Mercado é informado de cancelamento de operação do Banrisul

Mercado é informado de cancelamento de operação do Banrisul

Apesar disso, até o início da manhã desta quinta-feira, o banco ainda não havia feito comunicado oficial

Flavia Bemfica

Governo do Estado é o controlador do Banrisul

publicidade

Após uma quarta-feira de muita tensão, o governo do Estado, controlador do Banrisul, não havia, até a manhã desta quinta-feira, anunciado sua decisão a respeito da operação de venda das ações ordinárias do banco. Duas possibilidades estavam na mesa: o cancelamento da operação ou a venda dos papeis por um valor cerca de 20% abaixo do projetado inicialmente. Nesta quarta, as ações ordinárias (ON) do banco fecharam a R$ 23,94 (queda de 0,66) e as preferenciais classe B (PNB) a R$ 23,73 (alta de 7,96).

No final da noite de quarta-feira, passou a ser veiculada a informação de que a operação seria cancelada. No início dessa quinta-feira, ainda não havia comunicado oficial por parte do banco. 

A alta das preferenciais, somada à elevação dos protestos de representantes de diferentes espectros políticos (de oposicionistas a aliados) a respeito da venda aumentou a pressão para que o governo desistisse.  O Executivo pretende usar o dinheiro da venda dos papeis para quitar passivos e regularizar o pagamento da folha dos servidores. Mas não há garantia de que consiga, mesmo com os recursos, manter os salários em dia no médio prazo.

Entenda

Na terça-feira, primeira data definida para a precificação dos papeis e a definição dos compradores e seus respectivos lotes (o bookbuilding), o Executivo gaúcho já havia sido obrigado a alterar o cronograma da venda após o valor mínimo ofertado por ação ficar bem abaixo do esperado. A quarta foi marcada pela expectativa sobre se o governo, que não se manifesta sobre a operação, iria ou não insistir em levá-la a cabo. A possibilidade concreta de prejuízo, anunciada há meses por operadores do mercado financeiro, faz pesar ainda sobre o Executivo a possibilidade de desdobramentos sérios, entre eles novos questionamentos judiciais, como, por exemplo, uma ação por improbidade administrativa, e o acionamento de órgãos de controle.

“Não é possível que esta venda seja efetuada sem que se cumpra a legislação estadual, isso é uma vergonha para todos” aponta o administrador e acionista do banco Mateus Bandeira. Ele promete ingressar com uma nova ação, de reparação de danos, caso o preço seja inferior ou próximo ao valor patrimonial do papel. Bandeira presidiu o Banrisul durante a administração da ex-governadora Yeda Crusius, também do PSDB, e é favorável à privatização do banco, mas diverge do modelo de venda de ações adotado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) por entender que gerará “milhões em prejuízo” ao Estado. “Vender participação acionária a esse preço (na faixa dos R$ 19,00) significa rasgar dinheiro. No ano passado o governo recebeu mais de R$ 300 milhões em dividendos sobre capital próprio”, completa.

Em julho, após o controlador anunciar sua intenção de vender ações até o limite da manutenção do controle acionário, o ex-dirigente ingressou com uma ação para suspender a venda. Seu principal argumento é o de que ela não atendia os requisitos necessários para a venda de patrimônio público e era desprovida de uma avaliação econômica que a sustentasse. Ele chegou a obter uma liminar, que acabou derrubada. A ação segue em tramitação, ainda sem julgamento do mérito.

Deputados do MDB, do PT, do Novo, do PDT, do PSL e do PSB confirmaram sua participação em um manifesto contra a venda das ações, marcado para o início da tarde desta quinta, na Assembleia Legislativa. “Vamos nos posicionar pela não venda. E, a depender do valor de venda, poderemos sim ingressar com ação de improbidade”, adiantou o deputado Sebastião Melo (MDB), um dos principais articuladores do movimento. O que une representantes de partidos de esquerda, centro e direita, e que têm visões opostas a respeito da privatização ou não do banco, é a possibilidade concreta de prejuízo do negócio, cujo alerta partiu de investidores e acionistas.

“Chamamos a atenção porque na prática falamos de uma operação que envolve um quarto do banco, sem avaliação econômico financeira. O mercado não substitui essa avaliação, o mercado é o momento. E, do outro lado da mesa, há investidores profissionais, qualificados, grandes institucionais. Eles não pagam ágio. Isso não existe”, assegura a gestora da Zenith Asset Management, Débora Morsch. Também favorável à privatização do banco, Débora foi uma das primeiras críticas às vendas fracionadas promovidas desde a administração de José Ivo Sartori (MDB).

Na audiência pública realizada na Assembleia Legislativa para tratar do tema, ela apresentou um estudo que aponta que as perdas decorrentes das três vendas somam R$ 207,5 milhões (R$ 128,6 milhões referentes a valorização posterior das ações vendidas e R$ 78,9 milhões em proventos distribuídos pelo banco desde então).  Na que é objeto de debate, conforme ela, a combinação entre o volume expressivo de ações, a venda a profissionais e a informação pública de que o governo precisa dos recursos acabou por derrubar ainda mais o preço. “Quando você coloca um lote grande para vender, em uma venda restrita, e todo mundo sabe que você precisa do dinheiro, o mercado vai fazer o quê? Pagar menos.”

O sinal vermelho para o governo acendeu pela primeira vez na tarde de terça-feira, data limite do bookbuilding e da fixação do preço por ação. A procura ficou abaixo do esperado, a maioria das ofertas recebidas precificava o papel em R$ 18,50 e os bancos coordenadores da operação indicavam que esse seria o preço de fechamento. A configuração abria margem para os questionamentos judiciais sobre uma venda por preço inferior ao chamado valor patrimonial da ação. Porque, se considerado o valor apontado no balanço do segundo semestre, este valor seria de R$ 18,38, mas a prévia do mês de setembro indica um valor de R$ 18,90. No final do dia, o controlador ainda aguardava por ofertas de investidores internacionais que pudessem elevar o valor, o que não aconteceu. Como consequência, a precificação não saiu.

A estratégia foi elevar o preço mínimo para R$ 19,00. Só que, com a elevação, não havia reservas suficientes e a alternativa foi diminuir o total de ações em oferta. Na madrugada, o banco divulgou novo fato relevante, baixando para 71.350.686 o número de ações à venda (com possibilidade de mudanças) e alterando todo o cronograma da operação. O bookbuilding, a fixação do preço por ação, e a reunião do Conselho Diretor do Programa de Reforma do Estado aprovando o preço foram transferidos para esta quarta. O início das negociações das ações, para a sexta-feira, dia 20. E a data de liquidação para a segunda-feira, 23. A movimentação acabou por gerar mais desgaste político, a desconfiança dos investidores e a possibilidade concreta de suspensão.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895