Entidades solicitam que governo Leite "abra" números da Previdência

Entidades solicitam que governo Leite "abra" números da Previdência

Servidores contestam informações e querem que Executivo mostre base de dados, memória de cálculo e modelos matemáticos usados para embasar propostas

Flavia Bemfica

Eduardo Leite tem centrado a argumentação em dois números: o de que as mudanças terão impacto fiscal de R$ 25 bilhões em 10 anos e o de que o déficit atuarial do sistema previdenciário do Estado alcançaria R$ 373 bilhões

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Promete ser longa a discussão da reforma que o governo do Estado pretende fazer no Regime Próprio de Previdência Social dos servidores estaduais (RPPS/RS). Entidades que tratam da questão previdenciária do funcionalismo estão questionando os números apresentados pelo Executivo e vão solicitar que ele apresente a base de dados, a memória de cálculo e o modelo matemático que usou para chegar aos dados e projeções que constam no documento de 111 páginas no qual trata das propostas de reforma administrativa e previdenciária.

“Os dados não são consistentes, eles conflitam com outros dados apresentados pelo próprio governo. Por exemplo: o Executivo está tratando como ‘mito’ o decréscimo do déficit previdenciário, e informando que ele seria crescente até 2040. Mas, na verdade, o sistema de repartição simples, que já entrou em extinção, teve seu pico neste ano de 2019, uma característica que talvez ainda se repita em 2020, mas, a partir de 2021, ele é decrescente”, informa o presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Cláudio Martinewski.

“O governo está estimando um déficit de R$ 12,2 bilhões no sistema previdenciário (antigo) para 2019. Sobre este número: não foi demonstrada qualquer memória de cálculo, o governo fez uma atualização pelo IPCA sobre o déficit atuarial de 2018. Esta metodologia é estranha a qualquer profissional que trabalhe com cálculos previdenciários”, completa o vice-presidente do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (Ceape) e secretário-geral da entidade, Filipe Leiria. Representantes da União Gaúcha se reúnem com o governador Eduardo Leite (PSDB) na tarde desta quarta-feira.

A discussão sobre os números da previdência se dá sobre o chamado sistema antigo do RPPS/RS. O novo, por enquanto, é superavitário. Isto porque, até 2011, a previdência dos servidores estaduais funcionava no regime de repartição simples. Naquele ano houve uma reforma e o RPPS/RS passou a ter dois regimes de financiamento: o antigo, de repartição simples, e um novo, de capitalização. Foram criados dois fundos previdenciários para a capitalização, o Fundoprev e o Fundoprev-Militar. Quem ingressou no serviço público estadual até que as leis começaram a valer permaneceu no sistema antigo. Os que entraram depois são segurados pelo regime de capitalização. A extinção de um regime, como ocorreu em 2011, tem um custo de transição.

Em tese, os valores para cobrir o custo devem sair do orçamento fiscal do ente federativo que o administra. No entendimento dos servidores, contudo, com a reforma pretendida pelo Executivo, o financiamento será feito por eles mesmos. Hoje, conforme Leiria, seguindo a lógica de que terá que bancar o equilíbrio do sistema antigo de qualquer forma, e que recursos fiscais e previdenciários se comunicam, o Executivo não deposita a contribuição patronal, lançando o item como complementação financeira.

“Isoladamente, isto não é um problema. Problema é somar o déficit com a ausência do patronal”, aponta. A suspeita das entidades é de que, ao estabelecer os aumentos de alíquotas, o Executivo vai continuar seguindo a lógica da ‘comunicação’, sem destinar de fato os valores decorrentes da majoração para sanar o regime de repartição simples. “No nosso entendimento, o governo está resolvendo seu problema fiscal, e não o previdenciário. Este foi equacionado lá em 2011. Se a ideia é equilibrar a previdência, a alternativa é destinar os recursos decorrentes da majoração para um fundo garantidor, e não para o caixa único”, aponta o auditor.

Contestação 

A contestação dos dados do déficit de 2019 e da projeção até 2040 se soma a um debate que inclui uma série de pelo menos 10 pontos. Conforme as entidades, o governo não submeteu os cálculos apresentados para a reforma ao Conselho de Administração do Instituto de Previdência do Estado, o IPE-Prev, gestor do RPPS/RS. É o conselho que aprova a base atuarial do plano dos servidores. E deveria fazer uma separação clara entre os números da previdência dos servidores civis e dos militares.

Como as mudanças preveem ampliação da base de cálculo, também deveria detalhar se as contas levam em consideração o fluxo financeiro decorrente da alteração que fará com que inativos e pensionistas comecem a contribuir quando os benefícios ultrapassarem o valor de um salário mínimo (R$ 998,00) e não mais a partir de quando são superiores ao teto do INSS (R$ 5.839,45). “Hoje, grande parte da massa de inativos recebe menos de R$ 5.800,00. Se houver a mudança, uma parcela significativa dos que hoje não contribuem, passará a descontar cerca de R$ 500,00 ao mês. Não temos informações do governo sobre se isto, ou o impacto da progressividade de alíquotas pretendida, está sendo considerado”, aponta Martinewski.

Outro dado sob suspeita é o da previsão do resultado atuarial divulgado pelo governo no documento, que destaca que o pagamento de todas as despesas previdenciárias seria de R$ 373,5 bilhões no longo prazo. Na primeira apresentação que fez do pacote à imprensa, Leite disse que os R$ 373,5 bilhões eram o déficit atuarial do sistema e que as mudanças deveriam reduzi-lo em R$ 86 bilhões. “O governo está somando números que seu avaliador atuarial não soma. É grave mostrar um déficit atuarial que não esteja bem calculado. Estes R$ 375,5 milhões não são o déficit, são o quanto o governo tira do orçamento fiscal. Não pode ser somado, porque já é acumulado. Entre outros pontos, ele é um parâmetro que vai ser utilizado para estabelecer a aliquotagem”, assinala Leiria.

O debate remete a outra contestação, estabelecida em função do último Demonstrativo de Resultados da Avaliação Atuarial (DRAA), o documento oficial exigido pela Secretaria da Previdência do Ministério da Economia para a obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). O CRP atesta que o ente federativo segue as normas de boa gestão, de forma a assegurar o pagamento dos benefícios previdenciários aos segurados e sua não obtenção gera uma série de sanções ao ente federativo responsável pela gestão do respectivo RPPS. O último DRAA, referente ao ano-base de 2018, foi aprovado com ressalvas pelo Conselho de Administração do IPE-Prev, que utilizou apontamentos do TCE e lançou dúvidas sobre a ‘aderência das hipóteses colocadas ao sistema previdenciário’.

Na prática, a dúvida é sobre se elas expressam a realidade atuarial, uma vez que tratam de taxas de juros, reposição de servidores e reajustes salariais acima da inflação. Mesmo que os salários do funcionalismo estejam congelados desde a administração anterior e os orçamentos anuais do Estado só levem em conta o crescimento vegetativo da folha. E que, para 2020, o Executivo trave um embate com o Judiciário e o Ministério Público em função de sua peça orçamentária prever um congelamento total dos repasses, sem, inclusive, o crescimento vegetativo. “A capacidade do Estado de realizar o cálculo atuarial já é precária, porque isso é precário dentro do IPE-Prev. Tanto, que o cálculo é terceirizado para o Banco do Brasil. Como o contrato venceu em abril e não temos notícia de renovação, não sabemos se há um atuário habilitado”, assinala Leiria.


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