Leite promete modelo inovador de controle do coronavírus ao justificar flexibilização

Leite promete modelo inovador de controle do coronavírus ao justificar flexibilização

Tucano disse que nenhum governo até agora comprovou cientificamente o "nível de interação" de cada atividade

Flavia Bemfica

Leite informou que os estudos para o desenvolvimento de novo modelo estão em curso e incluem a confecção de uma espécie de “matriz de atividades”

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Prestes a completar 40 dias desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus, e com as projeções do Ministério da Saúde apontando para um pico da doença na região Sul no mês de junho, o RS se movimenta no sentido inverso ao de estados e países que adotaram o isolamento social ampliado como forma de deter o avanço do coronavírus e utilizaram a testagem em massa para sair dele gradativamente. Após adotar medidas restritivas amplas em 19 de março, entre quarta e quinta-feira desta semana o governo gaúcho flexibilizou as restrições à circulação e ao convívio social em 95% do território do Estado (a exceção são as 34 cidades da região metropolitana de Porto Alegre), com abertura do setor de comércio e serviços seguindo regras de novos decretos municipais.

O governo gaúcho anunciou que vai entrar em uma nova fase, alternativa às soluções que vêm sendo postas em prática no mundo, a do “distanciamento social controlado”. Trata-se, nas palavras do governador Eduardo Leite (PSDB), de um modelo “inovador, baseado em evidências e ciência”. Nesta sexta-feira, Leite informou que os estudos para o desenvolvimento do modelo estão em curso e incluem a confecção de uma espécie de “matriz de atividades”, com gradação de restrições, de forma a definir níveis de distanciamento.

“Queremos definir quais as atividades e bandeiras de restrição. E vamos chegar a isto com muita análise de dados, grupos técnicos e conhecimento científico”, assinalou o tucano. Ele não detalhou se a aplicação do modelo vai incluir alguma informação além do cruzamento entre o número de casos confirmados, dos óbitos e da utilização de leitos em cada cidade ou região. Nem se há a participação da academia e de instituições de pesquisa. Mesmo assim, reforçou a ideia de que seria possível estabelecer uma relação entre o nível de interação e o de contaminação de diferentes atividades.

“Não houve por qualquer governo ciência que ajudasse a estabelecer qual o nível de interação que há em cada atividade, para que se definisse quais seriam fechadas e quais permaneceriam abertas, porque estes dados não estavam disponíveis. Neste período trabalhamos com análise de dados, pesquisa, exames. E estudos estão sendo feitos neste momento para definir.”

O governador prometeu ainda o desenvolvimento de protocolos de “rápido diagnóstico para agir localmente e na proporção necessária.” Sobre o fato de o RS mudar a regra antes de alcançar o pico de casos, o tucano argumentou que a situação do Estado é diferente, porque o Estado não esperou o crescimento da curva para iniciar as medidas restritivas.

Na prática, as flexibilizações aconteceram antes de o modelo inovador prometido pelo governador ter pelo menos se mostrado possível. E são seguidas por novos decretos municipais que deixam brechas a interpretação. Muitos instituem funcionamento com restrição ao número de clientes em estabelecimentos para evitar aglomerações, mas sem referir a quantidade permitida de público.

No caso de funcionários, regram que os locais funcionem com percentuais preestabelecidos das equipes. Mas não mencionam algum tipo de fiscalização que identifique o tamanho original das mesmas. “Os decretos, todos nós sabemos, são um copia e cola, todos iguais, um copia o outro e era isso”, admite um gestor municipal que prefere não se identificar, sob a justificativa de que está grande o tensionamento entre os administradores municipais.

Prefeitos relatam falta de estrutura para fiscalização

Desde o início da pandemia, prefeitos relatam de forma recorrente que não há estrutura para fiscalizar o cumprimento de regras como a manutenção de distância de dois metros entre clientes em pequenos estabelecimentos ou a proibição de que pessoas experimentem artigos de vestuário. Também desde março, os gestores municipais foram diariamente pressionados por entidades empresariais e uma parcela da população que argumentam sobre os prejuízos à economia.

O fato de um grande número de cidades não ter casos confirmados, e nem óbitos, aumentou a pressão pela flexibilização. Sem a aplicação de testes em larga escala que poderiam confirmar o número de casos, parte dos prefeitos passou a justificar que nem o governo estadual tem convicção sobre quando o pico da doença poderá ocorrer, e que era impossível manter as restrições por tempo indeterminado sem a confirmação sobre uma alta velocidade de contaminação no Estado ou a constatação do colapso na estrutura de saúde.

Na quarta-feira, quando o governador, ao mesmo tempo em que destacou que os resultados da pesquisa encomendada à UFPel comprovavam a importância do distanciamento social ampliado, manteve as regras mais rigorosas somente para as regiões metropolitanas da Capital e da Serra, antes de o RS atingir o temido pico da doença, aumentaram as dúvidas dos gestores municipais sobre a existência de uma estratégia clara de médio prazo. No dia seguinte, quando o governo estadual, após solicitação de prefeitos, excluiu a Serra das medidas mais rigorosas de restrição, as dúvidas sobre os chamados critérios técnicos e científicos utilizados aumentaram. E o racha entre prefeitos também.

“O que mais temíamos como entidade era que esta liberação levasse ao entendimento de que há um retorno à normalidade. Alguns atos recentes dão a falsa sensação de que a pandemia já passou pelo RS. Mas a própria pesquisa do governo aponta que, no início de abril, tínhamos mais de cinco mil casos. Difícil para as pessoas entenderem qual é a estratégia”, resume o presidente da Famurs e prefeito de Palmeira das Missões, Dudu Freire (PDT).

Na outra ponta estão gestores como o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), que nesta sexta-feira editou um decreto já com as flexibilizações. Elas incluem, entre outros pontos, a reabertura de academias, e valem a partir deste sábado. “Aqui temos 18 casos, nenhum deles grave. Faz 30 dias que fechei tudo. No nosso planejamento tínhamos a primeira fase, de contenção, a segunda, de preparação para montar a estrutura do SUS, e a terceira, que é a que estamos agora, de retomada da saúde econômica. Eu faço tudo ouvindo os médicos infectologistas”, assegura Pozzobom.

Questionado sobre se acredita que o RS pode vir a ser uma espécie de exceção no Brasil,  e não registrar um pico da doença, com a rápida multiplicação dos casos, o prefeito afirma: “Difícil dizer se teremos um pico ou não, mas tenho muita fé que dê tudo certo. E é evidente que quando se compara o RS aos outros estados, vou evitar dizer que estamos em uma situação privilegiada, mas estamos muito bem.”

“A gente entende que o comércio quer voltar, que muitos trabalhadores, preocupados com seus empregos, querem voltar. Entendemos tudo isso. Mas, em sua maioria, os municípios não dispõem de dados científicos precisos para fazer as avaliações. Não sabemos ainda o que é o distanciamento social controlado e, quem sou eu para dizer isso, mas acho que se houver um relaxamento, a pandemia vai crescer”, avalia a prefeita de Nova Santa Rita e presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal), Margarete Ferretti (PT).

A região Metropolitana da Capital é a única que segue com o distanciamento ampliado. Mas já há prefeitos solicitando a exclusão de seus municípios das restrições. “A pergunta que me faço é: se estávamos nos baseando em questões científicas para adotar o distanciamento social ampliado e confirmamos que ele deu certo, este tipo de liberação que está acontecendo agora não é imprudente?”, completa Margarete.


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