões", disse Bolsonaro. A partir disso, ele sustentou, ao longo do mês, ser o momento de voltar à normalidade. "A gente vai se adequando, vai buscando cada vez mais agir de forma correta no tocante a pandemia, que está acabando."

Não houve, por outro lado, um rebaixamento da pandemia para endemia, como anunciado por Bolsonaro. Isto porque a mudança é uma competência da OMS. "Não estamos acabando com emergência de importância internacional. Não estamos acabando com a pandemia. Não é função do ministério", destacou o ministro Queiroga, mas ponderando que, se pudesse acabar com a pandemia, "ela nem existia". 

Cenário pandêmico

Na mais recente deliberação, os responsáveis por avaliar o cenário pandêmico da OMS concluíram não ser o momento de rebaixar a classificação da Covid-19. Na comparação com outras decisões internacionais, enquanto o Brasil relaxou as medidas, o Estados Unidos ampliaram o uso da máscara por mais três meses.

Na avaliação de Queiroga, o Brasil não errou e não se precipita ao pôr fim na Espin. "Os países são soberanos para tomarem suas decisões, baseadas nos dados de cada país. Estamos muito tranquilos com essa decisão pelo simples fato: temos um SUS, o que os EUA não têm. Também temos uma população muito aderente à vacinação", afirmou, destacando que o Brasil representa todos os países da América no organismo intergovernamental negociador do tratado de pandemias e que, por isso, mantém um forte diálogo junto à OMS. "Precisamos conciliar o enfrentamento aos problemas de saúde com a nossa economia", completou Queiroga, em um discurso alinhado com o que defende o Planalto. 

Transição

Na ocasião, o ministro afirmou que "nenhuma política pública de saúde será interrompida" e que o fim da emergência contou com a previsibilidade necessária, em diálogo com os presidentes do Senado, da Câmara e do STF. Mas o próprio CNS (Conselho Nacional de Saúde) contesta a decisão. Na avaliação do presidente da entidade, Fernando Pigatto, faltou diálogo com o Controle Social, estados e municípios. O anúncio do ministro em plena Páscoa foi defininido como "inadmissível" por ele. "Nós do CNS vamos nos posicionar oficialmente a partir dos próximos dias", adiantou. 

O Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) também elabora uma carta ao ministro, ressaltando a necessidade do período de transição para evitar perdas de investimentos e descontinuação de políticas públicas. As movimentações mostram que, mesmo com a estratégia de transição, a mudança ainda pode representar um embate com as outras instâncias dos poderes, que temem a interrupção de medidas adotadas no contexto da Espin em âmbito local.

No entanto, segundo o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, a portaria de transição se preocupa em garantir que normativos estaduais e municipais baseados no estado de emergência não sejam prontamente interrompidos. Disse que, inclusive, o fim da Espin tem como base o período para adaptação das normas e leis, além da continuidade do monitoramento da situação epidemiológica, em conjunto com os gestores locais. 

Portarias

Dentro da Saúde, as quase 170 portarias que foram vinculadas ao estado emergencial já foram previamente estudadas pela pasta. "Muitas tratam de transferência de recursos para a Covid, habilitação de leitos", afirmou o secretário-executivo. A portaria vai prever que, em caso de transferência de recursos cujos repasses ainda estejam ocorrendo, vai haver a conclusão do processo antes da norma ser revogada.

No caso das vacinas, Cruz disse que o entendimento é de que a lei que flexibiliza as compras não precisa ser mais usada, uma vez que o governo federal já garantiu as compras necessárias. "Como já celebramos contratos suficientes, a gente entende que parte desses dispositivos não precisam mais ser usados". 

A pasta propõe a manutenção da autorização de uso emergencial de insumos usados no enfrentamento à Covid, a priorização de análises de registros de produtos com foco no combate à pandemia e a manutenção da política de testagem rápida nas farmácias. Essas três demandas foram solicitadas pelo governo federal junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pelas deliberações.

A Anvisa destacou que o pedido do ministério é pela vigência das normas por um ano e que está revisando o assunto. "A prorrogação do prazo de vigência das normas ainda depende de aprovação da Diretoria Colegiada da Anvisa e, se aprovada, deve permitir que vacinas e medicamentos em uso emergencial continuem em uso por um ano", informou a agência. 

 

 


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