"Não podemos negar o que está acontecendo", diz Leany Lemos sobre a pandemia no RS

"Não podemos negar o que está acontecendo", diz Leany Lemos sobre a pandemia no RS

Na linha de frente da estratégia de combate ao coronavírus no RS, a coordenadora do Comitê de Dados do governo do Estado e ex-secretária do Planejamento fala sobre ajustes que serão anunciados no Distanciamento Controlado

Flavia Bemfica

Leany Lemos afirmou que não há como negar a curva ascendente da pandemia no RS

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Na linha de frente da estratégia de combate ao novo coronavírus no Rio Grande do Sul, a coordenadora do Comitê de Dados do governo do Estado e ex-secretária do Planejamento Leany Lemos assinala a diferença dos cenários do RS e do Brasil, fala sobre os novos ajustes que serão anunciados no modelo de Distanciamento Controlado e alerta para o avanço da pandemia nas regiões Metropolitana e da Serra. Confira:  

Correio do Povo: Qual é a situação do RS hoje em relação ao coronavírus? Há um agravamento?

Leany Lemos: Há uma curva ascendente, mas precisamos entender que não existe uma unidade do RS em relação a pandemia. Existem várias regiões e, entre elas, a situação é variável. E é assim que analisamos. O que posso dizer é que em algumas regiões do RS está aumentando o número. É preciso olhar para estas particularidades. Esta era inclusive uma das demandas de prefeitos e de setores econômicos, de não olhar o Estado de forma única. E nós atendemos. Só que aí, e entendemos que isso ocorra, que parte dos setores tenha esta reação: quando o dado favorece, ele é bom; mas quando retrata uma situação ruim para determinada região, há quem argumente que o modelo não é bom. Temos muita segurança no que estamos fazendo, e estamos fazendo o nosso melhor. Também não podemos negar o que está acontecendo, é muito claro. E nem adotar uma determinada visão que chegou a ser tentada no Reino Unido e na Suécia, que tiveram que voltar atrás. Todos devemos tomar cuidado e ser responsáveis. O gestor público, em especial, precisa ser absolutamente responsável com a sociedade.

CP: Hoje quais são as regiões onde a situação requer mais atenção?

LL: Temos duas regiões, a Metropolitana e a da Serra, não é que tenham um crescimento acentuado. Mas vínhamos observando antes que o número de casos aumentava e em seguida entrava em um platô. Ou seja, aumentava, estabilizava. Porém, nestas últimas duas semanas, nestas duas regiões, há crescimento em uma taxa estável e aumento na aceleração.

CP: Há em curso um debate que envolve questões técnicas, políticas e econômicas, que é o número de semanas no qual uma região que atingiu a bandeira vermelha, bem mais restritiva, permanecerá com ela. No formato inicial do modelo do Distanciamento Controlado, a região poderia voltar para a bandeira laranja na semana seguinte. Ao tornar o modelo mais rigoroso, o governo estabeleceu que, após obter bandeira vermelha, a região deveria permanecer pelo menos duas semanas com ela, mesmo que seus indicadores permitissem uma classificação na laranja. Após a série de reclamações de prefeitos e entidades, o governo recuou. E agora discute um novo ajuste. Como vai ficar?

LL: A questão desta trava, vamos discutir nesta quinta-feira, na reunião do Gabinete de Crise da Covid-19. A ideia, ainda não referendada pelo comitê, é de que a região poderá voltar para a bandeira laranja na semana seguinte após ter obtido uma bandeira vermelha caso os indicadores melhorem. Mas que, se a região, depois de retornar para a bandeira laranja, na semana posterior obtiver nova bandeira vermelha, ficará pelo menos duas semanas na vermelha. Tomamos por referência justamente o que ocorreu nas regiões de Santa Maria e Santo Ângelo. Inicialmente ficaram com bandeira vermelha, mas em uma situação bastante no limite com a possibilidade de bandeira laranja. E é um limite que pode ou não ser conjuntural. Se os indicadores da região permitiram a volta para o laranja, é sinal de que a conjuntura pode ter mudado. Mas, caso voltem a atingir o vermelho, a sinalização é de que entrou em uma curva bastante ruim. Estamos deliberando sobre estas mudanças porque a ideia do modelo é a da convivência. Então, por que não dar esta possibilidade de avaliar? Digo que é o nosso VAR. Foi neste mesmo sentido a abertura de um prazo para que os prefeitos apresentem seus argumentos e dados que possam não ter sido incluídos.

CP: As mudanças aplicadas no modelo de Distanciamento Controlado de fato devem aumentar a quantidade de bandeiras vermelhas no RS?

