Ex-médico da Prevent Senior diz que foi proibido de usar máscara

Ex-médico da Prevent Senior diz que foi proibido de usar máscara

Depoimento corrobora outras denúncias que já chegaram à CPI; operadora teria atuado para vírus circular nas unidades

R7

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Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 nesta quinta-feira, o médico Walter Correa de Souza Neto, ex-funcionário da operadora de Saúde Prevent Senior, afirmou que chegou a ser impedido pela empresa de usar máscara de proteção no começo da pandemia da Covid-19, no início do ano passado. 

"Ninguém estava preparado pra isso, essa é uma realidade acho que não tem como a gente colocar, mas acho que ninguém chegou a fazer o que a Prevent chegou (a fazer) no começo, que foi (chegar) ao ponto de proibir a gente de usar máscara lá dentro", afirmou. Correa contou que no início houve um surto de Covid em uma das unidades da Prevent, em São Paulo, e alguns profissionais estavam indo para intubação.

"Eu fiquei com medo da doença. Falei: 'Vou pegar uma máscara'. Coloquei uma máscara N95 e fui trabalhar. A coordenadora entrou no consultório e falou: 'Ó, você precisa tirar a máscara'. Aí eu falei: 'Pô, mas como eu vou tirar a máscara? Pra mim é proteção. Eu não posso ficar sem máscara'. 'Não, você precisa tirar a máscara.' Eu falei: 'Mas já estou com a máscara, já peguei.' 'Não, não. Não pode. Não pode, porque vai assustar os pacientes.'", relatou. 

O médico ponderou que depois a operadora investiu em compra de equipamento de proteção individual (EPI), mas frisou que não havia autonomia médica. "A falta de autonomia é tanta que você não tem autonomia pra proteger a sua própria vida. Então, o que vale é manter a engrenagem da empresa girando. Se aquilo ali atrapalhar de alguma forma o jogo, a sua vida pouco importa. Então, eu tive que tirar a máscara e continuar trabalhando sem máscara", afirmou.

Segundo ele, a coordenadora que o obrigou a retirar o equipamento de proteção é a mesma em que em conversa de WhatsApp mostrada pela CPI orientou um médico a prescrever cloroquina, medicamento ineficaz no combate à Covid-19, mesmo em casos de sintomas leves, como "espirro". "Espirrou, toma. Os resultados estão ótimos. 'Bora' prescrever", escreveu. 

A Prevent Senior passou a ser um dos focos de apuração da CPI após médicos da operadora fazerem uma série de denúncias, entre elas a de que eram obrigados a receitar "kit Covid" a todo paciente com suspeita ou confirmação da infecção pelo coronavírus.

Outras denúncias apontaram que a empresa teria subnotificado casos e óbitos pela doença, além de ter feito testes com a utilização desses remédios ineficazes contra a Covid-19. Para tal, segundo a denúncia, a empresa teria limitado o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) no atendimento dos clientes. A questão teria, também de acordo com a denúncia, o propósito de facilitar a disseminação do vírus da Covid-19 no ambiente hospitalar a fim de iniciar um protocolo de testes para tratamento da doença.

Autonomia médica

Walter conta que trabalhou na Prevent por oito anos e conhecia bastante da operação da empresa. Durante todo esse tempo, ele atuou no pronto-atendimento. No decorrer da pandemia, ele ressaltou que a prescrição dos medicamentos do 'kit Covid' era obrigatória. "No último ano, eu acabei, em algum momento, me recusando a prescrever o 'kit Covid' e fui repreendido por isso", afirmou. 

O protocolo institucional passou a valer entre março e abril do ano passado, segundo o médico. O período coincide com o estudo de cloroquina feito pela operadora em pacientes, entre os dias 26 de março e 4 de abril. Denúncias apuradas pela CPI apontam suspeita de que a Prevent teria ocultado mortes pela doença no estudo. À CPI, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent, disse que foi apenas um "estudo observacional" e acusou funcionários de manipular dados.

Ao afirmar que não havia autonomia médica na operadora, Walter Correa contou que a situação era anterior à pandemia, e relatou um caso em que  não foi autorizada a realização de um exame em uma paciente, e ela acabou morrendo. Segundo ele, a paciente chegou com dor de garganta e já havia passado diversas vezes pelo pronto-atendimento.

"Eu queria pedir uma tomografia cervical da paciente. Era muito difícil às vezes de você conseguir esse tipo de exame, tive que discutir com o chefe do plantão, não foi autorizado e sugeriu-se um exame que eu achei que não tinha indicação no momento, uma endoscopia", afirmou.

Segundo ele, a paciente tinha uma doença que poderia ter sido diagnosticada com a tomografia. "Então, coisas como essa, de falta de autonomia, às vezes impedia que você exercesse boa medicina, então isso não é só da pandemia", frisou.


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