LL: Provavelmente teremos mais bandeiras vermelhas, porque estamos capturando melhor agora. Já tivemos alguns resultados. Mas estão equivocados os que afirmam que, com as mudanças, o modelo está se baseando em projeções. Temos 11 indicadores e o único no qual se faz projeção é no de óbitos. Porque quando olhamos para o óbito, significa justamente que estamos olhando para a doença há 15 dias atrás. É alguém que adoeceu há semanas. É sim uma projeção matemática, no sentido da prevenção. Se tenho essa variação de leitos de UTI hoje e esse número de óbitos, quanto terei daqui a 14 dias?  Chegamos a debater a possibilidade de criar salvaguardas a partir de outras projeções, mas acabamos não adotando, porque seria uma mudança mais radical do que aquelas que promovemos.

CP: Com tantas bandeiras vermelhas e pretas nos indicadores parciais, Santo Ângelo poderia ter voltado para a bandeira laranja?

LL: Santa Maria tinha leitos novos, em Santo Ângelo erraram o lançamento de casos. Neste momento, se fosse fazer um comparativo, diria que a situação de Santa Maria requer mais atenção que a de Santo Ângelo. Porque Santa Maria está com um contágio alto. Nas Missões ele é menor. E a velocidade do contágio nos preocupa. Leitos, você habilita 10, por exemplo, dá um impacto naquele momento. Mas se a velocidade de contágio segue alta, o leito ocupa bem rápido e daqui a pouco não tem mais.

CP: Diversos epidemiologistas, entre eles o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que coordena a pesquisa sorológica para medir a prevalência do coronavírus no país,  defendem que sem um lockdown completo será muito difícil conter a velocidade com que a pandemia continua se propagando. Um dos principais argumentos desta defesa é de que há uma tendência mundial de recuo de contágios a partir da 13ª semana que não se verificou no Brasil, principalmente porque, segundo estes especialistas, no momento em que era fundamental manter as restrições, o que aconteceu foram flexibilizações. Como o RS se insere neste contexto?

LL: Entendo que o reitor está se referindo muito ao caso brasileiro. Porque o Brasil não tem plano. Qual o plano do Brasil para lidar com a pandemia e, inclusive, com as diferenças regionais, locais? O que existe no Brasil é um ‘deixa rolar para ver como fica’. Isto é trágico. O entendimento que o reitor e estes especialistas expressam é que se, a nível federal, você não fez até hoje um plano, é necessário fazer lockdown, porque é o lockdown que vai resolver. No nosso caso, tivemos uma quarentena inicialmente e fizemos um plano, que já está em sua sexta semana. Houve tempo para nos organizarmos. É um plano que diferencia áreas com mais e menos contágios e áreas com mais ou menos capacidade de atendimento. E é conforme este andamento que vamos fazer mais ou menos restrições. Como está a região Sul do RS hoje? Relativamente tranquila, zona amarela. Faz sentido impedir todas as atividades nesta situação? Ainda mais sabendo que vamos conviver com isso durante muito tempo? A sabedoria deste modelo é a de entender que você não vai ficar nele dois ou três meses, vai ficar muito tempo. Se em um momento tem uma piora, é preciso fechar, não há jeito. A forma de conter o avanço da pandemia é fechando atividades e ficando em casa. Mas não preciso ter o mesmo nível de restrição em uma área com poucos casos, se são todos rastreados, onde não há o risco sistêmico como em outras regiões. Se você comparar as regiões Sul e Serra hoje: estão em realidades completamente diferentes. Nós nunca negamos que a pandemia iria chegar. E nem que os casos aconteceriam. Nunca prometemos isso, seria uma loucura. O que sempre afirmamos é que não podemos deixar o sistema colapsar e precisamos proteger o máximo possível. A pesquisa da UFPel mostra no Brasil um cenário completamente diferente do RS. De novo, digo que é necessário olharmos esta diversidade. E que todos precisam entender que este não é um modelo do governo. Ele é da sociedade. E protege. A atenção a ele precisa ser de todas as pessoas, dos prefeitos, das entidades. Esta adesão é que é fundamental neste momento.

CP: A adesão tem se mostrado difícil?

LL: É compreensível. Estamos já há três meses na situação causada pela pandemia, neste esforço. Sabemos que é difícil, que nem todos cumprem as restrições, que o isolamento caiu. E isto aumenta o contágio, mesmo que de forma controlada. Agora, quando observamos o que vem acontecendo em algumas regiões que ficaram em vermelho, onde há aumento no número de confirmados, aumento no número de leitos e redução na disponibilidade de atendimento, alertamos as pessoas que vivem nessas áreas de que elas precisam tomar muito cuidado. É importante que entendam o seguinte: sua região está em vermelho. Não vá para a rua, fique em casa. Não estamos vivendo em uma situação de normalidade.


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